31.7.04

Sob uma ponte sobre o Tietê, um andarilho varria a sua casa.

Na Tailândia, morreu nenê e a gente chora vendo a mamãe sofrer.
O Brasil e o Japão fizeram um acordo para a despoluição do rio tietê.
Estão enchendo-o de concreto.
CONCRETO! Muito concreto sempre.
É tudo rígido, feio, cinza, concreto, concreto.
§ Feio! §
£ Bonito! £
Feio feio feiô
Boni'boni'bonitô
Disseram-me que eu não tenho nexo
Disseram-me que eu não pontuo as coisas
Disseram-me que eu dou medo
Disseram-me que eu sou eus
Troque os eu por yuri
Não sou Yuri.
Sou um pato
e estou na ratoeira.
Mas sou também Yuri.
Por que é tudo duro
?
Se eu cair no chão, vou machucar o nariz. A testa. A boca. O queixo.
Sangue.
Sangue vai se misturar com concreto e ninguém quererá bebê-lo.
Será apenas sangue. {Ler a última frase das seguintes formas: a- anúncio de atração na Tv, não percam. j- gemido num ato sexual ç- último sopro de vida w- um cientista louco pensando alto suas idéias malignas x- uma moça, ao seu amor, num tom esperançoso como uma fuga h- ópera u- ansioso g- enojado v- indiferente l- preocupado q- como bem quiser}
E em pouco tempo o sangue sumirá, transformar-se-á.
Oconcretobemquepoderiatambémmemachucarmaisseriamente. Eu morreria. Morreu na contramão atrapalhando o sábado. Teríam nojo de mim. /edoconcreto/
Pouco a pouco meu corpo decomporia-se sem que tocassem em mim.
Um grande fluxo de de meus restos.
pessoas desviarse-íam
Eu federia. Eu fedo.
O rio Tietê fede.
O mundo fede.
Você fede.
Fedido fedelho fedegoso fedegosma
Gosma!
Uma das primeiras etapas da decomposição de corpos após sua morte é a gosmificação dos olhos.
_Mas os olhos já são gosmas_
Meus olhos são imperfeitos.
O concreto é imperfeito.
vocênemsabeoqueéperfeiçãoseuyuri
Talvez aquele homem sob aquela ponte sobre aquele rio varesse meus restos e limpasse a poça de gosma ocular e sangue. Ou simplismente saísse dali para um lugar que não fedesse mais que o fedor ao qual ele já se acostumara.
Quanto esperma para se fazer um filho.
Quanto suor paro o essencial.
Quanto milho pra fazer uma só broa.
Quanta água para que se tenha sal.

Uma máquina gigantesca =ouminúscula= transportava terra, fezes, esperma, suor, milho, broas, filhos, corpos, gosmas, sangue.
O Rei pode sim andar a Cavalo.
Cavalos trotam. Não andam em éle. pocotopocotopocotopocotopocotopocoto
E daí que eu não pontuo da forma padronizada. Eu a conheço. Conhecendo-a, sinto-me no direito de abolí-la. Padrões são monótonos ° mono= um, único ; tono= tom, nota musical, som invariável quanto à altura.°
e
limitantes. Abolindo-os, as possibilidades são ilimitadas. Todomundogostariadefazerumacoisaquenãosabefazer. Masaspessoasquesabemfazeraquiloqueagentenãosabefazertambém nãosabemfazeraquiloqueagentefaz. Eutôfalandorápidoassimporqueeuquero, porra!
Vem cá meu bem! Vem cá meu bem!
Por que não se pode amar?
Por que não se pode amar?
O amor é proibido, dificultado, monstrificado, temido, complexado, escondido, arruinado.
Mas
O amor é necessário, natural, possível, ilimitado, simples, beneficamente incompreensível.
Ora, d e i xe m - me amar!
Correr
Correr correr correr correr correr corrercorrercorrercorrermorrercorrermorrermorrermorrermorrercorrer
gritoooooooooooooooo
As taças de vidro trincaram.
Os ossos meus trincaram com o maldito concreto. Bati o nariz, a testa, o queixo, fiz a poça de sangue e trinquei o crânio. Mais gosma. Atravessa o crânio, as dermes todas, as coisas todas. E escorre também. CINZA como o concreto.
CINZA
?
Cinza? Não sei. Nunca vi. Já vi. Não como o concreto.
O concreto é incomparável. É o cinza da insignificância. A morte não. A morte é branca, branquíssima! ou vermelha. É o cinza da informidade.
Prefiro o azul que passa pela atmosfera; ou o verde da Amazônia, ou a negritude da noite; ou o amarelo dos pintos das galinhas. Ou o branco dos dentes não brancos. Ou o roxo da terra vermelha.
Mas o concreto é cinza.

O queijo suiço flutua no céu.

27.7.04

Canis a non canendo...

"Chamam-se cães porque não cantam."

O Latido

Os cães têm uma forma sublime de comunicação. Seus olhares, seus cheiros. Sua intuição. Acima de tudo, eles latem. Quer grito mais completo que o latido como um tiro de um cão reconhecendo sua terra? O latido é um eco de todos os tempos, que expulsa pela boca o significado de toda uma alma. Ele não tem palavras, não tem sutilezas: é simples e direto, pois não usa símbolos. O latido é o canto primitivo da alma canina, o urro primordial do animal em plena vida. Talvez, por não ser tão belo, tão lírico quanto um uivo, o grito é deixado em segundo plano pelos poetas e outros idiotas (ou não).
O latido é o intrínseco, o punho gutural, o instintivo. Não se pode finjir um latido: ou você late, ou cala. Ou você berra, ou sibila. O berro. O berro é a versão humanizada do urro, do latido. Menos súbito, menos violento, mais prolongado, contido, afinado. Ainda assim o berro é sem palavras, apenas sons que se atropelam palo ar que cortam surpreendendo quem receber a mensagem. Tudo muito claro, muito certo.
O latido é a extirpação do mêdo, do receio, da formalidade, da etiqueta. O latido é a libertação. Jogar para fora todos os sentimentos de uma só vez. Não apenas se ouve o latido, mas s'o sente. Sente-se o grito canino pelas coisas que ele arremessa e atira em todas as direções. O latido é um tiro, oco, feroz, cego e certeiro. Todos os alvos são alvos para o latido de um cão.

