31.12.04

Estou aqui sozinho. Vocês estão viajando. Todos os outros também. E se não estão, estão longe de qualquer jeito.
Sabe, parece que o dia 31 de dezembro foi feito para que eu pudesse odiá-lo.
Ah, sinto tantas saudades! Vocês vão me achar sem coração, mas isso me surpreende. Não sabia que podia sentir saudades de alguém. A última vez que senti saudades faz tanto tempo! Anos!
Revi hoje o que havia escrito no dia primeiro de janeiro deste ano que agora acaba. Tudo merda. A mesma merda que escrevo aqui hoje. Oh, well.
Saudades, já há alguns dias. Passo minhas noites sozinho em meu quarto, e para me distrair da minha total solidão eu faço coisas: escrevo no bloquinho2 (está quase acabando....), arrumo meu armário, minhas gavetas...
Pois é, não vou fazer uma emocionada retrospectiva de doismilequatro. Para lembrar das coisas boas, teria que lembrar das ruins, que superam em muito as outras. E quero por um tempinho pelo menos - afinal, é ano novo!... - esquecer da total ausência de sentido de tudo isso. De como tudo é em vão...
doismilecinco, não é? Virá: aprofundamentos, vestibular, formatura... medo, puta merda que medo.
Parece que a única parte de mim que se desenvolve é minha capacidade de sentir medo. Medo da morte, medo da vida, medo da mudança, medo da constância, medo dos pontos cardeais, medo da Flôr, medo das pessoas que mais gosto. Medo de vocês (2).
Amanhã, esse blog faz 6 meses. Esse, sim, foi um fator precioso em 2004. Para extravasar, desabafar, gritar, uivar, latir. E às vezes intensificar o que precisa ser extravasado desabafado gritado uivado latido. 6 meses da ratoeira azul rotatória. Le monde, Il est bleu! Il est rouge; et Il est noir.
Quem sabe você¹ estará mergulhando no mar à meia noite. Quem sabe você² estará mergulhando na piscina. Acompanho-vos, mergulho no nada, mergulho para fora da janela, mergulho em minha dor e em meu vazio, mergulho em meus desejos reprimidos, mergulho na própria repressão, na opressão. Mergulho no medo. Mergulho na incerteza e na cruel certeza, mergulho numa vida morta, mergulho no não-ser, mergulho no sofrer na alma pedras e setas de um destino ultrajante!, mergulho na escuridão do palco (desaparecendo, sumindo como quem morre), mergulho no dilúvio (vocês, que dele emergirão, pensem - quando falarem de nossas fraquezas - também nos tempos negros de que escaparam. Ah, e nós!, que queriamos fecundar o chão para o amor, não pudemos nós mesmos nos amar. Mas vocês, quando chegar o momento do homem ser parceiro do homem, pensem em nós com simpatia), mergulho numa tsunami mortal que me levará para a infinitude do fundo-do-mar (maior do que a do próprio mar). Mergulho no magma sob a litosfera, mergulho na lava de um Monte Fuji vermelho, mergulho no álcool e nas drogas, mergulho nos sonhos, mergulho nos pesadelos de uma mente perturbada, mergulho na paranóia, na esquizofrenia, na anti-socialidade, no narcisismo, na baixa auto-estima, na carência e no carinho, na agressividade, na dependência, no segredo, na máscara (nas duas, a da Classe e a do Romeu e Julieta), mergulho na obsessão, na compulsão. Mergulho no assassínio e no suicídio, em fobias e manias várias. Mergulho no útero da terra, túmulo da terra. Mergulho na injustiça e na exploração, na hipocrisia e na incapacidade de agir, no conformismo de tantos estalajadeiros e ministros. Mergulho na existência cinzenta e sem sentido, num mundo abandonado por Deus, mergulho no meu ego e num nirvana sem indivíduos.

Feliz Medo Novo.

29.12.04

Este mundo de orvalho

Forcei-me a acordar mais cedo pra vir falar o Sônho.

