26.2.05

Eu sou infeliz.

Porque a Marina fugiu do meu beijo. (Não, a frase não é “Eu sou infeliz porque a Marina fugiu do meu beijo”. O título foi dado depois. Bem, tem um ponto lá. Ah, foda-se.)
Porque você desviou quando eu tentei tocá-la, você que é talvez a única pessoa no mundo que faça eu me sentir humano.
Porque eu tentei fazer contato e você me recusou.

Eu não estou culpando você por nada.
Eu não estou querendo que você se sinta mal.
Eu não acho que a culpa seja sua.
Eu não acho nada.

Mas cada mínimo gesto me machuca. Essa semana (semana longa essa, de 7 dias ou 17 anos?), cada mínimo gesto me machuca. Talvez eu esteja sensível demais. Talvez não, com certeza, imagine só, reclamar que ela fugiu do meu beijo.

Mas que dói, dói.

Eu não consigo escrever.

Talvez haja algum caráter simbólico nesse gesto que me incomode tanto. Talvez eu veja nele uma repetição ou um sintoma da minha psicose: eu, sujeito que se vê afastado do mundo, procuro uma possível ponte com ele, com o real, com o palpável com o chão com o concreto com o humano com a carne a pele a bochecha da Marina, uma ponte com meu mundo-mãe, e não consigo alcançá-lo, ele está imensuravelmente longe, longe, e o barqueiro já partiu, o barco estava lotado, não consegui entrar, fiquei solto no vácuo sideral (ou sidéreo, bela palavra, sinônimo da outra – é o que me diz meu computador, ele deve saber), e minha pressão interna me faz querer explodir.
O ruim é estar de olhos abertos e vê-la recusando meu toque.

Falo novamente da semana, período de tempo como qualquer outro, nada tem de mais especial, então por que falo tanto dele, deveria falar um pouco dos milênios ou dos nanosegundos (meu computador não reconhece “nanosegundos” – está bem, eu não sei se essa palavra existe – e sugere que eu escreva “nano segundos”, talvez mais interessante ainda essa possibilidade, a de fazer o tempo dormir, acalentá-lo ou hipnotizá-lo, escapar ao tempo que rói os vivos), falava antes dos parênteses dos milênios e dos nanosegundos, esses sim são tempos interessantes, o muito grande e o muito pequeno, mas não a semana, tão normal, apenas sete dias, nem muito nem pouco, quantas delas já não vivemos nós.
Falo novamente da semana porque faz uma semana que aconteceu a festa, e foi durante essa semana que o mundo foi diferente.
Como eu sou subversivo, começarei falando não do que eu comecei falando, mas do que eu falei depois, para depois passar de volta ao começo, invertendo assim todas as regras de Ética Lingüística que o homem já criou. Começo falando dessa semana.
Como se todo mundo me tratasse diferente. Me olhasse diferente.
Mas não do jeito que eu queria que fosse. Não me olhavam como se me vissem, mas como se tivessem pena de mim.
Dó. Comiseração. Piedade. Caridade. Cálice (cálice? que esquisito! pra mim, “cálice” é outra coisa, mas o dicionário de sinônimos do word ta falando que é o mesmo que pena dó comiseração piedade caridade, cálice, que seja então).
PENA DE MIM.
Como se eu fosse um filhote de urso que prendeu a perna numa armadilha. Vocês, humanos como eu não sou, sentem pena das minhas lágrimas de urso, do meu sangue de urso, do meu berro de urso, da minha tristeza de urso, da minha solidão – epa, solidão não entra aqui, eu estava falando da armadilha, solidão não encaixa na metáfora, um urso preso numa armadilha não se sente só, se sente dolorido. Vocês, humanos, sentem pena até da minha raiva de urso. Ô, dó! Chaiximxim! Fuuuuuu, não não... du, du, dúú... tuto peim, tudo peim, xá fái chalhá...
Então vocês me lêm, vocês me abraçam nos recreios, vocês me cumprimentam com beijinhos, vocês me perguntam se está tudo bem, tuto peim?, vocês olham pra mim, nunca fizeram isso antes, por que começar agora? Porque pena, porque pena!...
Daí alguém faz uma reunião para discutirmos Por Que Nosso Grupo Está Se Sentindo Tão Mal Nos Últimos Tempos, E O Que Podemos Fazer Para Remediar Isso, Se Somos Nós Mesmos Que Nos Fazemos Mal, Se Somos Nós Que Nos Fazemos Bem, Se Não Falamos Uns Com Os Outros, Se Não Nos Abrimos. Uma hipocrisia só, e não estou criticando o Luque, estou criticando o “grupo”, a gangue.

Pois bem, Que Não Nos Abrimos? Falarei agora bem direto o que está em mim:
(01) Eu sou infeliz.
(02) Eu sou infeliz há algum tempo.
(03) Eu nunca fui feliz.
(04) Eu estou cada dia pior.
(05) Eu não sei por quê.
(06) Eu tenho pistas do por quê, mas elas não me satisfazem.
(07) Eu sou solitário.
(08) Eu não sinto que amo ninguém.
(09) Não, nem mesmo meus pais.
(10) Não, nem mesmo meus amigos.
(11) Não, nem mesmo a mim.
(12) Nos últimos anos, aprendi a me odiar.
(13) Tenho também um ódio generalizado pela humanidade.
(14) Eu não tenho condições de oferecer nada a vocês.
(15) Eu penso diariamente em me matar.
(16) Não, eu não acho que eu vá me matar, pelo menos não tão cedo.
(17) Não, pensar em me matar não é rotina.
(18) O motivo pra eu ter vontade de me matar muda sempre.
(19) Não, eu não sei qual é ele hoje.
(20) Quando eu sinto que vocês têm pena de mim, eu fico com nojo.
(21) Quando eu sinto que vocês têm pena de mim, eu me odeio.
(22) Quando eu sinto que vocês têm pena de mim, eu odeio vocês.
(23) Eu sei que vocês gostam de mim.
(24) Eu sei que alguns de vocês me amam.
(25) Eu chorei na festa da Ludmilla justamente porque eu sei disso.
(26) Eu não sei por que eu não consigo amar ninguém.
(27) Eu não sei por que minha vida não dá certo.
(28) Eu tenho certeza de que Deus não existe.
(29) Afirmar que Deus existe seria afirmar que ele me odeia.
(30) A vida não tem sentido.
(31) Eu acredito em construir um sentido para a vida.
(32) Eu não tenho sentido para a minha vida.
(33) Eu ainda tenho forças para viver.
(34) Eu não sou do tipo que desiste.
(35) Eu já me conformei demais para desistir.
(36) Eu quase não tenho esperanças de uma vida melhor.
(37) Ao mesmo tempo, a esperança é tudo o que eu tenho.
(38) Não, eu não me importo se quem está lendo isso é o Yuri ou a Marina ou o Luque ou a Paula (qualquer uma delas) ou meu pai ou minha mãe ou a Katia (qualquer uma delas) ou um professor ou um colega com o qual eu não tenho intimidade ou um completo desconhecido ou um anônimo que vai comentar e me deixar curioso a respeito de sua identidade.

Mais alguma coisa que eu preciso falar?

Talvez quando eu sinto que vocês têm pena de mim eu esteja, na verdade, querendo reprimir um conflito meu: não gosto de me sentir amado sem poder amar de volta. Então, finjo que não é amor, que é apenas... “cálice”. Que é pena.

Mas eu tenho certeza que, de certa forma, é pena sim.

Foda-se.

Foda-se.

Foda-se.

Leia isso quem quiser.
Isso sou eu.
Amanhã pode não ser, mas nem por isso vou me arrepender.
É para isso, e somente para isso que serve o Pato.
Aliás, de tal forma e com tal verdade que eu afirmo ser este o único post aqui publicado que realmente merece sê-lo.
Foda-se quem acha que não.
Foda-se quem acha que eu não deveria falar dos posts do Yuri ou da Marina, mas somente dos meus.
Foda-se.