Um cão não canta? Ele uiva. Uivemos, disse o cão. O canto dos cães é o uivo. Primitivo, mas lírico, cantado em verso e prosa milhares, milhões de vezes. O latido não. Mas o cão late. O uivo é a expressão mais nobre da alma deste ser que é o cão. Mas o latido é a mais nua, a mais vera. É a própria alma. O latido.

Sidarta

Um ancião, encurvado, não consegue andar, se apoiando num bastão.
 
Um homem agoniza em terríveis dores devido a uma doença interna.
 
Um cadáver é envolvido num sudário de linho branco.
 
Impermanência.
 
Não despertamos... Hoje eu fui ao Hospital das Clínicas tomar vacina contra o tétano. Desci no metrô clínicas e andei até o prédio do ambulatório. A minha primeira visão foi de um grupo de pessoas em frente ao posto da polícia militar que fica do lado da estação do metrô. Uma médica agradecida. Um policial. Um homem pequeno, magro, velho, cujos olhos estavam vermelhos e cheios de sangue quente, um sorriso dolorido. Um outro indivíduo coberto de bandagens (um olho escondido por elas), tantas que não sei se era homem ou mulher.
 
Andei bastante até o prédio amarelo, imaginando quantas das pessoas que passavam por mim estavam doentes. Quantas morreriam logo? Quantas não morreriam, atingindo a tão sonhada imortalidade?
 
Fila enorme, pegue sua senha, eu não preciso, vou só entrar na sala do centro de imunizações e encontrar minha mamãezinha que vai arranjar tudo pra que seja bem fácil ficar com tudo em dia. Afinal, meu rosto não está amarelo, não pareço que vou desmaiar a qualquer momento. Ele, sim. Acho que vi deus em algum lugar, com uma pedra no rim ou uma artéria entupida. deus com tênia, bicho de pé, deus com diarréia, malária, febre amarela, deus com alergias, deus com o olho cheio de sangue quente.
 
Não desperto. Abuda, inbuda, desbuda. deus morre na sala ao lado.
 
deus morre na sala ao lado, não chegou sua vez, morre ainda na fila com a senha na mão, morre sem poder pagar tratamento numa clínica particular, enquanto eu reclamo que não tem joguinhos no computador.
 
deus morre na sala ao lado, e ninguém percebe. Uma mulher, que estava à sua frente na fila, fecha seus olhos cheios de sangue quente e logo olha para a frente da fila, esperançosa de que algum dia ela ande. Um rapaz, que estava atrás de deus, empurrou-o para o lado para poder pegar seu lugar na fila. Um garoto de três anos brinca com o nariz esfriante de deus enquanto sua mãe reclama silenciosamente.
 
deus morre na sala ao lado e fica apodrecendo lá por semanas, meses.
 
deus morre na sala ao lado e deixa o mundo abandonado à própria sorte. O Demónio vai conferir, sai de seus infernos e vai ao Hospital das Clínicas, encontra deus e ri, mas pega alguma doença tropical de outra pessoa da fila e fica cansado, fica cansado e senta para descansar, morre logo mais.
 
deus morre na sala ao lado, sobre ele morre o Demónio. Nietzsche, já morto desde 24 de agosto de 1900, não vem conferir, tão míope que está, mas coça o bigode e ri, finalmente certo.
 
deus morre na sala ao lado, sobre ele morre o Demónio, Nietzsche já estava morto. Eu vou conferir. Imediatamente, as portas do ambulatório abrem-se, trinta enfermeiros vestidos de dourado tocam trombetas. Eu entro, as portas do paraíso fecham-se atrás de mim. Um corredor imenso, não vejo o fim. Esteira rolante, não preciso andar, mas ando para ir mais rápido. Não corro, com medo de cair. Chego ao fim, outra porta abre-se.
 
deus morre na sala ao lado, sobre ele morre o Demónio, Nietzsche já estava morto, eu fui conferir e entrei no submundo. Há um grande pedestal, olho pra cima e uma luz verde me cega. Meus olhos se acostumam e vejo, coberto de esmeraldas e ouro, anjos voando sobre sua cabeça, Sigmund Freud, bastante mais barbudo do que você lembrava, ocupando o lugar de deus.
 
deus morre na sala ao lado, sobre ele morre o Demónio, Nietzsche já estava morto, eu fui conferir e entrei no submundo, Freud controla nossos destinos. Eu mato Freud e volto pra casa de metrô, lambendo a faca coberta de sangue amarelo. Cochilo. Acordo. Leio Grande Sertão: Veredas. Preciso acabar ainda nas férias. Questão de honra. A faca sumiu. Excalibur. Alguém ocupa o lugar de deus. Deveria ser eu, eu o matei. Não sou eu. Hipócrates.

A Parede ---------- Versão IV

Havia aqui um texto. Não há mais.
A maravilha da tecnologia conseguia, mas não quer impedir um texto de se perder no espaço. Rio. Choro. Mordo. Sofro. Odeio. Desprezo. Olho para a parede. Vazia. A parede branca; pedaço de parede a parede.
A versão II não tem quase nada a ver com o original.
Portanto, perdemos alguma coisa.


