26.5.05

Travessia

- Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser – se viu –; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram – era o demo. Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga:é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte.
O sertão é do tamanho do mundo, e se Deus vier que venha armado. Também a alma tem seus jagunços pra guerrear pr’eternamente, enfrentando quem que vier não importa donde não importa se mais forte ou mais fraco, mas tem também suas moças de fazenda com quem se casamos, tem também suas prostitutas com quem temos prazer, tem as mães das prostitutas para as lembranças caseiras, e as jagunças disfarçadas que é pra gente se neblinar de paixão, obnubilantemente, e tem os meninos Reinaldos pra nos enfeitiçar com seu valor e coragem, e tem o diabo na rua, no meio do redemunho, e tem os doutor que passeiam pelo sertão pra conhecer e cuidar das gentes. Que se Deus vier, que venha armado. Esses e outros inúmeros são os defensores da terrenidade do in-sertão de todos nós, que afirmam e reafirmam o nosso direito de viver e matar, se fôr.
Vida humana é travessia terminável do sertão. O sertão é do tamanho do mundo, mas é também um sem-tamanho, um sem-concretude, o sertão é transcendental. O sertão é e não é acidental, que o que acontece é ao acaso, mas se explica com sol, poeira e paixões. O sertão é o andar transtemporalmente, atrás dos bandos dos hermógenes, que pra vez em quando travar batalha de morrer gente e muita e depois dispersar. Que é pra encontrar de novo guerreiramente numa casa escondida de mato ou num desfiladeiro armadilhoso de sertão desértico árido. E lutar ao lado de jagunços nobres bons, dos valentes, e de Diadorim. Vida humana é travessia, mas de Diadorim precisa-se parar pra falar, parar e olhar pro céu da noite, que esse não é do sertão, é do além-mar.
Mas quando Diadorim morre, e aí?
A gente então se estabelece em fazenda grande herdada, com compadre e esposa familiarmente, só pra contar histórias de travessias até vir o momento de terminá-las nas velhices do homem e da mulher, que elas seguirão com os doutores, que a gente gente igual às outras vamos agora pra terra seca, do debaixo do sertão-vida.
Do demo, não gloso. Que o diabo, assim fora, cidadão, não o há. Existe é homem humano. Travessia.







A viagem é pelas veredas. Veredas-caminhos. Onde não há veredas, é sertão-solto-livre. E aí? Eu, dia 28.01: “Porque o pensamento cartesiano faz-nos crer que o espaço é mapeável, contínuo, que depois daqui tem o que vem depois daqui, tem o ali ou whatever. Mas não. Saibam, meus leitores, que só existem nossos caminhos. E se saímos de um caminho para procurar um atalho, ou mesmo só para andar até logo ali (onde podemos estar vendo um outro caminho, ou um canteiro de crisântemos), nos perdemos, não importa se demos dois mil e quatro passos ou apenas um, pequenino. Porque só existem os nossos caminhos. Entre eles, não há espaço ou tempo. Há apenas as adimensionalidades da existência.// Sair do caminho reto é perder-se. Perdição.” Enveredar-se é seguro segredo. Sair do caminho reto é sedução. Mas sedução das humanas, que o demo a gente encontra é à meia noite na encruzilhada, que é encontro de duas veredas, e portanto o demo está mesmo no caminho dos homens comuns andantes viventes de travessia sertaneja, e inevitavelmente aparece cedo ou tarde pra nos desenveredar. O sertão é do tamanho do mundo. O sertão é aqui, ó, apontante pro íntimo de um eu ser.

...!...

Colocada em livro e prosa, a travessia até que parece pequena; e mesmo se o livro tiver as seiscentas medrontadoras páginas. Mas quantas centenas de meias dúzias de páginas dariam um só momento de uma só parada ou andada da viagem pelo grande sertão? Assim, se contada bem detalhadamente, com cada pensamento relatado e explicado em língua de gente falada e não pensada, com cada gesto mostrado e adjetivado pra embelezamento das movimentações heróicas. Aí depende do escrevente.
Eu consigo tirar aí algumas páginas bulóguicas de situações mesmo tão parecidas que quase que são uma só, de quase um ano tão homogêneo que quase que é – e talvez seja mesmo mesmo – só uma parada na travessia. Se me ou te ou lhe adianta, saber-se-á depois do fim do mundo, quando nada mais se souber. Mas por enquanto fica aqui esse documento, como acidente provocado por movimentos inexplicáveis de minhas mãos erradas. Foi sem querer, foi, sempre posso dizer no tribunal.
O tribunal: com Dêus dum lado, o Demónio do outro, e no meio, de juiz, acho que ninguém, mas se alguém houver será um desses menininhos mais sertões africanos que morrem subnutridos com nem ver a lua mudar de fase no céu, que só esses têm o direito de julgar quem quer que seja, inclusive os dois avogados. E que vai decidir pr’onde vou eu: não só dicotomicamente, que ainda pode ter outros infernos e outros céus, de Dante ou de Platão, ou de Godard. Mas purgatório é um só pra todo mundo, seja mundo ou seja montanha ou seja nada não, sempre um mesmo pra todo mundo.

E pra que a travessia?
O sertão, com o passar do tempo pensado, vai virando tudo a mesma massa cinza náuseica, a mesma matéria constitui tudo no mundo árido, porque tudo é a mesma matemática tautológica: ter certeza, isso tem, mas nada diz, sentido não tem. Só se sabe que é, mas é sem objeto direto, é mas é nada. Pois que sentido valoroso de existência teria de estar fora do mundo, e o sertão é infinito-travessia.
E pois que sem Diadorim o sertão é tudo sem sentido. E pois que Diadorim já nem existe, virou outra coisa que não é a coisa pela qual se apaixonou, e acabou assim a paixão, dissipou-se a neblina, baixou a água que inundava a margem impedindo a passagem, diminuiu-se o Rio da Fome violento, assentou a poeira que doía os olhos abertos. E só. E só.