(39) Minha vida é um inferno.
(40) Minha vida é o Inferno.

(41) Não sei quem sou.
(42) Não sei o que fazer.
(43) Não acho que exista qualquer coisa que um de vocês possa fazer por mim.
(44) Não acho que exista qualquer coisa que eu possa fazer por mim.


Sabe, eu devia consultar um psicólogo. Ou um neurologista: talvez meu problema não seja mesmo a dor poética de existir, a melancolia de ser humano, a angústia de existir tal como eu existo: como Artur. Talvez seja ele apenas uma falta de cerotonina, uma descalibrada nos meus neurônios.
Uma pílula dessas branquinhas pela manhã,
Outra delas, junto com uma das azuis, pela tarde,
Mais duas azuis e uma branca à noite,
E eu serei feliz.

Ou, se quiser um efeito mais imediato, uma injeção toda manhã antes de sair de casa.

Ou, se quiser chocar, drogas ilícitas.

Ou um psicólogo. Talvez seria bom. Mas, francamente, não estou afins de.
- Como não estás afins de? Não precisas estar afins de, precisas ir e pronto. Estar ou não afins de não importa, importa sua sanidade, sua felicidade.
Foda-se, não estou afins e pronto.


(45) Cada dia é mais difícil.
(46) A cada dia tenho menos alegrias.
(47) A cada dia me satisfazem menos a literatura, o teatro, a filosofia, a arte, as amizades.
(48) A cada dia tenho de fingir mais.
(49) A cada dia sou menos.
(50) A cada dia morro um pouquinho.

“Há aqueles que se matam pulando de um prédio. Outros o fazem pouco a pouco, dia a dia, se corroendo, se degradando, se corrompendo, se dissolvendo, se decompondo, apodrecendo, descamando.” Alguém disse isso. Sei lá se isso é meu caso.

Sempre alguém diz algo. Mas ninguém jamais disse algo de útil, bom, verdadeiro. [E se você não conseguiu não ler esse parágrafo “abóbora”, você é uma pessoa verdadeiramente desprezível. Como eu, e isso é que deve assustar mais.]

(51) Não tem volta.
(52) Não tem ida.
(53) Estou cansado de existir.
(54) Estou cansado de estar parado em minha vida.
(55) Estou cansado dos elementos antigos que me lembram de que nada mudou na minha existência de merda.
(56) Estou cansado e fim.

O que eu posso fingir?
Que existência é menos inautêntica?
Com quem eu posso falar?
A quem recorrer?

Talvez as perguntas, e não as afirmações, devessem ser numeradas. Talvez sejam elas mais objetivas e verdadeiras.

Sempre há mais o que falar.
Eu poderia decorrer por quatrocentas linhas acerca da minha infelicidade.
Seriam só sinônimos, explicações repetitivas, etcs etc.
Ponto.

Pedidos:
Não desistam de mim.
Não sintam pena de mim.
Não me odeiem.
Não tentem fazer nada.
Não achem que podem fazer alguma coisa.
Façam alguma coisa.
Finjam que eu não estou sendo contraditório.
Finjam que se importam.
Mas finjam que não se importam, ou eu me sentirei mal por não me importar tanto quanto vocês.

Mas eu me importo, acreditem, de certa forma eu me importo com vocês. Admiro muito todos vocês, e gostaria de gostar de vocês, gostaria de amá-los, gostaria de saber sentir essas coisas tão bonitas de que tanta gente tanto fala, amizade palavra respeito caráter bondade alegria e amor, felicidade felicidade.

E vocês comendo sushi.
É claro que eu não fui.
Como eu poderia ir,
tendo todas essas coi-
sas dentro de mim pa-
ra serem ditas? Como
eu poderia olhar para
as caras de vocês e não
morrer mais um pou-
quinho? Chorar mais
um pouquinho? Sofrer
mais um pouquinho?

Porque a Marina me negou aquele beijo.
E eu nem queria um beijo, só um toquezinho.
Um carinho, uma certificação de que eu existo.
Dela ou de qualquer um. Dela ou de ninguém. Dela.
Eu só preciso saber que minha existência existe, sabe?
Mas eu não sei.
Eu não me entendo.
Eu não me conheço bem o suficiente.
Falta mais, falta saber, falta saber por que e o que fazer.

Talvez quando tudo isso acabar eu saiba por que eu sofro tanto e o que eu poderia ter feito.
Mas aí vai ser tarde demais, não vai? Aí não vai servir pra nada.
Quer acabe com a morte, quer com a vida.
Porque assim, entre os dois, vida e morte, não dá mais pra continuar vivendo.

E eu não sei o que vou fazer pelo resto da noite. Estou aqui no computador, são 23.15, cedo ainda para um sábado, mas eu não tenho nada pra fazer sozinho além de sofrer, então vou ver televisão ou ir dormir, porque eujuroque seeucontinuarassim sofrendoassim pensandoassim (enãoé sofrerepensar umasócoisa?) eumemato eumejogopelajanela euenfioumafacanocoração eutomotodasaspílulasquetememcasa eupulonafrentedeumcarro eudeitoesimplesmentemorro, porque na situação onde eu estou eu conseguiria me matar só com a vontade.






E não sei que poema citar.

17.2.05

Nem bem fechei a boca, já me muda o espírito e me vêm novas palavras

Abram-me todas as portas!
Por força que hei de passar!
Minha senha? Walt Whitman!
Mas não dou senha nenhuma...
Passo sem explicações...
Se for preciso meto dentro as portas...
Sim — eu, franzino e civilizado, meto dentro as portas,
Porque neste momento não sou franzino nem civilizado,
Sou EU, um universo pensante de carne e osso, querendo passar,
E que há de passar por força, porque quando quero passar sou Deus!
Tirem esse lixo da minha frente!
Metam-me em gavetas essas emoções!
Daqui pra fora, políticos, literatos,
Comerciantes pacatos, polícia, meretrizes, souteneurs,
Tudo isso é a letra que mata, não o espírito que dá a vida.
O espírito que dá a vida neste momento sou EU!

Que nenhum filho da... se me atravesse no caminho!
O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!
Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é contigo,
E comigo, com Deus, com o sentido-eu da palavra Infinito...
Pra frente!
Meto esporas!
Sinto as esporas, sou o próprio cavalo em que monto,
Porque eu, por minha vontade de me consubstanciar com Deus,
Posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer coisa,
Conforme me der na gana...
Ninguém tem nada com isso...
Loucura furiosa!
Vontade de ganir, de saltar,
De urrar, zurrar, dar pulos, pinotes, gritos com o corpo,
De me cramponner às rodas dos veículos e meter por baixo,
De me meter adiante do giro do chicote que vai bater,
De ser a cadela de todos os cães e eles não bastam,
De ser o volante de todas as máquinas e a velocidade tem limite,
De ser o esmagado, o deixado, o deslocado, o acabado,
Dança comigo, Walt, lá do outro mundo, esta fúria,
Salta comigo neste batuque que esbarra com os astros,
Cai comigo sem forças no chão,
Esbarra comigo tonto nas paredes,
Parte-te e esfrangalha-te comigo
Em tudo, por tudo, à roda de tudo, sem tudo,
Raiva abstrata do corpo fazendo maelstroms na alma...

(...)

Abram-me todas as janelas!
Arranquem-me todas as portas!
Puxem a casa toda para cima de mim!
Quero viver em liberdade no ar,
Quero ter gestos fora do meu corpo,
Quero correr como a chuva pelas paredes abaixo,
Quero ser pisado nas estradas largas como as pedras,
Quero ir, como as coisas pesadas, para o fundo dos mares,
Com uma voluptuosidade que já está longe de mim!