A Parede.
Descobri-a agora. Entrei em casa, distraída como de costume, e aí então, como fora do costume, vi suas bolhas. Bolhas. Nunca vira suas bolhas. Bolhas? A tinta branca a tinta. Vi a parede. Nunca vira a parede. A parede? O que ela fazia ali? A porta do banheiro, a porta do hall que podia estar cobrindo a parede, mas fechada. A porta. Os quadros ao lado da porta. Os quadros.
Quando pela última vez vira os quadros? Nunca. Desta vez também não. Eles pemanecem na escuridão. A parede não. O pedaço, o canto de parede. O canto. Paredes não cantam, mas esta sim. Nunca olhei para a parede. Nunca vi a parede no corredor pelo qual passo todos os dias, muitas vezes, mas hoje sim. Hoje a parede. A Parede sim. Pelo corredor o espaço vazio em minha retinas fatigadas o espaço da parede vazio e branco e bolhas e canto. Canto. Hoje eu não, mas sim. Sim, eu sim. Eu hoje a parede. Vi.

Eu vi a parede pela primeira vez. Hoje, distraída.
Apenas porque estava bastante distraída, de outra forma não teria olhado a parede. Clarice Linspector. Apenas estava bastante distraída. Admirava-os estarem juntos. Quando num desvio ou esbarrão sem querer se tocavam. Admirava-os.

Admiração. Intuição. A parede, branca, pedaço, canto.
Canto de primavera. Bagheera, Baguera. Cantada, xaveco, serenata. Concede-me esta dança? Dança dos pássaros nas ondas. Cortejo. Pedaço. Canto. Primavera. O quê?

Eu descobri um canto novo na minha casa. Foi como olhar para aquele cômodo pela primeira vez. Eu vi uma imagem nova, na minha própria casa.

O Corredor, o canto que faltava; e eu nunca dera pela falta. A falta. Minha baqueta. Batuta. Caixa de livros na mudança. Essas coisas acontecem. Ou não. Difícil dizer. Anel de elefantinho em Toque-Toque Pequeno que, aliás, é bem maior que Toque-Toque Grande. Tudo uma questão de tempo. Tudo efêmero, um prazer qualquer fadado a desaparecer no vácuo, assim como estas palavras, escritas uma, duas, quatro vezes. Quatro. Desaparecer. Descolorir. Aquarela. Assim como todas as outras canções.

Andei até o canto da parede. O canto. Olhei para o lustre; novo. A sala toda nova. Toquei a parede. O toque, novo. Olhei para trás. Um novo ponto de vista. Foi como ter acabado de mudar, e olhar para o cômodo mobiliado pela primeira vez. O reconhecimento. Vi a parede, o armário, o berço, as portas.

As portas fechadas. Os braços fechados: abraço. O reconhecimento do corpo abraçado. Emaranhado, entrelaçado. Um montinho de veias. Velas acesas, ou apagadas.

Reconhecimento
Reler: panos e lendas.

O muro.
A primeira visão da casa: sem muro, um estranho jardim da frente das janelas. Estranho. O portãozinho de madeira. O carpete. Tudo isso eu vi uma primeira vez. Mas a parede. A parede eu vi só agora, hoje. Ampla, vazia, grande. Pedaço de parede. Pedaço. Padeço. Pareço. Pereço. Morro. Teus braços me enlaçam e me deitam na cova onde esperas que eu fique e apodreça. Mas não. Quem cala, morre comigo mais morto que estou agora. Loucura.

Cura.

Eu olhando para o pedaço de canto de parede. Inúmeras descobertas. Agora, quando passar pelo corredo, poderei ver a Parede. Aliás, todas as paredes. Rio. Caberia um quadro naquela parede, caberia. Meus planos de mapa de São Paulo, cabem facilmente. Páro. Um quadro, a moldura do passado. Vejo agora o quadro como um todo: a porta do banheiro, a Parede no canto ampla e embolhada, a porta do Hall, os desenhos quadros n'outra parede.

Observo o canto. O Canto. Toco o canto da parede: fria, mas não mais que o meu olhar. Nunca! Rio. Vou falar que você usa drogas e diz coisas sem sentido. Rio do som da minha própria voz que canta, esse canto ilógico. Canto. O Som. Wolf não é nome de lobo que não late. É nome de cão. Canis lupus. Cão, lobo. Talvez fosse o nome de tudo ou coisa nenhuma. E os lobos foram os que aprenderam a não latir.

O Não. Não-latido. Vazio. Dág. Falta de sentido. Assim como minha mente.

Minha janela tem manchas. Mas isso foi na segunda, ou na primeira versão. Algo se perdeu para sempre.

Mordo tua costela. Corto teu peito. Te mato, mas não te devoro. Só as mãos, as mãos. As patas. Patas não são pernas. Solidão invisível. Quem grita, vive contigo.

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAaah!

25.7.04

Alguma coisa desse naipe:

"Eu tive uma vida antes disso."

Não te parece estranho que eu tenha tido uma vida antes disso? Que, antes isddo começar, outras milhares de coisas começaram? Estas não são as minhas primeiras palavras... Tenho pilhas, pilhas e montes de palavas escritas, de cadernos, fichários, blocos de notas, arquivos do NotePad e do Word. Néanmoins, mes enfants, não consigo lê-los! Palavras, palavras e mais palavras vazias cheias de significados, milhares de mensagens de ICQ, gigabytes de e-mails guardados, neverending bookmarks e favoritos. Agendas com escritos e diários com significantes cujo significado eu mesma desconheço! Tato, tato, tao. Sei de coeur a maior parte dos meus poemas, de tanto que os li e reli tentando buscar em mim mesma uma significância qualquer. "Quero que saibas, senhora, que ainda hei de escrever as mais terríveis histórias para que as possas ler." Idalina, despezei-a mas fui uma das poucas que veramente gostou dela... "Como pode alguém entender a minha dor? Essa do que me tortura é uma rosa-negra em flor." Un. Indeed. Milhares de palavas de sofrimento. Leio-as e releio-as em minha mente.

Tudo isso, passado.

Sem importância nenhuma. Não consigo compreender esse sentimento de vazio ao olhar para o passado: repulsa.