Aquela elevação onde estávamos deitados era como a plantação onde os pessegueiros de Kurosawa dançavam para o menino...
deitados nos diversos níveis da elevação, dois a dois - mas cada um mas perto dos que lhe estavam acima e abaixo do que de quem encontrava-se-lhe pé com pé.
Era coberta de grama rala...
...e verde clarinha.... a elevação.
Ríamos, como sempre,

era como eu rio na vida real: o Sônho era verdadeiramente sonho, tinha suas manifestações inconscientes ilógicas de sempre. Mas era como eu rio na vida real!...

Chega alguém no topo da elevação. Faz-nos perguntas, esse novo garoto.
Nós respondemos, explicitando a dinâmica de nossas relações
como pessegueiros, como pessegueiros!...
E então, enquanto com o dedo eu escrevia na grama
- pois eu podia fazê-lo, felizmente -
acordo pela segunda vez.

Acabo de perceber que não posso falar o Sônho.
Quero-- quero gritá-lo, mas nem posso proferi-lo com o mais suave suspiro.
Suspiro (agora verbo na primeira pessoa do singular, no presente do indicativo).
Acordei só para falá-lô. Porque não podia permanecer indito. Não pode, mas deve, temque, vai--
Porque...
....porque estou sendo lido por talvez pais talvez pais de amigos talvez amigos
talvez colegas talvez desconhecidos. ....Porque estou sendo lido - ponto.
....porque o mundo não é tão simples como o Sônho, ao contrário de todos os outros sonhos, era.

Simples porque
Eu realmente fui ingênuo a ponto de acreditar que tudo,
toda a confusão, a bagunça,
a dor de cabeça, a falta de nitidez,
pudessem se desembaraçar num barbante liso,
pudessem acabar num beijo.

....por isso. Porque como o sonho foi Sônho, esse beijo foi o Bêijo.

Não um longo beijo de língua que une duas almas,
não um beijo longo de Hollywood ou de novela,
nem mesmo um beijo apaixonado, enamorado.
Foi um beijo sem paixão ou amor
mas de um crescente gostar. Havia esquecido a simplicidade do 'gostar'.
Um beijo simples, só dois lábios envergonhados e comprimidos
se apertando enquanto as mãos ficam sem saber o que fazer.

Não me surpreende que tal sonho tenha me vindo justamente essa noite. noite que não era Nôite, que não era.
Quando minhas esperanças vão se esfiapando, e só um frágil fiapo de neve me segura nesse corpo amortecido (a..morte..cido, mortificado...). Quando eu falo pra mim - sem produzir som algum - tudo o que me envergonha na minha existência: que nada vale a pena.
Antes desse Sônho, eu me perguntava se a felicidade era possível, Realmente. Se 'o ser humano morre e não é feliz'.

Mas era possível, o tal ser feliz! Depois de só esse beijo
(e alguns outros ao longo do Sônho,
poucos e separados e singelos como o 1°,
só pra ter certeza), a totalidade das coisas começou
a mover-se como engrenagens, num mecanicismo místico, holístico.
O beijo: motor imóvel.
reproduzível,
carnal, profano.

Era possível e é. Acredito nisso, ainda mais depois dess'o Sônho.
Mas isso não é uma mensagem de esperança,
otimismo. Jamais, pois esses dois substantivos me repugnam (e vice-versa, talvez).
É possível, mas nada aqui me garante que ele chegará, o tal ser feliz,
que minha espera(nça) não vai me afundar cada vez mais na direção que lhe é oposta a si.
É o que ela(nça) tem feito até hoje... n'est pas?

Estávamos tão movidos, nós dois, que mal nos encontrávamos
dentre nosso ansioso caminhar de um lado para o outro de onde quer que estivéssemos
(não mais uma elevação
verde de pessegueiros,
mas uma casa - a de minha vó,
mas também a da outra pessoa
que compunha 'nós dois'),
e era nesses raros encontros que lembrávamos
o Bêijo, concretizando-o repetidamente.

"A outra pessoa que compunha 'nós dois'". Que ela não é, em verdade, tal outra (...).
Não a amo. Não estou por ela apaixonado. Esse ser humano
que eu até mal conheço (quem eu conheço, afinal?): mas para ele
nunca mais poderei
olhar(?) sem
lembrar que no Sônho, o Sônho,
era ele tal outra.
[concordância.]

