20.1.05

“Todo ente nasce sem razão…”

Qual é, afinal, a possibilidade de achar razão por si só? Diz-me a minha própria Filosofia que é essa a única possibilidade de ter “o direito de existir”: encontrar, por si só, um sentido para a vida. Isso porque, como diz o texto em laranja acima, tirado do extraordinário romance de Jean-Paul Sartre, A Náusea, “todo ente nasce sem razão”. Porém, se isso é verdade, o quanto é válido e significativo qualquer sentido que se possa achar a posteriori?

As pessoas me dizem "por que precisa fazer sentido? A vida é bela, é boa de se viver, e isso basta!”
Basta?
Se afinal eu vou morrer? Toda a escuridão, os vazios infinitos do cosmos, as mágoas ilógicas de amores e ódios? Like everything else?

Não seria, então, nossa a escolha de viver mesmo sem um sentido: ela seria feita para nós por nosso ‘sangue’. Mas eventualmente as pessoas se matam. Então a escolha é possível, existe liberdade para decidir pelo caminho mais curto e direto. Existe outro caminho. Os suicidas tinham razão?

Existem duas possibilidades. Se sim, jamais saberemos. E não é dessas coisas “que jamais saberemos pois está além do limite da vida”. Nunca saberemos porque após a morte não há saber ou correção. Eles estavam certos apenas até o momento da morte: depois, eles não existiam para serem sujeitos de qualquer oração. Se não, por quê? Porque um ser maior – que não poderá, de qualquer jeito, ser um sentido para a existência, sendo ele próprio (hipoteticamente) um existente – nos fez? E daí?

(“O cocô da galinha é o pintinho”. Que bosta pode ser maior do que criar um ser vivente? Que ato mais egoísta e antiético que foder por cinco minutos, e nove meses depois jogar no mundo alguém que não tem direito nenhum de ser gente? Pra que ele também coma, ande, fale, leia, escreva, pense, crie, cague, fôda, se mate?)


“... prolonga-se por fraqueza...”

..........................................Morrer; dormir;
Só isso. E com o sono – dizem – extinguir
Dores do coração e as mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer – dormir –
Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
Os sonhos que hão de vir no sono da morte
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa.
Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,
A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,
A prepotência do marido, e o achincalhe
Que o mérito paciente recebe dos inúteis,
Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples punhal? Quem agüentaria fardos,
Gemendo e suando numa vida servil,
Senão porque o terror de alguma coisa após a morte –
O país não descoberto, de cujos confins
Jamais voltou nenhum viajante – nos confunde a vontade,
Nos faz preferir e suportar os males que já temos,
A fugirmos para outros de desconhecemos?
-- Shakespeare, Hamlet (Ato III, cena 1)


“... e morre por acaso.”

Tem de ser assim? Sendo toda a existência um grande acaso gerado por energias indefinidas se movimentando pelo universo e se combinando em explosões coloridas e quentes, pode a morte ter mais sentido do que todo o resto?

Martírio?

Suicídio?

Morrer pelo quê? Que valores nesse mundo são íntegros e fortes o suficiente para agüentar (e pedir) a morte de alguém? Quão forte se tem de ser, sendo a morte algo sem sentido e, portanto, sem peso para qualquer consciência?

Morrer para abrir os olhos da humanidade para a falta de sentido existencial é uma morte com sentido?

Não.

Mas é uma morte. Uma inexistência, finalmente. Um último suspiro – de alívio, dessa vez.

(Jean-Paul Sartre)
(só mais um morto.)

8 Comentários:

Blogger Artur disse...

Olhem! Eu me encaixo no perfil do "jovem que possivelmente está considerando o suicídio"!
Vou ficar famoso!


"É importante estar-se atento as manifestações do jovem que está considerando o suicídio. Ele pode insinuar que é um fardo para os demais e que em breve deixará prejudicar os outros. Pode referir que a vida não tem sentido de ser vivida e que a sua morte seria um alívio para todos."
"Os adolescentes que tentam suicídio sentem-se sós e desesperados. Desespero é o sentimento de urgência de que ocorram mudanças na vida somado à desesperança de que essas mudanças possam realmente ocorrer e à crença de que a vida é impossível se não acontecerem tais mudanças."
(Enio Resmini - "A Tentativa de Suicídio na Adolescência". In: Granã, R - "Técnicas Psicoterápicas na Adolescência")

20/1/05 01:55  
Blogger Pure disse...

Tur, eu discordo quando você diz que a morte é a única saída. Eu acho que a morte é a coroação, o ato mais sublime do ser humano. Na morte, você encontra o descanço, uma resolução, um fim para algo e (para os que acreditam) um novo começo mortal ou espiritual...