Me incomoda pensar no passado. Andando ao teu lado, me vejo divagando sobre estas águas que não voltam mais. Tentando arrumar um algo qualquer para falar, só posso me lembrar dos amigos que perdi, dos primos que não vejo há tempos, dos melhores amigos, irmãos escolhidos e amados como as estrelas de uma mesma constelação, que se tornaram apenas amigos, e dos amigos de amigos que nunca foram sequer amigos de verdade...

As cenas que me vêm à mente, de lutas de espadas, jogos de futebol, basquete, handball, Imagem&Ação, baralho, video-game, de arrumações da casa, faxina, férias em Ubatuba, passeios de bicicleta, tiração de gesso do braço, brigas e mais brigas e mais brigas, cabulagens de DELF para ir na Ação, ratas e mais ratas, históias em quadrinhos, filmes, livros, baladas, baladinhas de sexta-feira na Kiki, "levar cerveja", cheiro de maconha, folhas de plátano, montinho, ombrofight, footfight, "do not talk about fight club", magnum, ser mosca... São... são apenas lembranças plenas vazias de significado. Elas são apenas uma indicação do meu passado. Meu passado. Um arauto da morte. E mesmo isso é uma lembrança dos arautos de Murphy — apenas um amontoado de significâncias que para qualquer outro são apenas significantes sem significado. Para mim, porém, são os rabiscos que adornam a moldura de um quadro.

É isso que meu passado é: um quadro.
Todos aqueles fatos, não encaráveis como coisas, servem apenas para compor um quadro já formado. Já formado. Não te dói saber que esse quadro está formado? Assim é minha vida: ela passou inteira, até isso, em formação, mas agora, é difícil para mim dizer que ainda faltam algumas pinceladas nesse quadro.

Mas faltam.
Sei que tudo o que eu fiz não foi em vão: toda aquela dor, todas aquelas bobagens, as noites cheias de crianças bêbadas de sono e coca-cola, trocando macarrão por pizza, brincando de pique-alto, rouba-monte, rapa-manilha, contando piadas, confundindo satélites e estrelas, caçando vagalumes e ovos de Páscoa. Mas, no final, nada disso importa. É apenas um plano de fundo: todas as manias de Monk que desenvolvi com o passar dos anos, todos os valores, todos os referentes! É preciso tempo para se criar referentes! Tempo, quero dizer anos. Como posso aguentar te conhecer como se te conhecesse há anos, quando, no fundo, te conheço de verdade há, o quê? cinco meses? O resto, o resto todo é apenas resto, escória. História. E, entretanto, começo a criar um passado contigo também. Um dia, poderemos olhar para trás e achar tudo extremamente engraçado.

Eu queria ser capaz de conhecer todo mundo como conheci meus velhos amigos, há oito e meio, quatro e meio, três, dois, um ano. Mas não posso. Algo mudou. Algo torna esse último ano completamente diferente. E não sou apenas eu.
Não te parece estranho pensar que eu vivi a minha vida antes disso?
Eu preferia a sensação de estar vivendo aquilo, por pior que fosse, à de lembrar, sem emoção nenhuma. Um, dois, três, quatro, oito, quinze anos. Tudo passou tão devagar.
Na verdade, eu até compreendo. O começo do ano parece parte do meu passado. Viagens à Cajaíba remontam a doze ou treze anos de família. Os primeiros olhares, as primeiras conversas, as primeiras festas. As primeiras baladas com músicas antigas e novas, as danças de velhos amigos mais velhos. As bobagens com vinhos e pingas, pizza, pinto na bosta, Máfia... Parece que eu conheço Máfia há tanto tempo! Um lapso: parte disso parece recente, parte parece tão antigo.

O passado é um lapso, um lapso. Catso, não sei o que pensar, seus patsos. Parte disso parece ainda estar vivo, num último sopro ou respiro. Peixe.

Patsos não comem queijo. Com certeza não comem a melhor parte do queijo, que é a casca. Não podem comer o queijo parmesão que é o melhor queijo. Saí dessa maldita ratoeira; vamos ouvir músicas desconexas debaixo de uma mangeira, comendo creamcracker com maionese de atum enquanto o veileiro balança, balança...

A verdade é que tudo parece distante quando estou contigo, que nunca foste parte integrante de nada disso. Capicce?

O penguím está na torradeira, vai virar torrada.

Interprete como quiser.

Pirandello tem sempre razão

Se podemos realmente ver-nos, é porque já estamos mortos. A forma é uma coisa morta. Teria aspas, mas eu não lembro direito.
O eu não é essa forma, não o Eu que está por trás. Não?
Eu sabia já, sabia que era eu, que morrera há três anos. Só me esqueci de nascer. Não tinha percebido o que é mais que lógico, o que qualquer um perceberia: arrasto por aí minha carcaça apodrecida. Não é a toa que cada vez mais eu...
Abre-me os olhos um marido-pai-consultor-professordedireito-advogado cuja forma morta ele não pode deixar. Não tenho um carrinho de mão. Mamãe sempre disse - Pirandello tem sempre razão. Aposto que a sua também.

Agora entenda-se - eu realmente pensava ter nascido. Devia ter desconfiado de um parto tão calmo. O parto deve doer, aguardo o meu tremendo de medo - pra não dizer cagando (mas parece que agora é tarde, já disse). Descobrir-se morto não está entre as melhores coisas do mundo. Não pode estar entre as piores, já que a morte é a inexistência, e o nada não pode ser bom ou ruim, melhor ou pior.
Eu não existo. E não falo de baboseiras pseudo-filosóficas berkeleianas à la Matrix ou qualquer dessas merdas. Deixemos claro que 'merda' não é palavrão. Eu não existo. Por enquanto, sou um eu nitzschiano, apenas impulsos, forças que lutam entre si para prevalecer dentro de um frasco de carne. Construo o mundo ao meu redor para não ter de me construir.