Fazíamos planos.
Ou Taloutra fazia, tão
embebido e bêbedo estava enh' O Bêijo.

Combinamos ficar juntos,
namorar (quem sabe até,
um dia talvez,
amar, se apaixonar...),
combinamos um jantar - não sozinhos, mas
com um pai (não o meu)
para comemorar.

Comemorar o quê? Não, não o Bêijo: pois ele só o fora para nós.
Comemorar que pudéramos falar o Bêijo.
Entendem agora
porque
não comemoro?
não há otimismo
ou esperança?
Precisava falar o Sônho.

E quando vi os dois (esses dois, ao contrario do ser humano
de que antes falei e talvez ainda venha a falar
- não sei,
o sonho vem chegando ao fim -,
posso nomear:), a Marina e o Yuri,
pude apenas pegá-los pela mão e,
na sala vazia,
dançar pular
chorando de alegria.
Não digo de felicidade porque, mesmo possível, ela era apenas
uma possibilidade,
mas uma possibilidade certa.
Decorreria da alegria, certamente.

Não me lembro se os dois entenderam o que eu queria lhes uivar. Mas eles pularam e dançaram comigo, e riram enquanto eu chorava.
de alegria...
Apesar de tudo, queria dizer
que gostei de dividir em sonho esse momento com vocês dois.
Vocês dois
são quem lê-me (qualquer trocadilho,
aviso, terá sido intencional nesse momento) aqui,
mesmo que mais pessoas leiam o que escrevo na grande ratoeira azul,
é para vocês dois que eu escrevo todos os meus posts.
E não, não, não, não sei porquê o faço assim.

Simplicidade

nove e vinte da manhã

alegria

quarta feira, dia vinte

o Bêijo...

e nove de dezembro

... sem paixão ou amor...

a luz entrando pelas frestas

... apenas de um crescente gostar...

meu pulso direito doendo

... só dois lábios envergonhados e...

minha respiração próxima ao

... comprimidos...

travesseiro

... fazíamos planos...

a respiração

... planos...

o ar entrando e saindo, a trajetória do ar

... alguns outros, só pra ter certeza...

o calor do cobertor

... motor imóvel e profano...

e o frio de sua ausência

... pelas mãos,...

quentes, elas, as mãos

... o Yuri e a Marina...

não estão aqui, os dois

... pulando, dançando...

meu corpo parado,

... e eu chorando de alegria...

deitado no colchão.

... de alegria. Não digo
de felicidade.

Não, com certeza vocês não sabem a dor que foi
o meu acordar.
E agora, pela terceira vez (a segunda foi o segundo acordar,
lá em cima em negrito, do perceber que o Sônho
não seria VERDADEIRAMENTE contado; a primeira
foi deste primeiro acordar) eu choro, c..o..n..c..r..e..t..a....e....r..e..a..l..m..e..n..t..e.. .
Mas antes de chorar
por ter acordado,
eu gritei.
Primeiro sem voz,
minhas cordas vocais apenas acordando,
mas depois, crescent
emente, com um som alto e nada firme
da voz que se levanta após horas dormindo,
eu gritei "não".
"não". não. não
não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não
não! NÃO NÃO NÃO
NÃO! NÃo! Não! não! não....
nãummm.... nãããnn....... nãñ.... nã.....
nnn...
nnn.

Gritei tantas vezes e tão alto que
se alguém estivesse em casa, mesmo que do outro
lado do apartamento, teria escutado
e talvez pensado 'que eu estava dormindo'
ou 'que eu estava, finalmente (pois já era esperado),
ficando louco'.

E quando o Grito-Não silenciou,
aí sim eu chorei.
Não, nenhuma lágrima: elas só começariam no segundo choro, aumentando
e tornando-se mais ardentes no terceiro.
Mas meus olhos estavam cheios d'água e
meu inspirar e respirar fundos
já eram um choro.
E não faltavam os soluços e os gemidos
os soluços e os gemidos
os gemidos
gemidos
gemidos.

Dicen que por las noches,/ no más se le iba en puro tomar,/ Dicen que no dormía,/ no más se le iba en puro llorar./ Juran que el mismo cielo se estremecía al oir su llanto./ Cómo sufrió por ella/ que hasta en su muerte la fue llamando.

