17.2.05

que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente

Vejo os pombos no asfalto
Eles sabem voar alto
Mas insistem em catar as migalhas do chão.

Te digo na telinha do Mensageiro um leve Hehe, mas assim que nos despedimos com beijos brincalhões, sinto aquele tremer na espinha e meus olhos se águam. Estou muito pior do que sempre estive. E já não consigo entender o que qualquer um tenta me dizer. Extou existencialmente exausto, me mordo medroso, sempre sinto sono, fim fico falecido fim.

Os dez minutos são seguidos de uma vida inteira para sentir dor. Eu sinto tanto, eu sinto muito (eu nada sinto). Ir do grito abissal ao silêncio primal: mas o meu grito foi cedo demais silenciado, cedo demais antes de nascer, há mais de dezesseis anos e oito meses. Calei-me para sempre, já não posso uivar como tanto quis quero quererei quisera queria sempre sempre sempre, uivemos disse o cão mas o cão mesmo era mudo,

a tuberculose destruíra suas cordas vocais.

O sangue saindo de minha boca com cada chacoalhão da tosse. Hemoptise. Passo a noite emitindo sons gruturais, sem conseguir respirar, desesperado, hhhhhhhh, o ar não consegue passar por minha garganta congestionada, hhhhhhhh, o pouco ar que entra não me é suficiente, hhhhhhhhhhhhhhhhh, e quando este pouco ar sai treme minha garganta e suas impurezas, hhhhhhhhhhhhhhh, a tosse já não basta para limpar a via, hhhhhhhhhhhh, quem pode dormir sem respirar? Quem pode não dormir sem respirar? Pulmão. Minha cabeça dói tanto! Minha testa arde, estou febril mas só em casa quando não tem ninguém pra cuidar de mim, minha mãe está na ilha do cardoso e não sabe quando estou febril e com dor de cabeça e perdendo todo o meu sangue.

Aquelas pessoas que não desligam o celular por um segundo, temendo que alguém ligue e não consiga encontrá-las. Sou eu o contrário de tais personalidades tão comuns hoje em dia: não permito que meu telemóvel fique aceso, pois sei que se ficar ninguém vai me ligar. Aí então você chega do fim de semana e me encontra sobre a SegundaFeira e me diz que pensou em me ligar. Mas não teria me encontrado porque meu celular estaria desligado, porque se não estivesse ninguém iria me ligar. E ninguém me liga. E quando alguém me liga, eu nada posso dizer, pois estou silenciado pela tuberculose que destruiu minhas cordas vocais. E o que sobrou da gente, hein?
Não é de hoje que todas as minhas relações pessoais são totalmente degeneradas, deterioradas, poluídas, feridas, arranhadas, confusas, incompletas. E eu digo “hehe” na telinha do mensageiro e depois começo a lacrimejar, você que faz tanta falta aqui perto, se tudo o que eu contei pra você eu já contei pra outras pessoas, nenhuma delas me falou o que você me falou.
Porque me demora meses pra criar coragem e romper a mudez para algumas poucas pessoas, e dizer “Eu sou” como me disse o vidro do box do banheiro. Mas o que eu preciso ninguém me dá. De que adianta ouvir que gostam de mim, que sorriam pra mim, que me deixem falar.
Eu preciso é do finho. Preciso do que ele sempre me disse mas nunca na minha frente, olhando pra mim, existindo. Me disse sempre através de bits e bytes e kbs e mega e giga e tera e 0111000110100101010100100101001010... Mas você sempre mentiu e disse o que eu preciso ouvir.

É verdade, seria muito mais fácil se. Pra nós dois. Mas o cosmos não tem muita propensão a fazer o que é pra mim mais fácil ou menos doloroso. Os momentos em que eu estou mais próximo de acreditar que existe um deus são justamente aqueles em que eu o vejo sádico, usando seus raios para me eletrocutar, me desfazer, mesmo que desfeito eu já seja há muito, será que ele sabe disso, deve saber se for mesmo onisciente, talvez não o seja e ache que eu sofri muito pouco, talvez porque eu esteja tão calado que pareça estar consentindo com tudo. Mas o ditado só serve quando o calar é voluntário.
E é?
Insisto em catar as migalhas do chão. São assim os labirintos, têm ruas, travessas e becos sem saída, há quem diga que a mais segura maneira de sair deles é ir andando e virando sempre para o mesmo lado, mas isso, como temos obrigação de saber, é contrário à natureza humana. Não tento voar porque sei que sou pesado demais, vou direto ao chão. E o mais impressionante é que a expressão facial que tenho nesse momento é a que tantas vezes carrego na frente de todos. E ninguém parece perceber que eu não sou como eles. Sou essencialmente diferente de todos os que compões meu assim chamado grupo. Eles tem muito mais presente em si a felicidade, a leveza, o ar nos pulmões.

