28.1.05

As Adimencionalidades da Existência

It's not
What you thought
When you first began it.

Naqueles tempos remotos de primeiro colegial, O Sol e o Mar me impeliam a um único desejo, que acabasse aquilo. O tão sublime sentimento de que falam a poesia, a filosofia (de universidades ou botequins), os diários de adolescentes, os blogs, os romances, os gibis, os filmes, os quadros, as canções, as nuvens, os prédios, as ruas, as bochechas rosadas de garotinhas no porta-retratos, a fiação de um computador, esse sentimento tão evocado criava em mim apenas asco, e a desesperada ânsia de que um dia eu ficasse livre disso tudo. Pois bem, quem se aventurar a ler meu pseudo-diário onde estão registradas minhas atividades e meus pensamentos vivenciados nas três primeiras semanas de janeiro de dois mil e quatro – claro, ninguém o fará, pois eu não deixarei, mas suponhamos que alguém pudesse se aventurar nesse selvagem campo – essa pessoa, eu ia dizendo, mas a frase ficou longa então tive que lembrar qual o seu sujeito que ficou lá em cima, essa pessoa encontraria nada menos que o relato de meu esforço para esquecer esse... bem, qual nome querem dar?... whatever. E encontrariam, também, escrito bem nitidamente (mesmo que vocês não entendam minha letra), que eu consegui, fiz, esqueci, joguei no lixo – literalmente – esse sentimento de que falam a poesia, a filosofia (de universidades ou botequins), os diários de adolescentes, os blogs, os romances, os gibis, os filmes, os quadros, as canções, as nuvens, os prédios, as ruas, as bochechas rosadas de garotinhas no porta-retratos, a fiação de um computador, etc enfim, que tanto me atormentava.

You got
What you want
Now you can hardly stand it though,
By now you know
It's not going to stop,
It's not going to stop,
It's not going to stop
'Til you wise up.

Não era isso. It didn’t stop, é claro, não poderia ter parado. Pois não depende só de falar a língua dos homens e falar a língua dos anjos, e quais versos mais você lembrar.

You're sure
There's a cure
And you have finally found it.

O ser humano, dizem as más línguas, é livre. Dizem outras más línguas – essas francesas, baixinhas, existencialistas e disléxicas – que tal liberdade implica em responsabilidade: se eu posso escolher entre a porta n°1 e a porta n°2, tenho que arcar com as conseqüências de minha escolha. Ou seja, se eu escolhi – sem sabê-lo, pois é assim que funciona a condição humana, você nunca sabe o que está por trás das Portas Do Tempo – a revistinha para colorir que tinha atrás da porta n°9, perdendo assim a latinha de felicidade em calda que tinha atrás da porta n°2004, foda-me eu,
agora é tarde.

Pois é, parece até roteiro de filme de terror, você já pode imaginar aquela menina-defunta meio esverdeada saindo da televisão e rastejando na sua direção pra te matar, deixando no caminho aquela gosma que é simplesmente IM-POS-SÍ-VEL de tirar do carpete, e ela grita você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! E, é claro, você grita “Não, Não! Eu não sabia! Eu não escolhi nada, eu não sou livre!” Mas é, e escolheu, e você sabe, mas tem que argumentar mesmo que só pra adicionar dramaticidade na cena.

Por mais divertido que seja assistir a filmes de terror – especialmente à noite, sozinho, em casa, debaixo dos cobertores, sem nada para comer ou fazer além de prestar atenção (porque, se o filme for bom, às vezes você não vai querer prestar atenção), com um telefone bem do seu lado para tocar e dizer você tem sete dias para viver logo na hora mais assustadora do filme, mas bem, estou tergiversando, voltemos ao assunto – e imaginar possíveis realidades escondidas de você nas quais o terror é real, quando a coisa é conosco a gente logo foge.

You think
One drink
Will shrink you 'til you're underground
And living down,
But it's not going to stop,
It's not going to stop,
It's not going to stop
'Til you wise up.

Criamos infinitos mais três artifícios para fingir que não, não somos livres, que não, não depende de nós, que não, não temos escolha, que não, nada podemos fazer. Que a culpa não é nossa, que foi determinado assim, que nosso meio não permite, que nessa sociedade capitalista e injusta no puedo, no puedo, ay caramba!
Essa atitude de fuga da própria liberdade é o que o existencialista baixinho e francês chamava de “má-fé”. Para ele, só um ser livre – e consciente da própria liberdade – poderia ter uma atitude de negação dessa faculdade. Tal atitude seria uma das mais imorais que um ente poderia ter, pois anula aquela que talvez seja a única importante dentre as diversas características humanas.