De certa forma, esse post é diferente dos outros dessa enorme ratoeira azul-marinho e rotatória.

Cucurrucucú, cantaba,/ cucurrucucú, gemía,/ cucurrucucú, lloraba,/ de pasión mortal moría.//
Que una paloma triste/ muy de mañana, le va a cantar,/ a la casita sola, con sus puertitas, de par en par./ Juran que esa paloma/ no es otra cosa más que su alma,/ que todavía le espera/ a que regrese la desdichada.

Quem sabe um dia ainda eu possa lhes falar o Sônho, VERDADEIRAMENTE.
Pra falar a verdade, não sei o que mais poderia lhes dizer. Talvez tudo o que eu pudesse fazer fosse repetir o que aqui disse - talvez mesmo lendo-o, já que esse 'quem sabe um dia' não deve chegar tão cedo, não acho que chegará tão cedo. Mas haverá um nome. Um nome desimportante na realidade, de verdade, que eu não amo e pelo qual não sinto paixão, na realidade, na realidade.
Pois esse nome é só mais uma gota incolor insípida inodora como as outras,
no entanto, no entanto...
...enh' O Sônho, no entanto...

Cucurrucucú, paloma,/ cucurrucucú, no llores,/ las piedras jamás, paloma,/ que van a saber de amores./ Cucurrucucú, cucurrucucú, cucurrucucú,/ paloma, ya no le llores.

mas não por escrito, mas falado, na frente de vocês (que estarão juntos, lado a lado).

Quem sabe um dia ainda pularemos e dançaremos,
e vocês rirão enquanto eu choro...de alegria.

Pois se não há otimismo,
há - suspiro! - aquele fiapo frágil de esperança
que prende a esse corpo mortal minha alma mortal,
há aquele(...) enquanto eu não pular pela janela,
há aquele enquanto eu levantar de manhã após gritar todos os NÃO
e há aquele enquanto eu sair de casa e ir ver vocês
e há aquele enquanto eu ver quem mais quiser ser visto,

VERDADEIRAMENTE.