Para muitos, a morte é um incentivo a continuar lutando, a continuar vivendo por ser um de (se não o seu) maior medo. Para outros, a morte é encarada com naturalidade. Como dizem "a única coisa certa na vida, é que você vai morrer". Então por que ter medo? Será que vale tanto a pena ter medo da morte?

Não se deve ter medo da morte, os únicos que verdadeiramente sofrem com isso são os que continuam vivendo...

20/1/05 11:06  
Blogger Ozzer Seimsisk disse...

Hm,isso é curioso. "Toda pessoa saudável já pensou em se matar." Eu já pensei. Quão empolgante e divertido ou perigoso pode ser debravar um mundo inteiramente novo (a morte em si, para os que não acreditam)? Quanto a razão.. razão, razão, não sei! Estou aqui de férias. Toda a dor, toda a alegria,são como férias. Porque viajar? Para quebrar a monotonia! De onde vim eu então? De que me importa, se não vou voltar... Ou vou voltar..?

20/1/05 17:25  
Blogger Artur disse...

Pure: não se escolhe ter medo da morte ou não. O medo da morte é algo inerente ao ser humano, e alguém que diz não ter medo dela está - pode ter certeza - mentindo.
Eu disse que a morte é a única saída? Bem, sei lá.
Você diz que "Na morte, você encontra o descanço, uma resolução, um fim para algo e (para os que acreditam) um novo começo mortal ou espiritual...". Mas não, porque quando você morre você morreu! Então você não descança, pois não existe você pra descançar!
E eu não entendi quando você disse "continuar vivendo por ser um de (se não o seu) maior medo", acho que vc digitou algo errado ou eu tô com mto sono...
De qualquer jeito, la questión é que a morte é a única saída, porque enquanto continuarmos vivos, seremos seres livres e vazios e responsáveis.

Lobz: Eu coloquei essa citação (do Camus) no post? Ou vc lembrou ela do meu bloquinho? Ou vc só está falando ela porque combina?
E a razão importa, claro que importa. Porque se todo nosso sofrimento é inútil, então pra que sofrer? Existe uma saída mais rápida, se tudo acaba em nada. Em nome da praticidade, não deveriamos usá-la? (Duvido que os filósofos do pragmatismo tenham descrito o suicídio como atitude necessária =p).

Sabe, essas citações do Enio Resmini estavam num texto bem interessante que eu li. De certa forma, eu tenho sorte de [ainda] não ter me envolvido com drogas, álcool, toda essa merda. Não sei se eu ainda estaria aqui...

21/1/05 00:04  
Blogger Ozzer Seimsisk disse...

Que citações do Ennio Resmini?
Acho que eu lembrei a citação do Camus do seu bloquinho, mas coloquei aí porque era o que eu estava pensando.
Aco que eu não entendi. O motivo de quê importa? Realmente a vida não parece uma coisa muito prática, já que é impossível justificá-la. Afinal, a vida serve para quê? E mesmo que servisse para alguma coisa, para que esta outra coisa serviria? Isso não tem fim.
Tanto o fim quanto o infinito são invenções racionais para descrever algo absurdo. Um ser que não envelhece não compreende o significado da palavra "eternidade". Nem eu. Morrer, então, para quê?

Para alguns a morte parece pior que a vida.
Outros apenas têm medo dela.

21/1/05 12:13  
Blogger Ozzer Seimsisk disse...

Você teria medo de morrer se já tivesse morrido?
Se, depois da morte, tivesse chegado no inferno ou no paraíso?

21/1/05 12:14  
Blogger Artur disse...

Lobz: as citações do Enio Resmini estão no primeiro comentário para este post, no final...
não sei se eu teria. Depende: seria possível eu morrer de novo? Se não, então não.
Bem, importa a razão de estar aqui, o sentido da vida, importa sim.
Aliás, se você diz que a vida não tem sentido, logicamente você aceita que Deus não existe... mas mesmo Deus existindo não haveria razão possível.....

"Tanto o fim quanto o infinito são invenções racionais para descrever algo absurdo." São? Mas se são conceitos opostos e complementares, não tem um de ser o verdadeiro?

"Morrer, então, para quê?" Não entendi.

olha, 7 comentários! Isso deve ser um recorde aqui no pato! Que honra! Tudo isso por causa de um suicidiozinho à toa?

21/1/05 23:18  
Blogger Ozzer Seimsisk disse...

Tá bom, eu estou ficando confusa. De que citações você está falando?

13/2/05 00:17  

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