Então, é isso. Minha questão é, sim, a sociedade. É, sim, o acaso. É, sim, o outro incontrolável. É, sim, toda a merda do mundo. Mas isso não quer dizer que não seja também MINHA ESCOLHA. Eu tenho possibilidade de mudar tudo isso.

Eu posso, sim, analisar minha condição de vida atual e fazer alguma forma de lista, de balanceamento, de plano de ataque aos inimigos da liberdade e do petróleo.

Prepare a list of what you need
Before you sign away the deed
'Cause it's not going to stop,
It's not going to stop,
It's not going to stop
'Til you wise up.

Mas não o faço, é claro. E até entendo, numa atitude de inigualável compaixão para com um ser humano (no caso, eu): se eu fizer alguma coisa, aí não vai ter mais nada pra fazer. Se eu usar a minha última carta, não terei mais nenhuma.

Será? As cartas são infinitas? Gostaria de saber. Cai o rei de espadas/ cai o rei de ouros/ cai o rei de paus/ cai não fica nada. Nada, nada, nada, nada/ nada, nada, nada, nada/ nada, nada, nada, nada/ do que eu pensava encontrar.

A questão é: 2005. Como todo começo de ano, eu vou dizer agora, pra que seja oficial: mais um ano vai ser demais para mim. Digo isso todo ano e “agüento” (ver a desinvenção da palavra ‘agüentar’ em algum lugar desse blog). Mas dessa vez, acho que é a última mesmo. Claro que não é, mas acho que é. Então fica o dilema: má-fé ou o risco de viver de verdade?

“O verdadeiro problema é este: qual o risco que vale a pena correr – construir com base em uma fidelidade ou permanecer soberano, isto é, sozinho? A segunda alternativa conduz seguramente à ruína; a primeira é uma aventura nobre, que pode ser bem-sucedida, embora não haja certeza disso.” — Karl Jaspers, falando da situação política alemã na década de 60.

No, it's not going to stop
’Til you wise up.

Mas eu faço algo, eu faço. Eu vou ali, eu fico lá, eu me aventuro acolá. Falo com tal pessoa, olho para taloutra, admito isso para aquela moça (com o perdão da apocoloquintose acidental), segredo aquilo para todo mundo (com o perdão da apocoloquintose intencional).

Só que algumas pessoas tem limites mais estreitos que os dos outros.

Algumas pessoas são mais fracas.

do “Poema de Sete Faces”:
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

do mesmo “Poema” heptofacial:
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Acho que tudo o que eu sei fazer é citar poemas. Vou fazer disso minha carreira: citador. Fico sentado em uma mesa com um computador e alguns livros importantes de poemas. Quando alguém – sei lá, um jornalista, um filósofo, um poeta mesmo, um blogueiro, um apaixonado que deseja escrever uma carta, um apresentador de programa de tv, um louco, um mendigo, um príncipe nazista, um campo de concentração de 60 anos atrás, um avião luxuoso, uma escola de latão, um grupo de teatro, uma parede parada que barra a brisa – quando qualquer um quiser citar um poema, me procura e eu faço isso profissionalmente.

Mas, há, escolher eu não escolho. ---------! Igualdade! Fraternidade!


Agora estou na rua, e está começando a chuva de sapos. Dói quando eles batem em minha cabeça com tanta velocidade. Alguns ainda sobrevivem a queda. Procuro me esconder da chuva de sapos, então tenho de ficar no quarto lendo e voltar para São Paulo dois dias mais cedo do que o programado. Porque eu fiz! Eu fiz alguma coisa SIM!
Pouca coisa.

Como se aprende a amar? Eu não sei amar. Now you can hardly stand it though, é, fui eu que pedi para não mais amar, e agora isso é minha ruína.
Será que eu realmente virei aquele ser sem sentimentos que eu digo ser?
Por favor, alguém me ensine, alguém me dê um coração que esse já não bate nem apanha – uma emoção pequena qualquer coisa que se sinta deve ter algum que sirva algum que sirva algum que sirva que sirva que sirva que sirva tloc.

A vitrola enroscou. Essas coisas velhas, que nem conseguem fazer uma caminhada pra cima da cachoeira direito, que todos caçoam por ser tão senis, que nem conseguem abraçar a própria liberdade, que só sabem citar poemas, essas coisas antigas, arcaicas, essas vitrolas idosas com Parkinson e Alzheimer deviam ser jogadas fora.
Você sabe que deviam. Você estava pensando nisso agora mesmo.
Estava! Eu sei.
Mas agora que eu escrevi isso e te acusei de estar pensando isso, é claro, você está tentando convencer a si mesmo que não estava pensando nisso.