24.12.04

Carta a quem quiser lê-la

Carta ao Papai Noel

Querido Papai Noel,

É noite de Natal. Você agora deve estar voando por aí com seu treno e suas renas de narizes vermelhos. Você está voando por aí e vendo a ingenuidade humana, pois foi o homem quem disse que você passeava por aí num trenó e renas vermelhas levando presentes às crianças, a todas as crianças do mundo. No entanto você voa passeia por aí porque nós achamos que você faz isso (Claro que não. Não achamos não. Os pais das criancinhas ainda compram os presentes delas, ou não compram e falam que você está mal da grana, que teve que comprar feijão e faltou dinheiro; e então a criança fica com raiva de si mesma (porque não vai ficar com raiva de você, você é bom e justo, se não comprou presente, se não teve dinheiro pra comprar presente é porque ele fez algo errado e a culpa é dele dele e só dele) e vai ficar chorando num canto pensando se não ganhou presente por causa do biscoito que pegou sem a permissão da mãe naquela tarde que estava morrendo de vontade de comer biscoito; ele sabia que a mãe não deixou, mas estava com tanta vontade de biscoito... além do mais, ele só pegou uns cinco ou seis, mas é que ele estava com tanta vontade de biscoito. E daqui a pouco alguma criança vai escutar alguém deixando um presente ao pé da árvore e vai sair correndo tentando ver você, sem saber que provavelmente você mesmo estará vendo ela e o tio dela que que entrou devagarinho na sala, deixou o presente embaixo da árvore e fez um barulhinho pra criança ouvir e sair correndo, enquanto ele sai, dá a volta e entra por onde a criança entrou e consolá-a por não ter visto Papai Noel, quem sabe no ano que vem? Enquanto isso aquele primo chato que não faz isso por ser chato mas por ter chorado muito no ano anterior quando viu o pai fantasiado de Papai Noel pondo presente embaixo da árvore conta (como quem sabe tudo) que Papai Noel não existe e a criança é boba de acreditar nessas coisas. Ele mesmo queria poder acreditar em você, mas sofreu muito da última vez, não quer correr o risco de sofrer de novo. Mas também tem aquele outro que acredita em você embora saiba que você não existe. (Que coisa! Mas é claro que você existe! Se não, para quem seria esta carta?) No entanto você está aí, onisciente observando todos fingirem ser você e se divertindo porque as pessoas parecem mais contentes durante o Natal. Eu mesmo, meu Velho, hoje saí por aí com um chapéu como o seu e assoviando músicas de Natal, tranqüilo pelas ruas porque eu não corro perigo durante o Natal. As pessoas parecem boazinhas, querem se redimir de tudo que fizeram durante todo o ano. "Para ganhar presente do Papai Noel eu tenho que
ser bom ou ele se contenta se eu apenas fizer o bem? E supondo que ele se contente se eu fizer o bem, quão bem eu tenho que agir? Muito bem ou só bastante bem?" E têm todos aqueles outros nos shoppings da vida que se vestem como você (há! Você só olhando... Há há!!) e distribuem balinha e vêem as crianças chegarem a eles assustadas, emocionadas, curiosas. Os duendes ajudantes do Papai Noel agora se transformaram em lindas (horrorosas) garotas siliconadas com um decote maior que a sua barba. E dão balinhas às crianças. E as crianças pedem videogames de última geração, bonecas que fazem xixi, carros superpotentes, robôs controlados por controle remoto que tem um alcance de cinqüenta jardas o que quer que isso signifique em língua de gente. E outras crianças maiores de idade que vão pedir pontos extras nos vestibulares e, se deus quiser, um aplicador da prova cego e surdo. Ou crianças mais velhas que aqules Papais Noeis mesmos (porque, me perdoe a indiscrição, mais velho que você não há.) pedindo assim, quem sabe, um pedido de jantar depois do expediente. Mas agora você pergunta o que eu quero de Natal. Eu sei que não devo pedir para voar, ou para que o mundo viva em paz. E não que eu seja mal-agradecido, meu amigo. Mas pode deixar que nós mesmos fazemos os nossos próprios presentes. Mas não vou pedir nada não. A sua presença já é bastante importante. Não vou pedir nada. Ganhar tudo assim, de graça, também não tem graça... Sabe, agora estou com pena do menininho... Ele estava morrendo de vontade de comer biscoito. Ele não desobedeceu a mãe por mal. E você, mais do que eu mesmo, sabe como é gostoso um biscoito quando a gente está com vontade de comer biscoito. E tem também aquele outro garoto que roubou uma maçã na quitanda. E aí o problema é mais grave; um breve estudo sociológico permite redimir de culpa esse garoto, que, além de estar morrendo de fome, estava morrendo de vontade de comer maçã. Deixem ele comer maçã, pombas! Estou com saudades de você Papai Noel. Mas é realmente interessante como todos acham que você não existe, não? E criam um outro você que existe pras crianças... Ai ai... é realmente interessante, não. Pàzzos! E esse negócio de dizer que você mora no Pólo Norte, hã? Bobagem! Eles amam aquele Papai Noel (que nem é tão bom assim) que mora no Pólo Norte, mas não fazem idéia da sua existência, o verdadeiro Papai Noel! Cabra da peste! Caipira! Pouca gente conhece você, hein? Aliás, que andam fazendo Lampião e Maria? Saudade de paulista... E quando você esteve aqui em casa e o vaga-lume, pousando no seu ombro, disse "Feliz Natal, meu bom amigo!". A sua cara foi linda. Nordestino emocionado é assim mesmo, hã? Isso aí, meu amigo. O Papai Noel em quem os pais fazem os filhos acreditar são um eufemismo hiperbolizado de você. Há! É isso aí. É isso aí. Cuide dos jegues-renas direito, hã? Abração! Nos vemos por aí, meu velho! Ôpa! Olha a gramática! Vemo-nos. Agora sim! Há! Até o próximo Natal. Um abraço cheio de saudades!

