22.1.05

Aquelas coisas que você nunca sentiu antes

O tempo ocioso é um eficientíssimo momento para descobrir em você mesmo coisas que não julgava possível. Principalmente de madrugada, quando você simplesmente não tem nada para fazer, mas precisa de algo. Ou quando você está falando com apenas uma pessoa no MSN, e essa pessoa sai, te abandona. Ou quando você volta de um restaurante para sua casa vazia (pois sua mãe está de plantão e seu irmão está viajando, que bom né?, a casa vazia). Quando você tem palavras demais e sono demenos, quando você é só cabeça e nada corpo.

Você pode descobrir, de um jeito assim “saiu sem querer”, você não esperava dizer (ou digitar) isso, mas disse (ou digitou), e daí já foi né. Você falou aquilo, e dali a pouco você pensou nisso e lhe pareceu uma boa idéia. Só por um segundo, lhe pareceu uma ótima idéia, mas só esse segundinho, porque você é uma pessoa decente demais (e, sejamos francos, perigosa demais) pra pensar seriamente nisso.

Ou então vem quando você está na avenida paulista andando na chuva, e você lembra daquele filme que você assistiu e compara sua vida aos personagens que vira lá. E disso poderá tirar conclusões positivas ou negativas, depende do filme e da vida. E da chuva, é claro, tudo depende da chuva. E você vai dizer – bem, pelo menos como ELES eu não estou. Ou – merda, até esses bostinhas inexistentes estão melhor que eu. Ou não vai dizer nada, porque já chegou no cinema e sua mãe está esperando, o filme vai começar.

Pode também estar deitado na cama, usando suas mega-técnicas de atuação para simular o momento da sua morte.

Enfim.

Agora, o que você pode descobrir?
Você pode, pela primeira vez, querer ir até um bar – ou mesmo até o armarinho na sua casa – e beber algo que te altere.
Ou você pode sentir que está morrendo de verdade.
E pode agradecer por estar – até agora – afastado de álcool e drogas.

Pode, navegando na inter-rede, descobrir que aquele país frio e distante te faz uma puta duma falta, que você quer pelo menos passar um tempinho lá matando a saudade de tudo: afinal, um ano morando num lugar é alguma coisa. E você entra no site da sua escola e ouve num filminho o nome de um professor, ou vê alguém sentando numa cadeira onde você já sentou, e quer só ver essas pessoas. Ou entram no MSN o Dave e o Nick (aliás, entrem em nextblogs.blogspot.com), que já mal falam com você – porque, no fim, não tem nada pra dizer, vocês estão distantes demais.

Ou você percebe que SIM, aquele momento que você há tanto imagina e espera (e, é claro, pois você é panaca como eu, adia) fará muita diferença na sua vida, será uma libertação.

E você vê na tevê alguém chorando por ser você.

E você imagina participar de uma peça de teatro em que você é você numa versão reductio ad finem, tanto que nem é você mais, mas você chora terrivelmente assim que acaba de apresentar a peça que não apresentou. Depois daquele grito abissal.

Você vai viajar depois de amanhã. Uma semana que, com certeza – pois assim foi todo o resto da sua vida, pelo menos de três anos e meio pra cá –, você jogará fora, pela privada, dará a descarga (elétrica? Hidráulica? Mítica? Psicológica? Antropológica? Religiosa?).

E tem, é claro, aquelas músicas, aqueles livros, aqueles quadros, aqueles filmes, aquelas cenas que sempre te lembrarão de sensações indescritíveis. E não só a você, mas todos tem algo assim.

Sabe, a merda não é que a vida não tem sentido. A merda é que a minha vida não tem sentido ou propósito ou diferença ou prazer ou gosto. Não é descanço, não é férias, não é aproveitada, não é aprendizado, não é de passagem. Minha vida nem sequer existe, compre’nde?

Há cerca de três anos, percebi que havia morrido em julho de 2001. Até hoje não renasci. Estou num limbo intermediário no qual o tempo corre mais e mais lento, mas nada muda – ou seja, o tempo não passa. E o tempo, não-passando cada vez mais rápido, dói-dói, dói quando raspa na sua face como aquele vento frio dos recreios no Canadá.

Blá, daí mês passado eu vim resolver que talvez eu fosse mais vivo do que todos aqueles que me rodeavam, e por isso é que eu me acharia morto. Mas é bobagem. Estou morto, morto I says, e pronto. E pra nascer, vou precisar de uma puta duma força que eu não sei se algum dia terei.

Porque dentre aquelas coisas que você nunca sentiu antes, não está a vida. Você não lembra, ou não sabe mesmo (admitamos), como é viver, e não sabe se algum dia poderá atingir esse sacrossanto nível existencial reservado apenas para aqueles que o merecem. Aqueles que são “bons”. Não você, coitado, você não é bom ou mau, você já rejeitou esses dois conceitos então não pode ter a vida dos outros. Ha!, quem mandou ficar desinventando palavras e conceitos que nós há tanto tempo inventamos? Agora desinventou-se sua existência, e pronto, fim. Você, meu caro eu mesmo, se fudi.