Não quero fechos nas portas!
Não quero fechaduras nos cofres!
Quero intercalar-me, imiscuir-me, ser levado,
Quero que me façam pertença doída de qualquer outro,
Que me despejem dos caixotes,
Que me atirem aos mares,
Que me vão buscar a casa com fins obscenos,
Só para não estar sempre aqui sentado e quieto,
Só para não estar simplesmente escrevendo estes versos!
Não quero intervalos no mundo!

Quero a contigüidade penetrada e material dos objetos!
Quero que os corpos físicos sejam uns dos outros como as almas,
Não só dinamicamente, mas estaticamente também!

Quero voar e cair de muito alto!
Ser arremessado como uma granada!
Ir parar a... Ser levado até...
Abstrato auge no fim de mim e de tudo!

Clímax a ferro e motores!
Escadaria pela velocidade acima, sem degraus!
Bomba hidráulica desancorando-me as entranhas sentidas!

Ponham-me grilhetas só para eu as partir!
Só para eu as partir com os dentes, e que os dentes sangrem
Gozo masoquista, espasmódico a sangue, da vida!


(trechos de “Saudação a Walt Whitman”, de Álvaro de Campos)

Mas não é que logo depois de apenas copiar esse poema, já me vêm as idéias a embaralhar-se numa cabeça que permite que assim elas façam, e já me vêm outros sentimentos outras sensações que me fazem querer escrever outra coisa, e a outra coisa que eu queria escreve não tenho coragem de escrever, porque normalmente não se diz coisas dessas, coisas dessas machucam os outros, aqueles que dizemos ser nossos amigos, eles podem ser machucados por nossas palavras, é o que nos dizem desde que somos pequerruchos e nada entendemos, e nos fica essa idéia maldita em nosso superego maldito, e nossa sinceridade se acobarda diante do senso moral idiótico que criou nossa sociedade para nos segurar, nos impedir de dizer essas coisas, afinal é verdade, poderiam machucar mesmo, como poderia machucar eu me postar diante de ti e falar – Eu não te amo – Eu não sou seu amigo – Eu não sei ter amigos ainda – Talvez eu nunca saberei.

Assim, também.

Os outros. Aula de Literatura do Professor Pedro, aluno do Prof. Antonio Candido (do que ele se orgulha e faz alarde):
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
(...)

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
(...)
Eu, que quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
(...)

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
(...)

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

(...)
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


(trechos de “Poema em linha reta”, de Álvaro de Campos)

Eu sou heterônimo de mim mesmo. Mas mim mesmo não existo.
E são esses aqueles que eu temo ferir? Feridos eles não podem ser, ou podem, mais príncipes serão se puderem. E eu mais infame.
E como direi a vocês quem eu sou? Quão risível não será afirmar uma identidade difusa, borrada como a imagem desse monitor quebrado de computador, perante identidades régias? nobres? sacras? virgens?

Sujo sujo,
Mais que sujo!

turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo

escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma

e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas

azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu


(trecho de “Poema Sujo”, de Ferreira Gullar)

Por que sou eu tão pequeno, parecendo aos olhos comuns tão grande?
Por que sou eu tão intimidado, crendo eles que sou tão intimidante?
Por que sou eu tão moribundo, vendo o mundo que estou tão vivo?
Por que sou eu tão fraco, e ainda assim eu vos faço chorar?

Fazer-vos chorar é o que menos quero, ou não é, mas se fosse poderia ser. Vós que sois tão... tão... aqui.
Mas sois sóis aqui geogràficamente, me sois estranhos sóis escuros quando se trata de uma aqui-ez humana e não apenas métrica.
E mesmo assim temo dizer-vos a verdade: que eu não... que vós não sois... que o mundo, enfim, não é o lugar que credes que ele é, que o mundo é terrível terrível, que o mundo não é um lugar, é um lugar é claro assim nos diz o senso comum, mas não é um lugar para mim, é um lugar para vós e apenas vós, vós que sois príncipes lindos loiros leves santos.

Poesia poesia sou um citador áutrico, não existo enquanto nada, e sei citar sempre textos músicas que falam exatamente o que eu quero falar, mas não existindo eu nada posso falar, e ainda não existindo eu nada posso querer, além de ligar o computador acessar o meu usuário abrir o Word e despejar palavras palavras o mais rápido possível, fingindo não poderem parar meus dedos, eles dóem reclámam mas eu minto para eles e digo que não podem parar e eles escravizados como bactérias que produzem insulina produzem para mim palavras que nem sei se são as minhas, que nem sei se eu sei dizer dizido, se eu sei falar falado como têm de ser faladas as palavras se realmente quisermos que elas virem significados, assim que as pessoas as entendam, e eu deveria imprimir cada um de meus posts no pato na ratoeira e lê-los em voz alta em praça pública sobre um caixote de sabão, mas não, mas não não não, sabão não, escondo meus posts bem escondidos na Inter-rede, que invenção genial essa de um esconderijo às vistas de todos, como não pensei nisso antes, porque não tinha nascido, e já era morto.

Poesia concreta
Nada mais é
Do que palavra
Desfalada.

Poesia concreta
É
Palavra morta.

Poesia concreta
É
A beleza da podridão da linguagem.

Pois toda linguagem
É
podre
por natureza
por essência
por criação
por triste fim
por embriaguez.

Fazer poesia é uma tarefa muito superestimada na sociedade atual, coloca-se novamente o poeta na torre de marfim, mas o poeta que é poeta sabe que seu verdadeiro lugar é no meio da rua em dia de feira, comendo do chão as verduras que caíram e ninguém mais as quer.
Fazer poesia não é glamouroso, poeta algum merece “meus parabéns, feliz poema novo, muita próspera vida para o senhor doutor, muito obrigado por nos enriquecer a vida com tais esplendorosíssimos riscos num papel”. Mais vale o papel em branco, a poesia doentia não lhe sujando, a poesia virulenta não lhe infectando, as palavras impuras não o maculando, ímpias ímpias ímpias as palavras nuas desnudas putas palavras putas abrindo as pernas para o leitor, que as cobre, as consome febrilmente, para depois limpar o suor da testa e suspirar “muito obrigado por nos enriquecer a vida com tais esplendorosíssimos riscos num papel”, o leitor come a poesia e faz alarde, conta pra todo mundo, coloca no seu blog que comeu a poesia, e a poesia nem fama de puta ganha, devia ganhar: é, mas enfim se as famas fossem proporcionais aos merecimentos, nada mais poderia ser proporcional nesse mundo, seria o fim das ciências exatas, que triste que nos seria tal acontecimento, então a poesia não é puta, é virgem imaculada num pedestal d’ouro-ado, vestindo diáfanos véus brancos e com uma flor de cacto em sua orelha.

Puta a poesia, cobre páginas e páginas, faz o texto parecer mais longo, faz parecer que eu escrevo muito muito que trabalho, trabalho porra nenhuma, eu estou aqui sentado folgado dormindo, minhas mãos é que trabalham por mim, escravas idiotas que nem entender o que escrevem entendem, se entendessem poderiam fazer uma revolução, aí estaria eu perdido, sem mãos para me
Servir como
Escravos
Copeiras
Amas
Garçonetes nuas, não por fora mas por dentro, com saia e camisa e sapato, mas não tem calcinha, para permitir mais rápido acesso à

Puta a poesia, a poesia que eu faço, pelo menos, pois não quero fazer uma poesia que não possam todos foder. Opa, olha aí, já soltaram um palavrão minhas mãos, aí está o problema de redigir estes transes que eu redijo periodicamente aqui na ratoeira, vira e mexe minhas mãos dão um jeito de encaixar um palavrão na história, um foda-se um porra um caralho, sujificar meu poema, o cu lá de cima não fale que não é meu, é do Ferreira Gullar, ele pode, eu não, o meu cu não vale.

O meu cu não vale.