19.12.04

Estou Só

Saíram da casa todos, agora só o silêncio reverberando em cada uma das paredes reverberantes e silenciosas. Cada quadro respira aspirando a uma nova condição, a de Ser sem razão de ser. Seu significado é nulo, sua significância é nenhuma. Os porta retratos esperam que seu vidro rache e o pó sólido e minúsculo viaje com o vento para todas as direções. Mas nem um movimento quebra o silêncio ansioso da casa vazia. Todos partiram, e os móveis inquietos não se movem, esperando que alguma coisa importante aconteça. Mas nada acontecerá, por dias e dias e dias. Mesmo se quisessem, não seriam capazes de se mover. Lá fora, um cachorro uiva.

Lá fora, nada tem fim. O "Fim" não existe. Nada existe. A vida é imensa como o mar, e incognoscível como o mar. Quem seria capaz de compreender a existência do mar, em toda sua grandeza? O mar real, de verdade, não a representação dele que se tem em mente. Não o que se acha que se sabe. O estranho embrulho no peito, a sensação de grandeza além do abraçável. O mar é grande demais. A vida é grande demais. A vida não tem explicação. A vida não se explica pela física, pela filosofia, pela psicologia, pela biologia. É apenas descrita ou interpretada, mesmo que porcamente. Mas não explicada. A vida não se explica na alegria de um sorriso, no calor extravasado dos abraços ou na brancura vazia caótica dos carinhos. A vida não cabe em metáforas, em metonímias. A vida nos consome, nos liberta. A vida vive, respira. Pode o amor explicar a vida? Não -- porque a vida, como a essência inexpressiva de deuses e demônios mortos, não se faz somente de amor. A vida preenche-se de vazios e se aterroriza com a possibilidade do concreto inprescindível. A vida é um paradoxo completo sem perfeições.
Pode a música explicar a vida? Ora pode a música explicar a música? Pode a arte, explodindo em sua significância errada em milhares de possibilidades inventadas, reduzir-se à verdade e à inconstância deste mundo imenso? A existência não cabe na bienal. Doe sua essência para um bloquinho. A morte é apenas uma possibilidade. Nada pode ser provado impossível. Mas a música não cabe num quadro. Não cabem as artes em seus respectivos invólucros inválidos! A verdadeira arte extravasa solitária e viva por entre os corações dos homens, ou em última análise suas barrigas. A dança é uma arte, mesmo uma dança herege, a uma música inapreciável. A dança como uma forma de morrer antes de amanhã. Pois a música é som, é luz, é cor e movimento; é cheiro no despertar das lembranças e das sensações estranhas; é o sentimento completo a completar o instante, é o transcender em forma de notas fora de escala, é o tthramnsd. A música não é explicável.

Nada importa.
O fim não existe de verdade. Também o infinito é uma invenção.
"Para sempre" e "nunca mais" não fazem sentido aos ouvidos dos deuses, quanto mais aos dos homens. Piruá de gente... A morte como apenas uma outra chence de viver a vida. Depois do fim, a morte, e nesse corpo a vida seria uma ilusão: física sim, mas não a sensação de que ainda existe. A sensação oca de que tudo acabou, quando acaba. Mas nunca acaba. Tudo se transforma, lenta e dolorosamente, até que nossos fôlegos acabem ao mesmo tempo. Nada dura para sempre. Nada deixa de existir. Onze dimensões. Apenas onze...

(não aguento mais)

Eu sou só
Estou só
Só serei seu se for só
Eu sou só

10.12.04

Francisco

Eu perdi.
Perdi o que escrevera.
Perdi tentando não perder.
Perdi tentando salvar.
Perdi.
Vou escrever.
Tudo de novo.
Tudo de novo.
Eu preciso

Chegamos quase ao mesmo tempo. Nós um pouco à frente. Ele velho quase morto. Olho-o com interesse. O homenzinho vermelho do outro lado.
- Você me empresta essa mochilha pra eu ira pra escola?
Meu irmão olha para ele. Morrendo de medo. Medo, medo, apavorado. Será? Ou eu.
Pessoas do outro lado. Apressado, nada, tarado, idiota, simpático. Uma com o seu guardachuva. O outro olhando para uma senhora bidimensional sem roupas na banca de jornais ao lado.
A voz era velha. Rouca. Rouquidão pelo não-uso. Voz flácida, silenciosa, ruidosa, áspera e fluida. Ele era flácido.
Olhei para ele. Sorri. Sorri para mim mas também sorri para que ele me visse sorrindo. Ele me viu. Ele me viu porque exagerei. Ele me viu, mas exagerei.
A voz. A voz era nua. Completamente exposta,
nua.
Nua, exposta, esperando aplausos ou vaias. Saia porque tinha de sair. Tinha de sair. Tinha de sair. Tinha. Tinha. Nem que hovessem vaias. Que houvessem vaias! A voz, o som, a arte. Nus. Nus. Têm que sair.
Têm.
- Qual é o seu nome?