Me falta ar para a básica necessidade de respiração, e agora já não falo de minha condição física, não falo do catarro que entope toda minha via respiratória, da boca ao pulmão, falo de outra coisa. Me falta ar para a básica necessidade de respiração: não sinto meu coração partido, mas meus pulmões, são eles o verdadeiro centro dos sentimentos, das emoções, são eles que se partem todos os dias mais e mais, meus pulmões são poeira estelar.

A filosofia não mais me adianta. Preciso de alguém que me diga o que acontece comigo, algum especialista que possa ler as linhas complexas de minhas rodovias neurológicas e meus limites políticos, topográficos, hídricos. Porque eu não me entendo como eu achava que entendia. Eu não sei O Que É O Que É. Eu perdi a capacidade de explicar a mim mesmo a minha situação.
E tudo o que me cerca vai reforçando o sentimento de que, por incrível que pareça, o momento mais feliz de toda a minha vida já foi, e agora todo o caminho é descida, eu achava que não dava pra descer mais mas devia ter aproveitado aquele pico que pra mim era tão insuportável. E era mesmo, inaproveitável. Então desço, lentamente no começo, mas a rampa fica mais íngreme, a gravidade me puxa mais e mais, estou pesado – até que tudo acaba quando a declividade da rampa for infinita: eu caindo ao lado do meu prédio, pulado da janela.

Dois mil e cinco repetindo dois mil e três. O ver de fora minha própria vida. O querer estar sozinho na classe e não sair para o recreio. O ultra-romantismo com todas suas características estudadas em sala de aula, vocês não sabem mas estão na verdade estudando a minha mente, reencarnação de Álvares de Azevedo, estudando-me omni soli semper.
Mas são só meus sintomas que se repetem: eu mesmo sou outro, muito mais próximo do meu eu de dois mil e quatro (se é que os egos ao longo de uma vida podem ser corretamente divididos em anos), e portanto outras são as causas de tais sintomas, outra é a virulência que causa a febre a tuberculose o egocentrismo a ânsia de glória o pessimismo extremo, cada vez menos Ariel e mais Caliban.

(Egocentrismo de crescimento perceptível se analisarmos a evolução de meus posts aqui no pato: antes eu fazia posts bons, agora faço posts ruins, falando de mim mim mim mim, eu sofro, eu choro, eu quero, buá, como um bebê que há pouco deixou de mamar, se eu pudesse eu voltava pros meus posts bons, mas o egocentrismo já é forte demais, me impede, desculpem meus leitores e meus não-leitores, quem sabe em dois mil e seis tudo volta, se é que ainda estaremos aqui em dois mil e seis, não terá uma bomba caído ou as calotas polares derretido ou uma guerra eclodido, bate na madeira para que os deuses da natureza impeçam que tais catástrofes aconteçam, se é que os deuses não morreram quando suas habitações arbóreas foram dilaceradas para a produção dessa mesa sobre a qual se encontra o computador nesse momento, enfim, vamos esperar para ver se os deuses e os posts bons voltam em dois mil e seis, ano inimaginável de tão distante, ano inexistente de tão futuro, se não são sinônimas as duas adjetivações, sejam alternativas enumeradas, como na poesia, finjamos que aqui se faz poesia.)

Sempre achei curioso o pus, essa mistura de exsudato inflamatório, leucócitos polimorfonucleares vivos e mortos, e bactérias vivas e mortas. Não haveria de ter um pus próprio para as mazelas espirituais do homem? Uma secreção pela qual nosso ser se livraria de pensamentos vivos e mortos, influências exteriores vivas e mortas, numa mistura de líquidos, células, fragmentos de idéia, de alto teor protéico. Depois de um dia inteiro sofrendo, deitaríamos na cama e pelos nossos buracos (narinas ouvidos boca poros) molharíamos nossos lençóis e colchões com um pus transparente, mas grosso e de odor insuportável.
Mas não liberamos pus algum, e ele fica guardado em nosso cérebro, tanto a parte morta quanto a viva, provenientes da virulência de que falava no parágrafo anterior, você deve ter demorado menos pra ler de lá a cá do que eu para escrever a mesma distância, ainda se lembra do que eu falo.

É a tela do meu computador que está ficando embaçada ou sou eu que vou ficando mais nítido? Ambos? Acho mais provável que nenhum. Mas, de qualquer jeito, o monitor vai pro concerto.
Também no interior do corpo a treva é profunda, e contudo o sangue chega ao coração, o cérebro é cego e pode ver, é surdo e ouve, não tem mãos e alcança, o homem, claro está, é o labirinto de si mesmo.

Se eu fosse fazer isso em frente a vocês todos, vocês me impediriam, não agüentariam a culpa – mesmo que não fossem culpados de nada – de deixar-me fazer o indizível. Mas se eu o faço assim como o faço, lentamente, pouco a pouco, sem que nem eu mesmo o perceba, não podem em impedir. O faço? Não sei, não posso perceber, mas talvez.