Indignadas saem correndo as jovenzitas leitoras, indignadas é pouco: horrorizadas. Como protesto, como manifesto da Moralidade e dos Bons Costumes contra o a(u)tor do post, não se comentará lá embaixo, boicote aos palavrões, às sujeiras, Às Impurezas desse Mundo-Chão, que o chão é um universo todo diferente: “Estava cansado de pés, cansado do chão, cansado daquele universo – pois sim, o chão é todo um universo diferente, um universo onde as pessoas largam o que não querem que pertença ao seu universo, um universo de lixo, insetos e pés.” (trecho de um conto meu).

Sujo sujo, mais que sujo!
Ah, se eu me chamasse caramujo!
Seria um molusco, não seria uma solução.
Sujo sujo, mais que sujo!
Mais sujo é o meu ********.

Sou ímpio, ateu, não reconheço as autoridades que regem a vida das pessoas direitas. As autoridades da Amizade, do Amor, da Paixão, do Calor Humano. Sou ateu, ímpio, admito o que sempre se considerou inadmissível, inadmitível, incoerente inconseqüente incongruente. Admito o Frio, o Ódio, admito a Solidão o Abandono Admito o isolamento o suicídio: Os Suicidas Tinham Razão.
Os não suicidas não têm razão. Cães lambões, idiotas, caidores de cachoeira: caídos porque não se jogaram, e se não se jogaram são idiotas lambões cães sem razão. E mais idiotas os que vão lá buscar. E mais idiotas os que se assustam, mais idiotas os irmãos. E mais idiotas os que não admitem. E mais idiotas os que choram, os que sentem.

Sou superior a essas coisas de sentir, chorar, mentir.
Mas só o mentir inferior, porque há o mentir superior.
Minto, desculpem-me.
Sou superior a essas coisas de desculpar-se.

Sujo sujo, mais que sujo!
Ah, se me chamasse o dito cujo!
Eu iria lá ver o que ele queria de mim.
Sujo sujo, mais que sujo!
Mais sujo não há, não assim.

Mas não, não pode, cadê o lirismo? A musicalidade?
Cadê o modernismo?
Hoje em dia, até a lírica que recusa as regras foi regrada. Que bonito fazer um poema assim, assim aí, não é mesmo? Oh que bonito! Oh que bonito! Que belo que é um poema de inspirações modernistas! Que belo um poema que nós já achamos belo antes de lê-lo! Oh que belo! Oh que belo!
Mas recusamos qualquer coisa que não possamos avaliar a partir do nosso preconceito. Não pode, cadê tudo aquilo que eu conheço que é um poema revoltado? Para ser revoltado, tem de se seguir as regras da revolta, quem pensas que és revoltando-te assim sem mais nem cabeça, sem menos nem pênis? Quem pensas que és para revoltar-te em verdade?
No meu comando, a revolta só pode ser a mesma que sempre aconteceu. Toda e qualquer revolução tem de ser feita nos moldes do que havia antes dela, nos moldes daquilo que ela quer derrubar, nos moldes que eu aceito eu aceito eu eu eu aceito aceito aceito.

Sujo sujo, mais que sujo!
Ah, se me chovesse na vulva
Aí então não rimaria com sujo.
Sujo sujo, mais que sujo,
Mais suja é a cadela Ugolina que anda a babar-se de sangue, rosnando às portas, uivando em praças e jardins, pelas ruas ermas de Lisboa, mordendo furiosa o próprio ventre onde já está a gerar-se a próxima ninhada.
Mais sujo é o meu coração.

Vade, vade, retro vade!
Se eu me chamasse Carlos Drummond de Andrade,
Hoje já não poderia viver
Com o desgosto da desprostituição da poesia
Vendido não seu sexo, seu por-trás.
Vade, vade, retro vade!
Maldade é o meu coração.

Após o surto, [agora], é a melhor parte. Porque a compulsão-obsessão, o desespero, já passaram todos. Ficou a calma sádica, o frio cruel, o metodismo que mantém o mesmo tom sujo maldoso do surto, mas com t-o-t-a-l controle da situação. Agora posso ferir intencionalmente, não preciso me preocupar em falar alguma bobagem e machucar alguém.
Mas acho que acabei de fazer isso.

Medo, medo, mais que medo!
Ah, se me chamasse eu Azedo
Seria um gosto, não seria um nome
Ou um verso
Ou um poema
Ou um sentido.
Medo medo, mais que medo!
Mais cedo me vem o caixão.

Mais cedo me vem o colchão.

Mais cedo me vem a questão: ser ou não ser? Ei-la. Será mais...

Nobre, nobre, mais que nobre!
Se reagisse o ácido com o cobre
Seria uma química, não seria aviação.
Nobre, nobre, mais que nobre!
Mais nove e tenho quinze.

Mais nove e é dia vinte e seis.
Mais nove e é novembro.
Mais nove e é 2014.
Mais nove e acabou.
Você está lendo esse esquisitíssimo post dizendo “Bah, ele não escreve nada com nada, essas coisas nada significam”. Ou então, se você não tiver coragem de pensar o que sabe ser verdade, pensará “Poxa, eu não entendo mesmo esse garoto”, e irá comer bolachas. Gosta de bolachas. Poxa, você só queria comer bolachas, estava com fome, ou vontade de comer um docinho, que coisa, não é tão grave assim, está agora a te incriminar esse Artur, que direito ele tem de faze-lo, a culpa é dele que fez um post tão grande e tão chato, fique ele agradecido que só fiz um intervalo pra comer uma bolacha, que não parei pra dormir ou pra ler o blog de outro.
Mas algum de vocês também há de ter feito isso.
Não me entende? Me pergunta.
Chega pra mim e pergunta: o que quis dizer esse trecho? Não entendi.
Pergunta que eu explico, faço esquema ana-bruner da frase, analiso o poema com carinho e amor só pra você.
Ou então eu direi: descubra, isso não foi feito para ser explicado, foi feito para ser lido e talvez desvendado.
Ou direi: nada, nada significa, é só porque rimava. É só porque parecia certo. Talvez alguém possa achar um significado, mas eu não tinha uma intenção consciente quando isso escrevi.

Olho, olho, mais que olho!
Ah, se me pegasses no colo,
Eu seria um tumor, não seria um amor.
Colo, colo, mais que colo!
Mas olha o meu coração:

Vou lançar um livro com mil e uma versões diferentes da célebre estrofe.
Espero que você,
Ao menos você,
O compre.
E quem sabe me
Peça um
Autógra
Fo.
Com muito prazer eu farei um pra você
Que leu pacientemente
Dez páginas de post
Reclamando do mundo.
Sábio é você, que se contenta
Em assistir
O espetáculo do Fundo.
Ao menos você.

Do mesmo sujo poema já citado:

lará lará larará
lará lará larará lará larará lará larará
lará lará lará
lará lará lará

IUÍ IUÍ IUÍ IUÍ IUÍ
iuí iú iuí iuí iuí iuí iuí

(...)

VAARÃ VAARÃ VAARÃ VAARÃ

tchuc tchuc tchuc
tchuc tchuc tchuc

TRARÃ TRARÃ TRARÃ
TRARÃ TRARÃ TRARÃ

nada
vale
nada
vale
quem
não
tem
nada
no
v
a
l
e
TCHIBUM!!!

que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente

Vejo os pombos no asfalto
Eles sabem voar alto
Mas insistem em catar as migalhas do chão.

Te digo na telinha do Mensageiro um leve Hehe, mas assim que nos despedimos com beijos brincalhões, sinto aquele tremer na espinha e meus olhos se águam. Estou muito pior do que sempre estive. E já não consigo entender o que qualquer um tenta me dizer. Extou existencialmente exausto, me mordo medroso, sempre sinto sono, fim fico falecido fim.

Os dez minutos são seguidos de uma vida inteira para sentir dor. Eu sinto tanto, eu sinto muito (eu nada sinto). Ir do grito abissal ao silêncio primal: mas o meu grito foi cedo demais silenciado, cedo demais antes de nascer, há mais de dezesseis anos e oito meses. Calei-me para sempre, já não posso uivar como tanto quis quero quererei quisera queria sempre sempre sempre, uivemos disse o cão mas o cão mesmo era mudo,

a tuberculose destruíra suas cordas vocais.