É, acho que no fim não estava, mesmo.
Mas podia estar.

Fantasia. Mentira. Invenção. Ficção. Enganação. Ilusão. Sonho. Falsidade. Falsa tartaruga.
Beautiful Soup, so rich and green,
Waiting in a hot tureen!
Who for such dainties would not stoop?
Soup of the evening, beautiful Soup!
Soup of the evening, beautiful Soup!
Beau--ootiful Soo--oop!
Beau--ootiful Soo--oop!
Soo--oop of the e--e--evening,
Beautiful, beautiful Soup!

Beautiful Soup! Who cares for fish,
Game, or any other dish?
Who would not give all else for two p
ennyworth only of beautiful Soup?
Pennyworth only of beautiful Soup?
Beau--ootiful Soo--oop!
Beau--ootiful Soo--oop!
Soo--oop of the e--e--evening,
Beautiful, beauti--FUL SOUP!
Mock turtle. Mock. Mockery. Gozação. Parodiação.

É por isso(, digo para quem perguntou,) que não posso sequer pensar na possibilidade de. Que não posso nem sequer querer que. Nem querer que seja possível que. Nem pensar que eu quero que seja possível que. Eu tenho que me segurar ao mais terrível realismo (ou pessimismo, se é assim que você quer chamar) por causa DISSO. Porque a ilusão levou-me longe demais. Pra beirinha da Desalma.

E eu posso escrever – aqui, ali, acolá – eu posso atuar – aqui, ali (esse só em dois lugares) – eu posso rir eu posso desenhar eu posso sim. Ou não. Mas não pára nunca, isso sim, sem dúvida.

Melancolia. Depressão. Doença. Tristesse. Solidão. Crise. Vazio. Nada.
Nada, nada, nada, nada,
Nada, nada, nada, nada,
Nada, nada, nada, nada,
Do que eu pensava encontrar:
It’s not
what you thought
When you first began it.
E medo, acima de tudo. Medo de sair daquele mesmo caminho de sempre. (Até aqui, o post ia chamar “Má-fé”, mas resolvi mudar o título.) Porque o pensamento cartesiano faz-nos crer que o espaço é mapeável, contínuo, que depois daqui tem o que vem depois daqui, tem o ali ou whatever. Mas não. Saibam, meus leitores, que só existem nossos caminhos. E se saímos de um caminho para procurar um atalho, ou mesmo só para andar até logo ali (onde podemos estar vendo um outro caminho, ou um canteiro de crisântemos), nos perdemos, não importa se demos dois mil e quatro passos ou apenas um, pequenino. Porque só existem os nossos caminhos. Entre eles, não há espaço ou tempo. Há apenas as adimensionalidades da existência.

Sair do caminho reto é perder-se. Perdição. Ruína. Doom. Maldição. Fim, enfim.

E, portanto, o medo. Medo que cria a má-fé, as baladas, o capitalismo, o despotismo, as injustiças, os suicídios, a felicidade, o amor (sentimento de que falam a poesia, a filosofia (de universidades ou botequins), os diários de adolescentes, os blogs, os romances, os gibis, os filmes, os quadros, as canções, as nuvens, os prédios, as ruas, as bochechas rosadas de garotinhas no porta-retratos, a fiação de um computador, etc), a verdade, e mais medo.

Tenho medo de me perder. É esse o mesmo medo que eu às vezes admito que tenho, o medo de ficar louco. Pra mim, é a mesma coisa. Se eu me perder nas adimensionalidades da existência, vou parar num hospício. E tudo isso eu digo literalmente.

TUDO isso eu digo literalmente.



No, it's not going to stop
So just...give up.

4 Comentários:

Blogger yuribt disse...

Pois é.
Mas, sinto muitíssimo. (Na verdade, muito pelo contrário.)
Você não se tornou aquele ser maligno que você diz ser, não senhor.
Ou talvez você² seja realmente esta criatura maligna sem sentimentos.
Mas você não se tornou aquele ser maligno que você diz ser, não senhor.
Aceite um abraço.

28/1/05 19:39  
Blogger Artur disse...

Mas eu não estou falando daquele ser maligno, eu estou falando daquele ser sem sentimentos. São máscaras diferentes, ligeiramente diferentes..


E não vale usar meu código de "vocês" (¹e²) sem especificar quem é o quê.

28/1/05 20:44  
Blogger yuribt disse...

Ah! Perdão. Esqueci-me daquilo. Mas aquilo não é um você {2}, é um você ao quadrado.

29/1/05 14:19  
Blogger Artur disse...

droga de códigos idênticos significando coisas diferentes...

29/1/05 23:10  

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