Chegamos assim ao fato irrefutável, porém adiável - e quem discordará de mim quando eu disser que o impulso que prevalece no meu ecce homo é o do adiar? Pós. Mas disfarça-se o adiar na pele vazia (e impregnada por um fedor de carne podre) do esperar. O fato: não adianta. A esse eu, jamais acontecerá o que eu espero. E se acontecer (criando uma relação de causa e conseqüência digna de Górgias - ou quem quer que fosse aquele, não lembro bem), não adianta.

Como pode alguém ser feliz sem existir?

Não adianta. Ainda terei que construir meu eu.

Esclareçamos: eu o faço. Construo, é verdade. Lentamente. Lentamente. Pode-se dizer que os momentos de mais contentamento (e não alegria) em minha

PAUSA. Vida? Morte? Existência? Inexistência? Optaremos, após um processo de escolha totalmente democrático dentro do meu próprio ser ou não-ser (dialética muito mais avançada do que a dos jovens hamlets aclassianos), por 'birosca' [Gabi, não você, a outra, onde você estiver, um beijo de seu amigo inexistente]. despausa.

que os momentos de mais contentamento em minha birosca são os de construção do meu futuro eu em que nascerei. Esse meu pseudo-eu é um útero. Muito mais frio que os úteros normais. Hoje eu me construi um pouco. Muito pouco. Na verdade, já havia construído, mas mostrei esse pedaço de mim para quem faltava. Foi uma pós-estréia. A idéia de pós anda aparecendo demais nesse post. Acontece que eu volto a adiar.

Poderia eu irromper desse útero, rasgá-lo agora mesmo, de sopetão, mesmo incompleto? Que terrores não haveriam quando a sociedade visse-me incompleto, membros faltando, buracos mostrando minhas entranhas. Das entranhas da terra, eu devoro.

Menti. Lá em cima, pode procurar: eu disse que arrasto meu cadáver. Menti. Bosta, também despalavrão. Meu cadáver me arrasta, pelos cabelos, meu couro cabeludo sangra, meu cadáver faz força e ri.

Você que me conhece há mais de três anos. Talvez possa contar a alguém como eu era quando vivo. Mas já não era eu. Era essa forma morta, só que viva. Não era uma forma. Era só conteúdo. Ser feliz é preencher o vazio de nossa existência, felicidade é ser-em-si, nada de para-si. Felicidade é a melhor das inexistências. Felicidade é impossível, e portanto é uma enganação. Quem me conheceu há mais de três anos viu uma enganação. E ela morreu. Porque só precisamos de um sopro.

Um sopro. Como antes, Pirandello tem sempre razão.

Quão brega é terminar o post com o título?

22.7.04

Há algo errado... (versão 2)

Antes:
Não, vocês não leram a primeira versão. Ninguém leu. Ela foi apagada / perdida /  para sempre / será? / .  Sim. Se não foi, !que seja!.

Agora:
Há algo errado com o mundo. Calai-vos. Não me importo se todo mundo já sabe disso. !Não me importo.
Na verdade, todos sabem. Acham que sabem e acham errado. Pois sabem, mas não sabem que sabem. Apenas acham que sabem.
!Claro que sabem / cala-te Y / .
Mas não gostam de saber. Acham que gostam {e realmente gostam de saber o que acham ser aquele erro} mas não gostam e fogem e ignoram e fogem e escapam e esquecem / mas não esquecem/ .
Todo mundo sabe que tem algo errado. Esse algo errado não é nada superficial. Esse erro [cometido no pricípio de tudo / e {principalmente*} de todos / e recometido e recometido e recometido e...] é profundo encontra-se lá embaixo, atrás, antes e agora.
/ ? Será que ele sabe qual é esse erro. /
{eneáótil; não}
[Claro que ele sabe. Mas também foge, como todos.]
{ahn..}
É esse erro, enãotudoaquiloqueovicenteeojoãoeojoséeamariadizem, o responsável pelo mundo estar como está. Errado!
Claro que eu também fujo dessa droga de erro, mas chega não quero mais!
Não podemos querer mais!
Temos que arrumar esse erro. Antes que seja tarde demais.
{? já não é tarde demais.}
[Acho que ele prefere pensar que não]
Não esperem descobrir o erro agora. Não espero descobrir o erro. Temos que ir no fundo; e cada vez mais fundo; mais fundo; e mais; mais; !!!mais!!!; ...
Eu prefiro pensar que ainda dá tempo. / ?estará ele errado ?será ele um babaca ?ele bebeu. /
Estou apenas cutucando-vos. § cutuca cutuca cutuca cutuca cutuca cutuca cutucacutucacutucatucatucatucatuctuctuctctctctctctctctc cutuca § [mais u qui é qui foi isso? Cois'di locu!]
Pretendo cutucar mais. Cutucarei a mim mesmo.
/ CUTUCAI-VOS UNS AOS OUTROS /

Depois:
Esqueci o que ia falar.
Até muito breve!

Coisas

Coisas, coisas... coisinhas. Coisinhas. Cousinhas bem pequenas. Pequerruchinhas.

"Eu sou a coisa, coisamente."

"Já não me convém o título de homem."

Frases desnexadas sem sentido... Pleonasmo. Pleno. Pleine-lune. Cheia.
Palavras são só palavras. Eu também as leio de uma forma desconexa. A ordem não tem importância nenhuma. Leia um livro de filosofia aleatòriamente. Seria engraçado, sim! Já leste um livro de filosofia? Bagunçando os capítulos? Bobagem: formalidades, formalidades. Burocracia. Hipocrisia, ideologia, dogma. Pragma. Magma. R.

Eu sou a coisa.

Eu falo, mas não ouço minha própria voz. Será porque o som dos meus pensamentos abafa esse barulho? Hm, será?

O homem quer ir à Lua.

Deixa o universo todo igual; ele todinho.