O sangue saindo de minha boca com cada chacoalhão da tosse. Hemoptise. Passo a noite emitindo sons gruturais, sem conseguir respirar, desesperado, hhhhhhhh, o ar não consegue passar por minha garganta congestionada, hhhhhhhh, o pouco ar que entra não me é suficiente, hhhhhhhhhhhhhhhhh, e quando este pouco ar sai treme minha garganta e suas impurezas, hhhhhhhhhhhhhhh, a tosse já não basta para limpar a via, hhhhhhhhhhhh, quem pode dormir sem respirar? Quem pode não dormir sem respirar? Pulmão. Minha cabeça dói tanto! Minha testa arde, estou febril mas só em casa quando não tem ninguém pra cuidar de mim, minha mãe está na ilha do cardoso e não sabe quando estou febril e com dor de cabeça e perdendo todo o meu sangue.

Aquelas pessoas que não desligam o celular por um segundo, temendo que alguém ligue e não consiga encontrá-las. Sou eu o contrário de tais personalidades tão comuns hoje em dia: não permito que meu telemóvel fique aceso, pois sei que se ficar ninguém vai me ligar. Aí então você chega do fim de semana e me encontra sobre a SegundaFeira e me diz que pensou em me ligar. Mas não teria me encontrado porque meu celular estaria desligado, porque se não estivesse ninguém iria me ligar. E ninguém me liga. E quando alguém me liga, eu nada posso dizer, pois estou silenciado pela tuberculose que destruiu minhas cordas vocais. E o que sobrou da gente, hein?
Não é de hoje que todas as minhas relações pessoais são totalmente degeneradas, deterioradas, poluídas, feridas, arranhadas, confusas, incompletas. E eu digo “hehe” na telinha do mensageiro e depois começo a lacrimejar, você que faz tanta falta aqui perto, se tudo o que eu contei pra você eu já contei pra outras pessoas, nenhuma delas me falou o que você me falou.
Porque me demora meses pra criar coragem e romper a mudez para algumas poucas pessoas, e dizer “Eu sou” como me disse o vidro do box do banheiro. Mas o que eu preciso ninguém me dá. De que adianta ouvir que gostam de mim, que sorriam pra mim, que me deixem falar.
Eu preciso é do finho. Preciso do que ele sempre me disse mas nunca na minha frente, olhando pra mim, existindo. Me disse sempre através de bits e bytes e kbs e mega e giga e tera e 0111000110100101010100100101001010... Mas você sempre mentiu e disse o que eu preciso ouvir.

É verdade, seria muito mais fácil se. Pra nós dois. Mas o cosmos não tem muita propensão a fazer o que é pra mim mais fácil ou menos doloroso. Os momentos em que eu estou mais próximo de acreditar que existe um deus são justamente aqueles em que eu o vejo sádico, usando seus raios para me eletrocutar, me desfazer, mesmo que desfeito eu já seja há muito, será que ele sabe disso, deve saber se for mesmo onisciente, talvez não o seja e ache que eu sofri muito pouco, talvez porque eu esteja tão calado que pareça estar consentindo com tudo. Mas o ditado só serve quando o calar é voluntário.
E é?
Insisto em catar as migalhas do chão. São assim os labirintos, têm ruas, travessas e becos sem saída, há quem diga que a mais segura maneira de sair deles é ir andando e virando sempre para o mesmo lado, mas isso, como temos obrigação de saber, é contrário à natureza humana. Não tento voar porque sei que sou pesado demais, vou direto ao chão. E o mais impressionante é que a expressão facial que tenho nesse momento é a que tantas vezes carrego na frente de todos. E ninguém parece perceber que eu não sou como eles. Sou essencialmente diferente de todos os que compões meu assim chamado grupo. Eles tem muito mais presente em si a felicidade, a leveza, o ar nos pulmões.

Me falta ar para a básica necessidade de respiração, e agora já não falo de minha condição física, não falo do catarro que entope toda minha via respiratória, da boca ao pulmão, falo de outra coisa. Me falta ar para a básica necessidade de respiração: não sinto meu coração partido, mas meus pulmões, são eles o verdadeiro centro dos sentimentos, das emoções, são eles que se partem todos os dias mais e mais, meus pulmões são poeira estelar.

A filosofia não mais me adianta. Preciso de alguém que me diga o que acontece comigo, algum especialista que possa ler as linhas complexas de minhas rodovias neurológicas e meus limites políticos, topográficos, hídricos. Porque eu não me entendo como eu achava que entendia. Eu não sei O Que É O Que É. Eu perdi a capacidade de explicar a mim mesmo a minha situação.
E tudo o que me cerca vai reforçando o sentimento de que, por incrível que pareça, o momento mais feliz de toda a minha vida já foi, e agora todo o caminho é descida, eu achava que não dava pra descer mais mas devia ter aproveitado aquele pico que pra mim era tão insuportável. E era mesmo, inaproveitável. Então desço, lentamente no começo, mas a rampa fica mais íngreme, a gravidade me puxa mais e mais, estou pesado – até que tudo acaba quando a declividade da rampa for infinita: eu caindo ao lado do meu prédio, pulado da janela.

Dois mil e cinco repetindo dois mil e três. O ver de fora minha própria vida. O querer estar sozinho na classe e não sair para o recreio. O ultra-romantismo com todas suas características estudadas em sala de aula, vocês não sabem mas estão na verdade estudando a minha mente, reencarnação de Álvares de Azevedo, estudando-me omni soli semper.
Mas são só meus sintomas que se repetem: eu mesmo sou outro, muito mais próximo do meu eu de dois mil e quatro (se é que os egos ao longo de uma vida podem ser corretamente divididos em anos), e portanto outras são as causas de tais sintomas, outra é a virulência que causa a febre a tuberculose o egocentrismo a ânsia de glória o pessimismo extremo, cada vez menos Ariel e mais Caliban.

(Egocentrismo de crescimento perceptível se analisarmos a evolução de meus posts aqui no pato: antes eu fazia posts bons, agora faço posts ruins, falando de mim mim mim mim, eu sofro, eu choro, eu quero, buá, como um bebê que há pouco deixou de mamar, se eu pudesse eu voltava pros meus posts bons, mas o egocentrismo já é forte demais, me impede, desculpem meus leitores e meus não-leitores, quem sabe em dois mil e seis tudo volta, se é que ainda estaremos aqui em dois mil e seis, não terá uma bomba caído ou as calotas polares derretido ou uma guerra eclodido, bate na madeira para que os deuses da natureza impeçam que tais catástrofes aconteçam, se é que os deuses não morreram quando suas habitações arbóreas foram dilaceradas para a produção dessa mesa sobre a qual se encontra o computador nesse momento, enfim, vamos esperar para ver se os deuses e os posts bons voltam em dois mil e seis, ano inimaginável de tão distante, ano inexistente de tão futuro, se não são sinônimas as duas adjetivações, sejam alternativas enumeradas, como na poesia, finjamos que aqui se faz poesia.)

Sempre achei curioso o pus, essa mistura de exsudato inflamatório, leucócitos polimorfonucleares vivos e mortos, e bactérias vivas e mortas. Não haveria de ter um pus próprio para as mazelas espirituais do homem? Uma secreção pela qual nosso ser se livraria de pensamentos vivos e mortos, influências exteriores vivas e mortas, numa mistura de líquidos, células, fragmentos de idéia, de alto teor protéico. Depois de um dia inteiro sofrendo, deitaríamos na cama e pelos nossos buracos (narinas ouvidos boca poros) molharíamos nossos lençóis e colchões com um pus transparente, mas grosso e de odor insuportável.
Mas não liberamos pus algum, e ele fica guardado em nosso cérebro, tanto a parte morta quanto a viva, provenientes da virulência de que falava no parágrafo anterior, você deve ter demorado menos pra ler de lá a cá do que eu para escrever a mesma distância, ainda se lembra do que eu falo.