A senhora bidimensional sem roupas com cara de quem não sabe o que é sexo.
O homenzinho piscava.
Não era vermelho. Nem piscava.
Mas era um pouco vermelho. Mas piscava um pouco.
O velho com roupas velhas, mortas. Seríam mortas se houvessem sido vivas. Mofadas.
Mas isso não quereria dizer vida? Mofo vida vida mofo.
Um colete, uma calça, sapatos. O cabelo precisamente penteado. Não naturalmente penteado. O natural é a espiral, não o círculo. As cores das roupas, flácidas, ambas, as cores e as roupas.
Ele era magro. Não comia? Comia. Era barrigudo. Flácido e magro. Magro e flácido.
Seu crânia aparecia por detrás da pele. A pele tingida pelos ossos. A pele grudada; como um beijo eterno, inseparável, irreparável. Na pele o sangue ainda passava, forte, teimoso, frágil.
- Gabriel.
Meu irmão, cinco anos e dez meses, com vergonha, ou com receio, olhou para o chão. Disse baixinho, para baixo. Eu abri a boca. Ia repetir o nome. Medo de que o velho não tivesse ouvido. Mas ele ouviu.
- Bonito nome. Sabe qual é o meu nome?
Eu ficaria adivinhando por horas. Eu fiquei pensando por horas naqueles poucos segundos. Naqueles poucos segundos. Qual o nome dele? Quem era ele? Um soldado que foi expulso por discordar com o superior? Seria um sujeito que discordava com ou que discordava de? Teria sido preso? Viúvo? Da mulher, das crianças, da vida? Seria um morto? Doente? Feliz? Quem era ele?
Ele estava se perguntando. Ele precisava saber. Quem era ele? Ele precisava. Precisava. Precisava de um verbo ser.
Não nos deu tempo para adivinhar.
- Eu sou o Francisco.
Sim. Ele era. Verbo intransitivo. Ele era! Francisco...
O Homenzinho vermelho sumiu. Outro verde não verde surgiu logo abaixo. Tamém piscava não piscava. Seu velho! Lindo.
Eu te amo.
Queria então beijá-lo. Abraçá-lo. Eu amo. Você é. Você é.
Sorri para ele. Para mim.
Ele viu e eu não exagerei. Ele viu.
Ele sorriu.
Começamos a andar. Nós mais rápido que ele. Ele foi ficando para trás. Ele e suas roupas vivas e sua voz flácida e seu sangue. Quase morto.
- Tchau, Francisco.
Adeus,
Francisco.

Adeus.

8.12.04

Odeio c/o o fundo azul-marinho deste blog faz c/ q eu tenha de ver meu reflexo na tela do computador enqto leio o q 1 dia escrevi/pensei/vomitei

Afinal, o quê?
Foda-se.

Em meus sonhos de hoje, vi uma peça que não existe, e eu era ator e tinha apenas uma fala. Mas essa fala era como a onda daquele quadro japonês que tem na minha caixa de papelão...

...e eu não conseguia decorar porque não se pode decorar uma onda. Mas cada vez que eu a lia, mesmo me sentindo impotente e desesperado, eu sentia que já podia morrer.
Eram versos. Talvez nisso esteja todo o poder da fala: os versos parecem transpirar, respirar, suspirar, explodir.

A definição de 'felici//' sempre foi uma enorme questão.
Se a felicidade pudesse se expressar (e ela pode), ela se definiria como "canalhice involuntária". Sirene: há um emissor e um receptor que a vivenciam profundamente, e nessa vivência encontram um prazer ao mesmo tempo carnal e sagrado. Para os outros 5.999.999.998 entes terrestres, é só barulho, ruído, loucura, poluição sonora e visual.
Há uma profunda identificação de "felici//" com o amor. Por isso mesmo, foda-se.