Sinto falta das aulas de português na sétima, sexta ou oitava série. Peça de teatro, livro surrealista, história para crianças, fábula italiana, conto de mistério, terror ou... Brecht, Machado de Assis, García Marques, Tolkien, Carrol, Poe, poemas de Drummond, Mário Quintana, Melo Neto, Cecília Meireles.... O Hobbit, O Chamado da Floresta, O Alienista, Alice, Don Quixote, Visconde Partido ao Meio, Haroum. Escolher um livro foi legal...

"Minas é dentro e fundo."

Ou não. Ou sim. Quem sabe?
Tenho uma suástica carimbada no pulso direito.

Aiai...
Sou um emaranhado de nadas
e não quero soltar jamais.

"Sou um fantasma de máquina
de sentimentos sangüínios
carne de metal."

É feia, mas é uma flor. Furou o asfalto, o nojo, o tédio e o ódio.

Cousa pequena!

"Somos soldados do pântano,
cavando lama com a pá,
cavando lama com a pá
lama com a pá
lama com a pá pá pá..."

21.7.04

02:20 a.m.

Horário engraçado, palindrômico - e olha que eu só percebi isso depois de colocá-lo como título.

Engraçado postar depois daquele surto.

Pensar em quem a gente gosta, depois de tanto tempo: engraçado.

 
Não estou rindo. Engraçado?

 
Queria conseguir ler direito os textos da Marina, nesse blog, no só dela, todos. Quando começo a realmente ler, páro, ou melhor, não páro, mas páro de realmente ler, porque começo a apenas ouvir o sons das outras palavras, sua rispidão, tentando apreender algum significado dessa sinfonia - só instrumental; passo a sentir o texto e não lê-lo, esqueço a ordem linear, agrupo palavras aleatoriamente. Engraçado. No final, parece mesmo que eu li o texto. A Marina é como eu, acho. Poucas pessoas são como eu. Aliás, não penso em nenhuma. Só a Marina. A Marina é como eu.

A Marina é como eu. Percebi isso agora. 02:24 p.m.
A Marina... Sei lá. Às vezes penso que para ver a Marina é preciso mastigá-la, de preferência literalmente, mas metaforicamente também é uma boa. Acentos graves já inúteis. Inùtilmente. Engraçado. O cabelo novo da Marina, os dentes dela quando eu faço cócegas.

 
Estou falando com a Clara. Acho que estou. Engraçado. A Clara A. Que nem O Medo O do Guimarães Rosa, mas Clara. A Risada da Clara. R maiúsculo? Engraçado.
A Clara é um dos desenhos dela. A Clara é aquela ave colorida que um dia ela deu pra mim e a Gabi roubou. A Clara voa até a Cidade do Sol e explode, com muito fogo e cor e calor, aquecendo o mundo enquanto o Sol descansa. A Clara vira cinzas coloridas, e as crianças pobres de países latinos brincam com as cinzas, jogam pra cima, riem. Então a Clara renasce das cinzas das crianças. Ela é a ave do desenho dela.

 
O sono. (A Clara tem algo a ver com o sono: - O pássaro voando no sono! no sonho, na noite. O sono com um arco-íris noturno, que é diferente, só tem cores escuras e frias, não tem amarelo, o arco-íris do sono por onde a Clara voa.)

 
O que será da minha vida?
Amanhã-Ontem. Ant'ontem?
O que será? Que será? Serão, serás...
Minha vida amanhã será, mas depois, depois.
Quem será na minha vida? Quem será minha vida?
Minha vida num gramado claro, de dia ou a noite, gramado.
Minha vida um jogo de caça-palavras, um tétris complexo e metafísico.
1 (um) ""tétris""
compl---------exo
e metafísico.

 
Metaphysics. The highest form of philosophy, which attempts to gain knowledge of the ideas. Because the traditional, speculative perspective fails to succeed in this task, Kant suggests a new, hypothetical perspective for metaphysics. Metaphysics can succeed only when it is preceded by Critique.

 
Penso na metafísica, na ética, penso em Deus, no vazio, no ser-em-si ou para-si. Precisamos trocar a borracha da porta da geladeira. Trocar o fogão. Engraçado.
Pico os legumes.


19.7.04

E um dia...

Sabe o quê? Eu estava certa. Eu descobri que menti: 'tá tudo errado. Procurar no vento não responde nada; caçar na terra não diz quem nós somos... Podíamos simplesmente procurar por nós mesmos nos olhos dos outros. As respostas, as perguntas, todas aquelas bobagens, está tudo lá. Ou não. Ou, sei lá. Escrever aqui é como fazer prova de história; quem se importa se as coisas não fizerem sentido... Você não faz sentido. Você é uma máscara. A máscara, de qualquer forma, é apenas uma visão da sua face mais aparente — ela é parte integrante do seu ser. Mas não dói? Quem se importa, tudo dói. Tudo, até as coisas boas... Eu te vi chorar por causa dela...E eu te vi morrer. Milhares, milhões de vezes eu provei teu sangue... e sabe o quê? Ele tinha o mesmo gosto insípido de todos os outros.

O que eu estou querendo dizer? No fundo, somos todos iguais. Os mesmos medos e desejos. Essa maravilha de diferenças é apenas nossas camadas mais externas. Ainda assim, não deixa de ser a parte mais importante do nosso ser.

16.7.04

Explicação

Esse último post foi um surto. Ponto. Se não aguenta, não leia. Se já leu, bom, de qualquer jeito. Se gostou, não me importo, se não gostou, foda-se.

P.S. não há erros de digitação. É tudo intencional.

sem título

- grito -
Por que eu grito?
- grito -
Risada.
 