Abracem-se, beijem-se, toquem-se, falem-se. Talvez eu esteja assistindo, não é?

É, talvez.

Você em London, London, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, Ladybug, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, cão lambão e idiota, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Vocês, lagostas minhas, espero que estejam se sentindo bem com o que vocês conquistaram;

Você, do tubinho e cabelão, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, dos olhos nordestinos orientais, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, do cachecol escondendo um pescoço, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, da bochecha de porcelana, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, dos olhos repressivos, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, dos cabelos risonhos, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, do livro na mão, espero que esteja se sentindo bem com o que você conquistou;

Você, em London, London, fique aí que o mundo real não vale a pena, mais vale o exílio o frio a solidão, idéias platônicas de um novo mundo.

Por quê? Me perguntas.
Porque, te respondo, enquanto olhas pra mim com medo, porque eu não recebo torpedos no celular. Porque meus e-mails são só spams. Porque é sempre engano, sempre para outro, sempre para um outro eu que tem deveres e não tem essência de gente. Porque já nem consigo ler direito o que escrevo, embaçado mais e mais. Porque há tempos não vou ao teatro. Porque há tempos não vou. Porque meus lábios são metálicos. Porque os suicidas tinham razão. Porque ficou o gosto de sangue, mas só do meu próprio. Porque eu vos mordo, mas não sai sangue para eu beber. Porque sou líquido transbordante. Porque sou ar e me desfaço como mil serezinhos voadores que morrem numa explosão de cores preto-e-branco como tv quebrada.

Não giro mais no carrossel em que vocês estão, alguns em cavalinhos, outros em carruagens de dois em dois.
Eu estava no dinossauro, agora parei de girar.
Girem girem que aqui fora do carrossel não é legal.
que quando não se gira mais, se está saindo gradualmente da ratoeira.
Ainda assim, minha vida hoje se resume a um post contínuo, do qual apenas fragmentos pequenos eu posto. Porque minha vida não existe senão como coisa exterior a mim.

Mas “quando a alma fala, já não fala a alma”.
Se postar é tudo o que eu tenho, não tenho nada além de significantes sem significados.
É com os actos que respondemos sempre, e também com os actos que perguntamos.
Sou um risco no papel, uma curva que não diz nada além de seu próprio formato. Sou feito de convenções lingüísticas e regras gramaticais, sou linguagem formal sem correspondência coloquial.
Vocês são linguagem coloquial, e sabem usar a linguagem formal de seus seres.

Eu tenho prova de História Literatura Física Química na sexta feira. Três minutos para cada questão, pois tenho de estudar para o “Vest.”. Mas enquanto estiver fazendo a prova, estarei em verdade voando entre as estrelas, solto no vácuo, meu traje espacial especial se esticando cada vez mais sobre meu pulmão, até que ele se rasgue e eu...

“Não era um deserto. Ouviu-se de repente um tiro. E então, num arco de círculo largo, saíram homens de detrás das pedras, em grande alarido, mas sem poderem disfarçar o medo, e avançaram com redes e cordas e laços e varas. O cavalo ergueu-se para o espaço, agitou as patas da frente e voltou-se, frenético, para os adversários. O homem quis recuar. Lutaram ambos, atrás, em frente. E na borda da escarpa as patas escorregaram, agitaram-se ansiosas à procura de apoio, e os braços do homem, mas o grande corpo resvalou, caiu no vazio."

... exploda.

“Vinte metros abaixo, uma lâmina de pedra, inclinada no ângulo necessário, polida por milhares de anos de frio e de calor, de sol e de chuva, de vento e de neve desbastando, cortou, degolou o corpo do centauro naquele preciso sítio em que o tronco do homem se mudava em tronco de cavalo. A queda acabou ali. O homem ficou deitado, enfim, de costas, olhando o céu. Mar que se tornava profundo por cima de seus olhos, mar com pequenas nuvens paradas que eram ilhas, vida imortal. O homem girou a cabeça de um lado para o outro: outra vez mar sem fim, céu interminável. Então olhou o seu corpo. O sangue corria. Metade de um homem. Um homem. E viu que os deuses se aproximavam. Era tempo de morrer.”

4 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

artur, você um drogado a quem faltam as drogas...

21/2/05 21:37  
Blogger Artur disse...

sabe, é bem chato quando as pessoas postam anonimamente....

mas sim, sou.

22/2/05 14:01  
Anonymous Anônimo disse...

você não me conhece, então de que adiantaria?

26/2/05 14:27  
Blogger Artur disse...

bem, você leu meu post, ou até lê meus posts, então em algum nível você me conhece, acho que eu deveria saber em algum nível quem você é, também.

Além do mais, não deveriam ter pessoas que eu não conheço lendo meus posts (não que isso me incomode, mas não há motivo nenhum para ter).

26/2/05 23:22  

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