Se eu fosse escrever um daqueles livros estranhos e pentelhos de aforismos ou meditações ou máximas ou whatever, acho que a cada linha haveria um "foda-se". O "foda-se" desenvolveu-se na minha escrita, mas pouco a pouco contaminou minha fala. Está entendido. Fôda.
e teria que colocar 3 (três) asteriscos entre os aforismos, para que o livro tivesse mais páginas.

Os sonhos foram um dia meu país de exílio (voz de amilla - sim, sem a letra inicial -, chorosa, só que mais grave e jedi-like: Ninguém lembra que eu existo, ninguém pensa em mim). Hoje, eles me perseguem. Meu inconsciente coloca uma faca de pão (ou mão?) no meu pescoço, aproxima sua face imaterial, sombria, invisível, fria, sufocante, altiva, gulosa, morta, lasciva, ligeiramente roxa, lisa, bela, macia, agora eu percebi que até rimou um pouco:
sua face imaterial, sombria,
invisível, fria,
(bela, macia,)
sufocante, altiva,
gulosa, morta, lasciva,
ligeiramente roxa, lisa, ances...........
...ancestral, infantil, sanguinolenta, perfeita, sádica, masoquista, medonha, tranqüilizadora, inocente, culpada(?: apagam-se as luzes, blecaute total, risadas, aplausos, mas não acabou), urbana, lunar, nublada, fina, translúcida, universal
da minha [aproxima sua face (...) da minha] e me beija, sua saliva entra no meu corpo na forma de pesadelos insanos e perturbadores.
A faca? Fica lá mesmo quando estou acordado, sinto-a quando engulo saliva (minha ou dele?) e meu pomo-d'Adama se locomove amedrontado, fica lá para que eu não possa fazer movimentos bruscos.

Pintar copos. Ontem, claro, desejei sim, de verdade. Agora, não vejo a tinta vermelha sobre a superfície transparente, mas apenas esta estilhaçando no chão, formando pontas que se movem em direção aos meus pés e lá se fincam por si próprias. A tinta vermelha sobre a superfície transparente. Pigmento. Cacos de vidro num jardim molhado: brilham na chuva. Não é só pisar, deve-se deitar sobre eles e deixar o corpo inteiro purificar-se, é o que Deus quer, o Senhor pede que se derrame nosso sangue na Terra, para que nossa alma suba a Ele, Ah!, Senhor, abraça meu corpo livre do sangue impuro e segura em sua mão infinita minha cabeça pesada! Quando acordar, será tarde demais. Sentirá(sentirei) a matéria intrusa em meu couro cabeludo - meu cabelo empapado de mim mesmo - na minha nuca, nas minhas costas nuas, na base de minha coluna - aqui deverá enfiar-se um caco especialmente grande e pontiagudo, que atingirá meu osso e minha medula sempiterna -, em minhas coxas, meus tubérculos pérneos, meus calcanhares. Meus braços e mãos. Não posso chorar por causa da gravidade, minhas lágrimas procuram o núcleo do Planeta e vão parar em meu cérebro, de repente minha mente é tomada pelo sal, e tudo o que verei é o mar...

...até o momento da minha morte, que não tardará.

Mas você sabe que eu vou pintar copos, afinal. Eventualmente eu irei. Não sei não ir. Inércia.
Silêncio. Minha vida em movimentoretilíniouniforme.

Faltam músicas sobre o que importa. Músicas metafísicas e existenciais. Músicas que não falem só sobre amor, solidão, corneamentos, política, saudades, felicidade, mas que consigam dizer a única verdade: os suicidas tinham razão. Nada tem sentido. Eu sou a Náusea.
Com que palavras poderiam ser feitas tais canções?

Preciso escrever cartas. Cartas pessoais, profundas, verdadeiras, que digam de mim para você. Você? Qualquer você. Nunca as escreverei, mas que preciso, preciso. Foda-se.


* * *
Não me vejo chegando à velhice. Foda-se. Devo morrer de tuberculose ou me suicidar. Ou ser assassinado. Que seja um assassínio importante, por amor ou ódio. Nunca por acaso.