 
 
Você sabe qual é a única coisa que um ser humano quer fazer? É a única coisa que ele pode conseguir. A gente só sabe gritar. Porque olha: ! Os prédios, as paredes, tudo tá em silêncio, tudo que o homem faz e é fica em silêncio, e o que não é do homem não sabe nem pode gritar, opaco pra si. - sirene de ambulância, buzina de carro, canto de pneus, toda essa merda - Ouve o silêncio, o homem se nadifica, o homem só pode gritar e fica em silêncio, que porra é essa? Por que eu grito? O grito acaba em alguns segundos, talvez ainda haja um eco, mas tudo volta ao silêncio das buzinas sirenes cantos -. E você viu o grito, tá aí, nessa máquina, enrolado numa fita de vídeo, e se você não mostrar ele não terá acontecido, se a porra do seu filme não for exibido eu nunca vou ter gritado. Meu grito escorre pela avenida paulista, - mais devagar do que eu ando por ela -. Eles ouviram, eles: prédios, semáforos, as listras brancas, filma elas pra ilustrar! Mas daqui a alguns minutos, um sexto de hora ou qualquer coisa, ele chega até o vão do masp, e se interditassem a avenida rápido o suficiente meu grito ficaria preso aqui pra sempre, e fim, mas quem pode fechar a avenida paulista? E ele começa a subir, e cachoeira pra nove de julho, de lá pega um ônibus, meu grito, meu. Meu grito nas bancas: compre 1 g-magazine e leve outra grátis. Entro gritando, com seis reais compro um livro da Florbela Espanca/A Mensageria das Violetas/Antologia/Seleção e edição de Sergio Faraco/Florbela Espanca (1894-1930), ignorada pe-/la preconceituosa crítica do início do século, é con-/siderada hoje em dia a mais sublime voz feminina/da poesia portuguesa de todos os tempos. Seus sonetos são um ousado diário íntimo, onde palpitam as ânsias de uma mulher ardente, a clamar – desco degraus lendo – pe-las carícias de um amor impossível. O caudal dessa insatisfação veio desembocar na trágica madrugada de seu 36° aniversário, quando a bela e carnal alentejana se calou para sempre, após uma dose excessiva de Veronal. Entro numa rua que cruza a avenida, deixo para trás meu grito escorrente, mas ele vem me seguindo e eu grito mais: se calou para sempre! Meu grito tá nas bancas, e não só na bosta do livro da Florbela Espanca, tá na G-Magazine, na Playboy, nos dvds, se calou para sempre o caralho, tá aqui na minha mão o grito – Sombrios mensageiros das violetas,/De longas e revoltas cabeleiras;/Brancos, sois o casto olhar das virgens,/Pálidas que ao luar, sonham nas eiras. Prestou atenção? Prestou? Sei que não. Gravou aí na porra da sua fitinha e mais tarde presta, ou finge que presta, se fôr vira silêncio. Se calou para sempre após uma excessiva dose de Veronal. Verona, Romeu e Julieta, - grito -, dose. Esse aqui é o grito do frei louco, insano. Eu estou maluco, sim, estou, não podia estar quadrado, careta. Mas como ser maluco tanto assim como você? Cazuza, veronal com uma agulha porca com hiv, lama, merda. Surtar quando vê Cazuza. Ouvir Cazuza dentro da cabeça enquanto anda pela avenida paulista, seus afluentes -. Paro, tua câmera dá a volta, continuo andando, tu me filma pela frente. Tu já deu o cú? Já tomou no cú? Tomar no cú é causa certa de grito. Porque você ainda não entendeu que eu não tô falando de grito filosófico, psicológico, bosta nenhuma, não tô falando de arte, falo de grito de verdade. Tomar no cú, ser espancado com um pedaço de pau, enfiar um gilete no seu pulso. Grito urro. Não me convidaram pr’essa festa pobre que os homens armaram pra me convencer. Grito não vem lendo Sartre, Nietzsche, Kierkegaard, Wittgenstein, tomar no cú, Marieta Severo, túnel carioca. Enquanto houver burguesia, não vai haver poesia. - O rapaz alisa as pernas com frio, estou naquela pracinha sem graça, ele é gay? -. Tôca, tôca, tôca. Se jogar do primeiro andar, que é pra não morrer, não desmaiar, quebrar braços e pernas e o mais. Aqui a nove de julho, jogar-me, não à Marina, pular e cair com o peito no teto dum carro, costelas, sangue no pulmão, hemoptise com grito e não silêncio. Parar por um segundo o silêncio do ir e vir dos veículos com canteiros no meio. A burguesia fede, a burguesia quer ficar rica. Porra, queira gritar. Você me filma porque você não tem bolas pra gritar também. Você corta cenas, cortará essa, eu censurado. Aquele cara bebe algo. As ilusões tão todas perdidas. Sonhos vendidos, tão barato que Ele nem acredita. Mudar o mundo, frequenta agora as festas.
          Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder. Ideologia. Cazuza. Ideologia. No poder. Mudar o mundo, queria mudar o mundo. Tesão agora é risco de vida. Não tem nenhum rock’n’roll. Vou pagar a conta do analista pra nunca mais ter que saber quem eu sou: aquele garoto queria mudar o mundo. Assiste a tudo em cima do muro. Ideologia pra viver, ideologia do silêncio, tudo o mesmo. A porra da rua quebrada. Dias sim, dias não, vou sobrevivendo sem um arranhão – da caridade de quem me detesta. Ódio, odeia, sim, caralho. Antes sinto – um dia vi – agora sinto não sentir tudo o que poderia sentir – e não sei acabar o verso. Um dia senti-me mal, e não entendi que isso era algo mais que ordinário, e caí na tentação de acreditar que poderia estar pior. Poderia. E senti-me mal sentindo-me melhor que o antes-mal, e cri que era bom o mal que não conhecia por conhecer o mal pior. O bem não é o não mal, o bem é algo de verdade que existe e que eu não sei achar porque um dia eu cri que o mal era o bem e perdi a vontade-capacidade de ver o que era bom e o que era mal, e o mal virou verdade e o bem virou idílio, e o idílio virou algo que não deveria ser buscado por não ser real mas apenas uma vontade boba que logo passaria e não passou e agora eu vejo o mal e não sei onde me esconder o mal está dentro e eu tento ir para fora, ando pelo jardim pela grama molhada da chuva mas parou de chover o mal não tem medo de água e me segue e continua aqui e eu não posso fugir ele está dentro e fora ele cobre a minha pele ele anda com suas patas líquidas que deslizam pelo caminho sem que faça nenhum barulho e eu não posso ouvir e ele vem por trás e abocanha, o mal em mim, e o mal aumenta quando tem gente, gente lembra bem e eu não tenho bem, e eu esqueço que o mal não é o não bem e acho que é então creio que estar perto deles aumenta meu mal e eu não sei não sei não sei que é mentira que estar longe deles aumenta meu mal meu mal me armadilha e se potencializa e vira um monstro enorme que eu não sei achar porque eu estou imerso num sentir que é só uma coisa porque eu não sei como seria sentir algo mais como o quê? No vai-vem dos teus quadris. Só pra exercitar. Me dê de presente. Por favor, caralho. Grito, choro.
          Dizem que não posso odiar todos. Todo mundo. Temos medo de odiar tanto. O ouvido sangra ao ouvir tanto ódio, finge que não pode existir, que é impossível. A maneira mais fácil de odiar é ser odiado. Sintimo-nos odiados e logo odiamos, não há outra opção, é certo. O ódio é o quê? Não é o não-amor, não é o desamor, é o anti-sim. Anti-sim, odeio o mundo, todo ele, todos eles, você que me filma. O amor é algo desprezível. O homem tem o nada dentro de si e tenta preencher com tudo o que vê pela frente, mas não é possível. A solidão não tem remédio, um dia senti-me só. Amor. Família, amigos, amores, deuses, putas, drogas, aids, filosofia, arte. O nada não tem dimensões, acomoda tudo, pede mais. Podemos, claro, nos enganar. Toda enganação é válida. Podemos escolher um amor terno, carinhoso, calmo, fiel, infinito enquanto dure. Podemos escolher um amor por noite, ou dois na mesma noite, ao mesmo tempo, no mesmo corpo, explodindo, dar pra todo mundo, dar, podemos, não ser de ninguém, ir pra cama com dois e sair dela com quatro, homens, mulheres, podemos ir jantar nas nossas bodas de ouro sem nosso marido, com uma puta que encontramos por aí. Podemos trancar nosso amor numa capela. Sim, o frei veronense fala loucamente coisas sãs. Isso é o grito. Me leve pra qualquer lado. Testo teu sexo com ar de professor. Faz parte do meu show. Outro parágrafo, se você quiser. Não há pontuação no seu filme. Grite. Meu tesão é risco de vida. A agulha contaminada, o sexo doente, o silêncio virulento, a morte macia, a vida excitada, o amor na cama do hospital. Palavrão, palavrão! Gilete no pulso, tomar no cú. Foda-se. Homem não chora nem por dor nem por amor. Já foram as décadas de sim. Década de anti-sim, milênio. Rosto vermelho molhado, dos olhos pra fora. Acabou a esperança, o amor, o sexo livre, a música, as drogas, inexistente. Corte a porra do E da tua camisa, estampa. Acabou a era de aquarius, acabou Woodstock, Rock in Rio, Cazuza, Hair, Beatles. Podíamos ter ido pro caminho certo. Agora vivemos a consequência de nosso passado. Somos ela, ele. Acabou a escolha, a consciência, o meta-corpo. Fim. Me avise quando for a hora. Caras tristes fingindo que a gente não existe. Interditaram a avenida paulista. Esmagaram todas as aranhas da cidade. Fechemos os olhos e calemo-nos para sempre, florbelamente. No tempo que resta, tomemos no cú.
 
