13.2.05

No fundo

Eu olho pra você sem a intenção de olhar, e sei do que você está falando apenas porque não parei de pensar nisso um segundo até agora, mesmo que não tivesse me dado conta.

Aí eu queria finjir que tudo está bem. Você até me convenceria que tudo está bem, você, que parece não estar bem nunca. Você que me fez perceber que o mundo é um lugar terrível. Mas lá seus olhos me fizeram tremer nas bases como se realmente assassinato terror sangue por todos os lados gotículas de sangue espalhadas por seu corpo pálidocomo um pedaço de queijo Minas e pela segunda ou terceira vez na vida senti medo de verdade, medo de que você abrisse uma bocarra enorme e nos engolisse vivos com suas mãos destroçadoras.

... ... ... Mas medo de você?

No fundo... o medo de que o impossível pudesse ser verdade. Chamei minha própria atenção porque por mais que sua voz fosse assustadora você nunca faria uma coisa dessas. Faria? Mesmo assim eu fiquei com medo. Depois lembrei daquele medo transparecendo em sua voz quando ele caiu. E da sua risada e de pegar você no colo. E daquelas tardes ensolaradas quando eu percebi que você já era mais que só um "amigo" e eu não sabia. Mas naquela hora.

Naquela hora eu senti medo.

Porque a realidade não fez nenhum acordo conosco.

Porque nada me garantia que você não podia se transformar no lobo mau, por mais que estivéssemos apenas brincando.

Porque as desgraças podem acontecer também na nossa vida...

Foi isso que eu pensei quando te vi caindo...

Me vi caindo, porque no fundo não tinha porque não cair. Estava quente, eu estava cansada e as mãos escorregavam com todo aquele suor. Mas mesmo assim eu podia ter me segurado.Eu podia ter descido, e não adianta dizer que eu era só uma criança. Eu saibia que estava caindo e que era só fazer mais força para não cair, mas no fundo parecia um esforço grande demais que não valia a pena, até que me convenci de que eu não tinha mais forças. E deixei minha mão se soltar.

Uma mão. A outra depois.
Olhei para o chão e pensei que talvez se caísse de peito o impacto forte ia fazer meu coração parar e eu ia ficar sem ar. E ia morrer, como todas aquelas pessoas que morrem todos os dias.

Não foi medo. Foi mais uma constatação.

Acho que quando se é criança morrer não parece uma opção. A gente não pode morrer, simplesmente não pode nãopode. Proibido. Ponto.

Sabia que eu não podia morrer mas se quebrasse o braço direito não ia poder escrever quando entrasse na escola. Então coloquei o braço eequerdo na frente do peito e jogueii o outro meio pra trás, defensiva. A partir daí a queda veio muito rápido. E doeu. Doeu pra caramba, mas eu não me levantei como se fosse a coisa mais natural de mundo, e me sentei num banco meio segurando o braço porque nunca tinha doído tanto e eu meio que sabia que qualquer coisa estava errada.

Depois me disseram que se eu tivesse aberto os braços não teria acontecido nada.

Mas acho que se eu caísse de novo ia fazer a mesma coisa.

Porque eu não me importo em quebrar o braço.
Até gosto disso,
dói um bocado mas a gente se vê numa série de condições impensáveis

aquela coisa toda amarela, cheirando mal, pózenta, e dóia bastante quando mexia um poucom sem querer

Ou até por querer.

Sentei no banco o joelho encharcado mas fiquei observando as gotas vermelhas descendo até a meia porque foi a coisa mais interessante no meu dia.

Mas ainda assim pensei no menino, coitado, e no pai do menino com aquele olhar furioso.



Tédio.
Sem ter pelo que lutar a vida fica insípida. Uma lição de casa parece motivo para se jogar da janela. Na verdade, qualquer motivo é bom o suficiente para se tacar da janela. Só pra sentir a dor da queda lá embaixo, quiçá ficar hospitalizado. Brigar com um urso, se tacar da cachoeira. Fugir de casa e ir viver num lugar nenhum, aliás, morrer, porque viver no fundo eu só acho que sei. Eu sei, eu sei.: eu faria tudo outra vez. Quebraria os dois braços de novo, sairia do jogo de basquete porque na segunda bolada no dedão machucado há meses tornou a dor de repente insuportável. Bateria a cara na árvore. Cairia de cima da árvore. Rolaria pela pedra do rio. Comeria areia, comeria o peixe fresco, comeria o verme vivo que se remexe na minha boca comoum vermezinho que não tem culpa de nada e vai morrer talvez somente porque inocente e branquinho daquele jeito parece extremamente apetitoso. Levaria a frisbada na cara e reclamaria da dor. Tentaria fugir de casa e daria a volta no quarteirão. Representaria a Julieta. Brigaria com a professora. Choraria na aula. Me apaixonaria. Ou não. Não sei. Dançaria e quereria dançar para sempre de novo, e teria medo de que ele me visse de novo. Odiaria quem eu amo outra vez, e beijaria sua boca com gosto de sangue simplesmente porque era preciso.

Erraria conjugações verbais.

Não é como se a vida fosse uma grande aventura, de qualquer forma... Tudo parece tão bobo e feliz hoje em dia.
Houve um tempo em que eu achava que poderia escrever um livro baseado em minha vida, mas agora não. Estou feliz demais para essas coisas profundas. Destruí meu mundo e o reconstruí. Um ponto não tem significância, por mais abrangente que seja.


O pato está na ratoeira.


Até escrever parece maçante.

Eu sinto falta de viver meio à beira da morte... (mesmo que no fundo minha mãe nunca tenha me deicado me machucar muito).

Acho que, no fim, as pessoas se acostumaram a me chamar de poeta e de Clarisse, mas são sempre as outras pessoas queredigem boas idéias

Eu devia parar de escrever palavras tão profundamente inodoras.

Tédio.






Vazio.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Ugh

13/2/05 13:49  
Blogger Artur disse...

Hey, Ladybug! Don't cry for me, Argentina.

E não se esqueça de continuar parecendo uma Falsa Tartaruga quando põe os óculos do Yuri.

E não se esqueça de continuar parecendo uma Falsa Tartaruga quando faz assim assim, sabe?

E não se esqueça de chorar. Ou melhor, de chorar. Não chorar?

16/2/05 14:25  

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