É a tela do meu computador que está ficando embaçada ou sou eu que vou ficando mais nítido? Ambos? Acho mais provável que nenhum. Mas, de qualquer jeito, o monitor vai pro concerto.
Também no interior do corpo a treva é profunda, e contudo o sangue chega ao coração, o cérebro é cego e pode ver, é surdo e ouve, não tem mãos e alcança, o homem, claro está, é o labirinto de si mesmo.

Se eu fosse fazer isso em frente a vocês todos, vocês me impediriam, não agüentariam a culpa – mesmo que não fossem culpados de nada – de deixar-me fazer o indizível. Mas se eu o faço assim como o faço, lentamente, pouco a pouco, sem que nem eu mesmo o perceba, não podem em impedir. O faço? Não sei, não posso perceber, mas talvez.

Abracem-se, beijem-se, toquem-se, falem-se. Talvez eu esteja assistindo, não é?

É, talvez.

Você em London, London, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, Ladybug, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, cão lambão e idiota, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Vocês, lagostas minhas, espero que estejam se sentindo bem com o que vocês conquistaram;

Você, do tubinho e cabelão, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, dos olhos nordestinos orientais, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, do cachecol escondendo um pescoço, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, da bochecha de porcelana, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, dos olhos repressivos, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, dos cabelos risonhos, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, do livro na mão, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, em London, London, fique aí que o mundo real não vale a pena, mais vale o exílio o frio a solidão, idéias platônicas de um novo mundo.

Por quê? Me perguntas.
Porque, te respondo, enquanto olhas pra mim com medo, porque eu não recebo torpedos no celular. Porque meus e-mails são só spams. Porque é sempre engano, sempre para outro, sempre para um outro eu que tem deveres e não tem essência de gente. Porque já nem consigo ler direito o que escrevo, embaçado mais e mais. Porque há tempos não vou ao teatro. Porque há tempos não vou. Porque meus lábios são metálicos. Porque os suicidas tinham razão. Porque ficou o gosto de sangue, mas só do meu próprio. Porque eu vos mordo, mas não sai sangue para eu beber. Porque sou líquido transbordante. Porque sou ar e me desfaço como mil serezinhos voadores que morrem numa explosão de cores preto-e-branco como tv quebrada.

Não giro mais no carrossel em que vocês estão, alguns em cavalinhos, outros em carruagens de dois em dois.
Eu estava no dinossauro, agora parei de girar.
Girem girem que aqui fora do carrossel não é legal.
que quando não se gira mais, se está saindo gradualmente da ratoeira.
Ainda assim, minha vida hoje se resume a um post contínuo, do qual apenas fragmentos pequenos eu posto. Porque minha vida não existe senão como coisa exterior a mim.

Mas “quando a alma fala, já não fala a alma”.
Se postar é tudo o que eu tenho, não tenho nada além de significantes sem significados.
É com os actos que respondemos sempre, e também com os actos que perguntamos.
Sou um risco no papel, uma curva que não diz nada além de seu próprio formato. Sou feito de convenções lingüísticas e regras gramaticais, sou linguagem formal sem correspondência coloquial.
Vocês são linguagem coloquial, e sabem usar a linguagem formal de seus seres.

Eu tenho prova de História Literatura Física Química na sexta feira. Três minutos para cada questão, pois tenho de estudar para o “Vest.”. Mas enquanto estiver fazendo a prova, estarei em verdade voando entre as estrelas, solto no vácuo, meu traje espacial especial se esticando cada vez mais sobre meu pulmão, até que ele se rasgue e eu...

“Não era um deserto. Ouviu-se de repente um tiro. E então, num arco de círculo largo, saíram homens de detrás das pedras, em grande alarido, mas sem poderem disfarçar o medo, e avançaram com redes e cordas e laços e varas. O cavalo ergueu-se para o espaço, agitou as patas da frente e voltou-se, frenético, para os adversários. O homem quis recuar. Lutaram ambos, atrás, em frente. E na borda da escarpa as patas escorregaram, agitaram-se ansiosas à procura de apoio, e os braços do homem, mas o grande corpo resvalou, caiu no vazio."

... exploda.

“Vinte metros abaixo, uma lâmina de pedra, inclinada no ângulo necessário, polida por milhares de anos de frio e de calor, de sol e de chuva, de vento e de neve desbastando, cortou, degolou o corpo do centauro naquele preciso sítio em que o tronco do homem se mudava em tronco de cavalo. A queda acabou ali. O homem ficou deitado, enfim, de costas, olhando o céu. Mar que se tornava profundo por cima de seus olhos, mar com pequenas nuvens paradas que eram ilhas, vida imortal. O homem girou a cabeça de um lado para o outro: outra vez mar sem fim, céu interminável. Então olhou o seu corpo. O sangue corria. Metade de um homem. Um homem. E viu que os deuses se aproximavam. Era tempo de morrer.”

16.2.05

Janela Fechada (porque o A ficou na Toca)

Fecharam uma janela, e aposto que, se a janela tivesse ficado aberta, eu seria incapaz de enxergar.

Ficou tudo escuro, escuro.
Um som de cada vez.
Um tom de cada vez
um som-tom sem tom sem vez
desaparecendo aos poucos
descolorindo-se-me
apagando
É proibido apagar.

A luz desvanesceu de todo
absolutamente escuro
esqueceste de respirar quando ar não havia
e a mão no peito encontrava o vazio, liso, frio
como uma lâmina metálica
imóvel
Sem o quê cortar.

De repente

Teu peito não estava lá
nem tua mão estava lá
nem tu próprio.
O nada, o vazio, infinitamente escuro
sem paredes, sem chão
sem Pele.

Sem Nome, a coisa transborda de si
escorrendo no seu não-limite
torna-se Qualquer Coisa
torno-me Qualquer Um
ou todos
sem ser mais eu

Ela sussurrou para mim que dava medo
e eu concordei.Mas não tenha medo
se eu te disser que não existe razão para temer, mesmo que eu diga temer e você entenda algo que para mim talvez fosse se acovardar e não temos como saber se está certo
Porque a Linguagem
Mas a linguagem

é falha
.
.
.

D
E
N
S
I
D
A
D
E

.
.
.

Um ponto no espaço.
Teu mundo desapareceu
e nossas vozes mal encontram seu caminho no vazio.

És um ponto no espaço e no tempo.
Apenas um ponto.
Sem identidade, quase. Sem nome. Como dizer quem eu sou?

Quem és tu?
Ontem não fui eu e sabias disso

Você sabe
que não temos essência
porque somos todos uma coisa diferente
Essência de Gente
sem ter Essência de Eu
somos generalizados porque uma parte de nós generaliza
somos e l é t r o n s
interferindo conosco mesmo

A voz dela tentava me alcançar mas nessa hora nossos infinitos não colidiram

porque nessa hora
ela falavra sobre quem ela dizia não ser
mas, pat, puta, princesa, generala, mãe, maria
são
e são todas a mesma
Mulher.

Um ponto denso...

Os pensamentos, ondas unidimensionais atingindo a pluridimensionalidade no seu ondular constante e sublimenos ocorrem quando passam por nós.

as idéias são pensamentos que se enroscam nos pontos
Pontos densos

Ontem eu não era eu.
.
.
.

A
B
R
A
N
G
Ê
N
C
I
A

.
.
.

Porque um ponto mais vago pode ser passado por mais pensamentos

Por isso devemos ser vagos e densos.

Mas se nada me define, sou infinito.
Extravaso
sou tudo
sou
N a d a

em lugares diferentes
interferindo comigo mesma

e não dá mais medo

a essência do tudo e do nada
não temos essência
Somos definidos por nossas idéias!

g r a v i d a d e


Quem és? Pergunta ao ponto
(não há o que um ponto não responda)

Será o pássaro também oco, como eu e tu?