Sabe, é verdade aquilo de as emoções serem intencionais. Eu livremente escolho estar triste, alegre, com medo, raivoso, eu posso controlar isso. Se você não pode, não tentou o suficiente, porque é muito fácil. O problema está que o motivo que nos faz escolher uma ou outra coisa não é nosso para decidir (=anglicismo..).
E se eu coloco aquela música agitada e alegre, e faço cara de alegre e saio dançando pela casa – como eu freqüentemente faço quando estou sozinho – eu posso me fazer ficar alegre.
Mas mesmo assim não vale a pena, não tem motivo de fazer isso. Eu não quero estar alegre o tempo todo.

Tudo o que eu quero é ser feliz, dá pra entender?

E não me importa se um padre diz que isso é o que uma pessoa egoísta diria. Eu, pelo menos, admito que sou egoísta. O que todo ser humano quer é ser feliz.

Não fujo disso porque sei que é somente daí que pode surgir qualquer ato “nobre”, “ético”, “altruísta”. Não fujo porque é essa minha condição. Sou umbiguista por natureza. Sem deixar ele me sugar, sou umbiguista SIM.

Ando por aí tentando me fazer feliz. Se falo com você, é parte dessa tentativa, mesmo que eu não esteja consciente disso.

Pra falar a verdade, é mais que isso. Nesse momento morto de minha “vida”, estou deixando que ele (meu umbigo) me sugue um pouquinho, sim. Eu me dei o direito de pensar mais em mim do que o senso comum e o bom senso consideram adequando. Me dei o direito de pensar em mim um pouco em detrimento dos outros. Porque sou eu quem faz isso. Sou eu quem pensa em mim. Sou eu quem se importa comigo. Não estou menosprezando meus colegas e co-“viv”entes, mas não basta. Eu sei que vocês estão por demais ocupados com outras coisas, eu sei que eu não tenho substância suficiente para ser importante. Então tenho de me importar comigo mesmo, entendem? Porque vocês tem outras coisas. Eu não.

Porque, às vezes, um ser humano só quer ser importante. Só quer ser a prioridade de alguém que também seja sua prioridade. É isso que eu quero. Só quero saber que eu existo. Como aquela mulher falou no programa da Cultura. A gente precisa saber que a gente existe. Que a gente está vivo. Ou estaremos mortos, como eu. Então é isso que eu quero: alguém pra me dizer que eu existo, estou vivo, sou capaz de existir viver amar ser feliz. Assim eu poderia escapar dessa melancolia/depressão (aquela mesma mulher dizia que eram coisas muito diferentes, mas eu pareço ter as duas mesmo...).

Preciso de uma energia térmica que me encha dessa consciência sublime do existir. Preciso da risada quente e elétrica que me cure, pelo menos um pouquinho, da doença. Porque morrer sem ser nunca ter sido feliz eu não posso aceitar. Nem que eu tenha de me mudar, de extinguir a essência própria do meu ser tristonho, e radicalizar, explodir, surpreender de maneiras positivas e negativas, não importa. Nem que eu tenha de ser mau. Nem que eu tenha de ser bom. Nem que eu tenha de beber, fumar, cheirar. Nem que eu tenha de me vender sem cobrar. Nem que eu tenha de mudar meus gostos. Nem que eu tenha de comprometer minha saúde. Nem que eu tenha de desenvolver anemia, bulimia, esquizofrenia, psicopatia. Nem que eu tenha de matar um a um todos estes que aí estão atravessando o meu caminho.

EU PASSARINHO.

Ah, eu passarinho.

Já fui eu.
Sou Eu.
Serei EU.

Passarinho.

Eles passarão. Juro, prometo, mato.

Para sentir aquela, singular, coisa que eu nunca senti antes, eu faço tudo. Se necessário, esqueço ética e laços de parentesco ou amizade. Pisotear-te-ei, se necessário, não se engane com minha carinha fofa. Ou com minha aparentemente inofensiva fachada de malvado. Para sentir aquela coisa que eu nunca senti antes, estou além de Nietzsche... Além Do Bem E Do Mal.

Tudo o que eu quero é ser feliz, dá pra entender?

1 Comentários:

Blogger Ozzer Seimsisk disse...

Sabe, Tu, você não me engana. Você não quer enganar. E talvez por isso tudo o que você diz parece ser uma estranha e constante surpresa, que de certa forma eu espero ouvir. Eu tenho medo de você quando você é cruel, e eu quero te pegar no colo quando você é bonzinho, e eu te amo te adoro o tempo todo apesar do medo, apesar

Apesar de 'as vezes achar que nenhum de nós te merece...

Sabe, por estranho que pareça, minha vida parece fazer menos sentido quando sou feliz, como agora. Eu me sinto vazia demais para conviver com vocês, literatos.

13/2/05 00:29  

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