Depois de assistir Cazuza. Agora leia de novo gritando o que estiver em itálico.

13.7.04

Apresentação

Meu nome é Yuri, ou Yu, ou Y, ou Yuri, ou Yuriii, ou Y-kun, ou o que você quiser.
Sou um simples ser infinitamente pequeno com uma compreensão infinitamente pequena do conjunto das coisas todas.
Sou...
Não falarei mais de mim. Conhecer-me-ão pelos meus escritos postos aqui. Ou não.
No mais, estou indo embora.
O Pato está na Ratoeira.
Adeus.
Saio correndo à velocidade do som.

12.7.04

Boa Noite.

Olá a todos os meus leitores.
Eu não tenho nada para dizer, também, não quero que me digas nada; quero que nossas mãos se encontrem através dessas palavras. Venho aqui apenas para dizer que não tenho mais o que pensar — passei o dia inteiro sem pensar em nada. Por isso, peço que apareçam, surjam do fundo das brumas, e me encham de palavras. Palavras apenas, não significados, que estes já transbordam das minhas arestas de diamante sujo, como bem diria a Rê.

IMPORTANTE:
P'ra todo mundo eu dou psiu (psiu psiu psiu)
Procurando por você (psiu psiu psiu)
Com o coração vazio, p'ra todo mundo eu dou psiu
Sabiá vem cá também

Tu que andas pelo mundo (sabiá)
Tu que tanto já voou (sabiá)
Tu que cantas passarinho (sabiá)
Alivia minha dor (sabiá)

Tem pena d'eu (sabiá)
Diz por favor (sabiá)
Tu que voas passarinho (sabiá)
Onde anda meu amor (sabiá)

1.7.04

O Pato está na Ratoeira

Bem vindos, todos, ao meu lindinhíssimo blog, ou melhor, ao NOSSO lindinhíssimo blog: aqui não estarei apenas eu postando, mas também a Marina e o Yuri, que vocês podem chamar de "Arturetes". (Obviamente eles só ficarão dançando no fundo da tela, enquanto eu fico no primeiro plano falando sobre o que importa.)




P.S. "- Onde pariu Elena?
- Não respondo."