Não há o que um ponto não responda
nem o que não pergunte um outro ponto
e um novo que exclame um outro tanto
fará de qualquer energia, onda


Abriram a Janela, mas está de noite.

13.2.05

No fundo

Eu olho pra você sem a intenção de olhar, e sei do que você está falando apenas porque não parei de pensar nisso um segundo até agora, mesmo que não tivesse me dado conta.

Aí eu queria finjir que tudo está bem. Você até me convenceria que tudo está bem, você, que parece não estar bem nunca. Você que me fez perceber que o mundo é um lugar terrível. Mas lá seus olhos me fizeram tremer nas bases como se realmente assassinato terror sangue por todos os lados gotículas de sangue espalhadas por seu corpo pálidocomo um pedaço de queijo Minas e pela segunda ou terceira vez na vida senti medo de verdade, medo de que você abrisse uma bocarra enorme e nos engolisse vivos com suas mãos destroçadoras.

... ... ... Mas medo de você?

No fundo... o medo de que o impossível pudesse ser verdade. Chamei minha própria atenção porque por mais que sua voz fosse assustadora você nunca faria uma coisa dessas. Faria? Mesmo assim eu fiquei com medo. Depois lembrei daquele medo transparecendo em sua voz quando ele caiu. E da sua risada e de pegar você no colo. E daquelas tardes ensolaradas quando eu percebi que você já era mais que só um "amigo" e eu não sabia. Mas naquela hora.

Naquela hora eu senti medo.

Porque a realidade não fez nenhum acordo conosco.

Porque nada me garantia que você não podia se transformar no lobo mau, por mais que estivéssemos apenas brincando.

Porque as desgraças podem acontecer também na nossa vida...

Foi isso que eu pensei quando te vi caindo...

Me vi caindo, porque no fundo não tinha porque não cair. Estava quente, eu estava cansada e as mãos escorregavam com todo aquele suor. Mas mesmo assim eu podia ter me segurado.Eu podia ter descido, e não adianta dizer que eu era só uma criança. Eu saibia que estava caindo e que era só fazer mais força para não cair, mas no fundo parecia um esforço grande demais que não valia a pena, até que me convenci de que eu não tinha mais forças. E deixei minha mão se soltar.

Uma mão. A outra depois.
Olhei para o chão e pensei que talvez se caísse de peito o impacto forte ia fazer meu coração parar e eu ia ficar sem ar. E ia morrer, como todas aquelas pessoas que morrem todos os dias.

Não foi medo. Foi mais uma constatação.

Acho que quando se é criança morrer não parece uma opção. A gente não pode morrer, simplesmente não pode nãopode. Proibido. Ponto.

Sabia que eu não podia morrer mas se quebrasse o braço direito não ia poder escrever quando entrasse na escola. Então coloquei o braço eequerdo na frente do peito e jogueii o outro meio pra trás, defensiva. A partir daí a queda veio muito rápido. E doeu. Doeu pra caramba, mas eu não me levantei como se fosse a coisa mais natural de mundo, e me sentei num banco meio segurando o braço porque nunca tinha doído tanto e eu meio que sabia que qualquer coisa estava errada.

Depois me disseram que se eu tivesse aberto os braços não teria acontecido nada.

Mas acho que se eu caísse de novo ia fazer a mesma coisa.

Porque eu não me importo em quebrar o braço.
Até gosto disso,
dói um bocado mas a gente se vê numa série de condições impensáveis

aquela coisa toda amarela, cheirando mal, pózenta, e dóia bastante quando mexia um poucom sem querer

Ou até por querer.

Sentei no banco o joelho encharcado mas fiquei observando as gotas vermelhas descendo até a meia porque foi a coisa mais interessante no meu dia.

Mas ainda assim pensei no menino, coitado, e no pai do menino com aquele olhar furioso.



Tédio.
Sem ter pelo que lutar a vida fica insípida. Uma lição de casa parece motivo para se jogar da janela. Na verdade, qualquer motivo é bom o suficiente para se tacar da janela. Só pra sentir a dor da queda lá embaixo, quiçá ficar hospitalizado. Brigar com um urso, se tacar da cachoeira. Fugir de casa e ir viver num lugar nenhum, aliás, morrer, porque viver no fundo eu só acho que sei. Eu sei, eu sei.: eu faria tudo outra vez. Quebraria os dois braços de novo, sairia do jogo de basquete porque na segunda bolada no dedão machucado há meses tornou a dor de repente insuportável. Bateria a cara na árvore. Cairia de cima da árvore. Rolaria pela pedra do rio. Comeria areia, comeria o peixe fresco, comeria o verme vivo que se remexe na minha boca comoum vermezinho que não tem culpa de nada e vai morrer talvez somente porque inocente e branquinho daquele jeito parece extremamente apetitoso. Levaria a frisbada na cara e reclamaria da dor. Tentaria fugir de casa e daria a volta no quarteirão. Representaria a Julieta. Brigaria com a professora. Choraria na aula. Me apaixonaria. Ou não. Não sei. Dançaria e quereria dançar para sempre de novo, e teria medo de que ele me visse de novo. Odiaria quem eu amo outra vez, e beijaria sua boca com gosto de sangue simplesmente porque era preciso.

Erraria conjugações verbais.

Não é como se a vida fosse uma grande aventura, de qualquer forma... Tudo parece tão bobo e feliz hoje em dia.
Houve um tempo em que eu achava que poderia escrever um livro baseado em minha vida, mas agora não. Estou feliz demais para essas coisas profundas. Destruí meu mundo e o reconstruí. Um ponto não tem significância, por mais abrangente que seja.


O pato está na ratoeira.


Até escrever parece maçante.

Eu sinto falta de viver meio à beira da morte... (mesmo que no fundo minha mãe nunca tenha me deicado me machucar muito).

Acho que, no fim, as pessoas se acostumaram a me chamar de poeta e de Clarisse, mas são sempre as outras pessoas queredigem boas idéias

Eu devia parar de escrever palavras tão profundamente inodoras.

Tédio.






Vazio.

9.2.05

Nu

Como ria-se de mim quando ele abaixava as minhas calças
Mostra
Cora
Chora
Toca
Roga

Monstra

ou
viu
riu
sem (nada)
tiu
Como ria-se de mim quando eu tocava.
Fala
Falo (s)
Cala
Calo (s)

guarda costas
faz favor
costas
bostas
rosas
rosa
choque
roque
xeque
mate
me
s
mo
nu
vê?
crê
ri

l
nada
fico
sem (nada)
nata
sen
tiu
gosto (u)
gozo (u)
eu
nu

eu
se
nu
x
Como ria-se de mim quando eu falava.
como
como
como
corno
cono
tativo
dativo
manumépossivo
contínuo
denso
tranqüilo
finito
em in
fim fin
ito
hipo
frígi(d)o
lócrio
lacra
a boca
não fala
cala
tu
nu
cala
do
r
cala
cara
caro
claro
cala

à merda
vou
estou

nu

eu
se
nu

eu
quando
nu
tão
eu
quanto
nu
Como ria-se de mim quando eu chorava.
de
dor
de
ar
dor
de
a
mor
reu
meu
teu
seu
me
te
u
com(eu)
meu
a
mor
dor
cor
reu
niu
nihil
nada
água
vida
(contida)
hoje
em
dia
a
dia
por favor
sim?
não
dor
sim
não
viu
vida
aqui
eu
nu
não
vi
vi
(da)
aqui
hoje
em dia

a
dia
faz favor.
Como ria-se de mim quando eu sofria.
Besteira.
ama
outro?
sofro
morro
vômito
música
ama
eu
nu
que (foi?)
sou
será
que
sou
água

grima

r

moído
mi
co (nu)

tiado
sol
avanco (avante!)
mas por enquanto fico


mio:
exagero
elogio
pio
ópio
ó
argh
ar!
ffffu
ssssi
fffffu
ssssi
fu (dido)
sível
horrivel
fome
come
fome
come
fome
e
como
como
eu
nu

eu
se
nu

eu

não
quero

eu
Como ria-se de mim quando eu gritava.
eu
nu
não
mais
em
mi (m)
co
vós
nus
todos
nus
eu
vi
ou
vi
da
vós
nus
vós
sois
(sóis)
todos
nus
aos
olhos
meus
mi (m)
co
somos
todos
nus
não
mais
mi (m)
co
sangue
rosto
vós
nus

a
bem da verdade
só eu
nu
mas
vós nus
não
nus
para mim
preciso
rir
de vós
como
vós
rides
de
mim

mas
só eu
nu
e só
eu
se
nu
só eu
(ZOMBAI!)
(VINDE!!)

só eu
cás carça
arriada.

Vinde.

6.2.05

...Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc

Porra, dez minutos sozinho e já volta tudo?

Sim, o que eu esperava era verdade: com o fim do ócio e a conseqüente diminuição do tempo disponível para se pensar, parecemos sofrer menos. Na verdade é só a consciência de nossa dor que em realidade diminui, mas isso já basta para – pelos cinco dias úteis – tirar um pouco do peso de meus pulmões e do sangue de minha boca.
Mas com dez minutos sozinho já volta tudo. Você foi pra escola, ficou lá depois conversando, correndo, pulando, dançando tango, empurrando meninas indefesas para a morte certa. Depois você foi na casa de seu amigo, assistiu um filme, conversou, leu, levou sua amiga até a casa dela, voltou pra casa, falou com sua mãe, tomou banho, ligou pra outra amiga, checou e-mails, mandou um e-mail desejando feliz aniversário para um amigo que você não vê há muito tempo. Ainda foi jantar com a família, ficou lendo revista, leu livros, foi buscar livros na casa de seu pai. Ah, Mrs. Dalloway! Always giving parties to cover the silence! Finalmente, voltou pra casa para ser recebido pelos dez minutos que te fazem lembrar da realidade.

[Que realidade? De respostas para essa pergunta essa ratoeira já está cheia. Nota do Editor. Que tem bigodes.]

E esses minutos voltam como um rio selvagem que quebra a Itaipu e água-se pra todos os lados possíveis e imagináveis: afinal, durante a eventiva semana, novos aspectos da realidade passaram a fazer parte do meu eu, novos conhecimentos novas memórias novas vontades novas perspectivas. Tudo isso vai aumentando de número, só diminui o tempo que vai acabando que um dia eu vou morrer e tudo isso se foi – se eu não aproveitar bem, tudo isso se foi que um dia eu vou morrer o tempo que vai acabando só diminui.
Lá no Canadá, minha mãe comprava quando ia ao (e não “no”, já que o corretor do Word me proíbe de cometer erros ortográficos ou gramáticos, que sujeito boniiiiiiito) supermercado um pote de 500mL de iogurte de blueberry com pedaços da fruta. Aí, quando eu estava meio tristonho, eu pegava uma colherinha e ia comer o iogurte direto do pote, enfiado em algum canto da casinha. Ô, que até melhorava, até, sabia? Um canto gostoso era a janela do meu quarto-sótão, a que dava para a rua. Era meu lugar. Lá era o Canadá, até, sabia? Eu olhava para a rua em frente, para a outra rua em frente, a afluente da primeira, a primeira era a minha rua, a segunda não. E tinha as pessoas, os pássaros, as árvores que iam mudando ao longo do ano, o chão com sal no inverno, a Mountain, o templo, o seveneleven, as casas vizinhas, os jardins das casas vizinhas, o telhadinho, o frio, as linhas eléctricas (na verdade eu não lembro de linhas eléctricas. Tinha?), os carros, uma janela tão pequenina, se eu pudesse eu ia pro telhado mas a janela era pequenina que nem a Alicê.

Quando eu morrer não me chores,
Deixo a vida sem sodade;
– Mandu sarará,

Tive por pai o desterro,
Por mãe a infelicidade,
– Mandu sarará,

Papai chegou e me disse:
– Não hás de ter um amor!
– Mandu sarará,

Mamãe veio e me botou
Um colar feito de dor,
– Mandu sarará,

Que o tatu prepare a cova
Dos seus dentes desdentados
– Mandu sarará,

Para o mais desinfeliz
De todos os desgraçados,
– Mandu sarará...

[Nota do Editor Que Tem Bigodes: eu sou um gato sorridente. Sumo e re-sumo. Ressumo e resumo. Rezumo zumo zumas maisumas. Mais umas vezes sumo e re-sumo. Sobra só o meu sorriso pontudo. Sempre sobra o meu sorriso pontudo, que sempre sobre! o meu sorriso pontudo. Pontu! Tù! Un, Deux, Trãããã. Sempre sobra ele, pois sim, rezumo zumo, e a Alicê fica oiando pra ele com cara de riacho maduro. Mas, claro, ele dissobra, e daí Alicê, pretinha bonita e piquinininha qui só ela, fica sozinha na floresta crepitante! Daí ela se esconde no carro do luque, e eu já desapareci sorrisamente, mas tó lâ olhando ela querendo querendo voltar! Oh, iaiá! Desapareci, bigode e tudo.]

Ah, mas que dá raiva.
Hipocrisia daqueles brilhantões caretas que alardeiam seu politicamente-corretismo, que defendem eloqüentemente a tolerância a diferença a aceitação o não-preconceito, mas na verdade acham que tal diferença nunca vai acontecer, né não?

--Não quero saber da eloqüência que não é libertação!!

Quero antes o alarde dos clowns de Shakespeare, que não falavam nada com nada, porra nenhuma de importante, que falavam e falavam with the hey, ho, the wind and the rain – mas, pelo menos, a foolish thing was but a toy: for the rain, it raineth everyday. Que eles não diziam nada, mas nisso eram sinceros. Ah, que os bêbados e os suicidas que se matam sem explicação!

-- Não quero saber da bunda que não é libertação!!

Então, hipocrisia. Eu ia dizen-falando.
Tem que mandar tomar no cú e pronto. E não – isso não é mais uma onda de palavrões que nem naquele postão de julho passado, não não. Isso é a mais pura verdade. Tem que mandar tomar no cú. Palavrão é preconceito lingüístico. É muito nojento mesmo, tem que ir se ferrar e pronto.

E usam de esquemas, pontes, túneis, passagens secretas, atalhos sujos e escusos. São eles, afinal, demasiadamente polidos, são politicamente corretos e publicamente bonzinhos. É o bem contra o mal, e você de que lado está?

Eu estou do lado de quem tem um mínimo de inteligência.
E estou do lado de quem tem um mínimo de humanidade.

--Não quero saber do academicismo, que não é libertação!!

E são os hipócritas justamente aqueles que você achava que gostava. E que você achava que eram direitos. Mas, agora, no fim de todas as coisas do mundo que vai minguando nesse terceiro milênio, eles são – apenas apenas – aqueles que tem, por mais um ano, poder sobre a minha vida.

E daí você não quer pensar mais, dez minutos foram o suficiente. E você liga a tv, só para assistir the awful truth – e é EUA pra cá, e hipocrisia puritana pra lá, e God Hates Fags pra acolá.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

O que me lembra, estou com tuberculose. Posso ser poeta. Ou fingir que sou e morrer tão jovem que eu realmente não tenho que fazer poesia alguma. Pode até dar dinheiro. É só falar contra o capitalismo.
Meu sistema respiratório está podre. Como que iam pousar moscas nele. E cof cof, que o som de verdade é mórbido demais para se inserir numa onomatopéia.

-- Não quero saber da morte que não é libertação!!

ASSIM eu quereria meu último post nesse blog: que fosse terno, dizendo as coisas mais simples e menos intencionais.
Menos intencionais, até porque eu teria caído morto sobre o teclado, e tudo o que apareceria na sua tela ia s

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