- Eê, boi-vaca!
Travessia também pode ser pra levar a boiada pro arraial, da fazenda, pra fazer negócio e obedecer o chefe. Pode ser pra contar-se histórias narradas bonitamente, que saber narrar é o maior valor que pode existir, e a gente deve de sentar na frente do contador ou pelo menos sentir que sentou, já que nem sempre podemos fazer pausa na travessia à cavalo. E ouvir suspensamente, suspenso o tempo e o sentimento de ser-para-a-morte.
Sagn pára até a travessia e seu fim. Rana.

Minha travessia faço em cavalo-eu, eu e cavalo centaurizamos tòtemmente. Minha montaria sou eu, metade de mim me leva pela vida no sertão árido. O centauro acostumado que sempre foi aos bosques helênicos tem de agüentar o deserto das Gerais. Que assim é existir, e se quiser existir tem de agüentar, e se Deus vier que venha armado. Armado e montado em belo cavalo branco-e-preto como um negativo de zebra-africana. Deus com cabelos avoantes e louros no céu sertanejo virá, para marchar pela avenida Paulista numa Marcha Evangélica e dois dias depois na Parada Gay. E depois pra ir matar um negro no sul da America, e para matar um carreiro maldoso por meio dos bois boiada travesseiros. Deus avogado do Diabo descendo à terra armado pra fazer justiça, acaba sendo morto por um jagunço enraivecido com tudo e o mundo. E o jagunço não, não passa a ser Deus. Mas passa a ser livre. Ou talvez seja mero acidente. Ofegância.

Na travessia seriosa, não se pode gastar energias comidas sendo politicamente correto. Se tem de matar, mata. A gente se esconde no apartamento de trás pra conseguir o elemento surpresa. Daí a gente se arma, carrega a arma, e vai e atira, mesmo sendo um contra vinte. A gente morre, mas mata alguns. E se precisar prender outro e matar sem dar a ele chance de reagir, matamos. E enquanto matamos vemos luz branca nos invadir e ao mundo.
Se a democracia escolhe um líder tirano, eu vou lá e mato ele, e me sinto um herói. E a Anabê concorda.
Terrorismo = Revolução.

25.5.05

Choveu.

Choveu.
Uma massa de ar frio empurrou outra massa de ar e ambas se juntaram e choveram em cima da gente e vão continuar chovendo e, se a chuva da última madrugada causou o estrago que causou, essa que está começando agora (começou há meia hora, quando eu estava na minha aula de violino, e me molhou dos pés à cabeça passando pela alma) é potencialmente e possivelmente causadora de um estrago ainda maior. vamos ver o que acontece, será que foi Ele quem veio para cá e trouxe a sujeira e a destruição para mostrar-Nos a fraqueza do ser Humano, ou foi o Outro quem veio pregar uma peça e Nos tentar? Não podemos, contudo, ignorar a possiblidade de ser apenas uma adversidade climática ou uma simples decorrência de uma pomba sacana (a pomba sacana é o terceiro vértice, é a união perfeita entre os opostos, yin e yang, montéquio e capuleto, ácido e base, Ele e o Outro), porque pombas sacanas conhecem aquele característico efeito estranho de proporções titâncias do qual tanto se fala por aí e cujo nome eu pouco sinceramente não recordo. Chove e temos que esquentar nossos pés, aí o problema é só de quem não tem pé, ou de quem não tem fogo; ou ainda do pé sem corpo, se bem que um pé sem corpo tem muito mais autonomia que um corpo inteiro, mas não muita, talvez nada. Chove chove chove e as pessoas não conseguem chegar aos trabalhinhos, às escolinhas ou aos parquinhos. E aquela vontade de comer um Buda de chocolate. Buda ou Bunda ou Butá ou Butão. Voltando às espiritualidades e às entidades metafísicas, talvez seja o Bom que esteja chorando, ou consolando o Coisa-Ruim. No entanto, podem os Dois Amigos (talvez três, se o Divino e o Satanás convidarem também a Pomba Sacana) estar apenas cortando cebola para deschateizar essa coisa. Sôpa de Mundo. Com circunflexo. Sôpa de Mundo.

11.5.05

Por que não fazer um outro post?

Enfim, sempre vem um outro post. Sempre há algo para falar ou repetir. Sempre tem algo que eu esqueci. Será que de propósito?
Acho que se eu realmente quisesse, por inteiro, consciente e inconscientemente, eu poderia escrever um post que acabasse de vez com essa palhaçada, um post que dissesse tudo que eu preciso dizer nesse blog. E daí, era deixar ele para vocês dois.
Mas etc.

E o centauro. O centauro que sou eu, o centauro é meu totem.
Porque existe dentro de mim um centauro.
E o centauro é sábio e é forte e é antigo e é dividido em dois e é sangüento e é eu. E o centauro é meio agressivo, e totalmente solitário, e selvagem, e quente quente quente.
Vamos lá, exercício: Assim que terminar de ler esse parágrafo de instruções, feche os olhos e imagine o seguinte. Você está numa floresta, é quase noite, as copas das árvores impede a pouca luz que há no céu de chegar ao chão. Aquele silêncio das florestas que nunca é bem silêncio. Você está perdido(a), mas não se importa. Ao longe – um vulto. Mais perto – um vulto, o mesmo, é claro. Você senta-se no chão e espera. Muito tempo passa. O vulto, mais perto. Se aproxima de você. Acha você. O vulto vira um centauro visível, destransparente, todo aparecido e macho. O centauro nu, o centauro nuo, o centauro de metade cimal humana, de metade inferior eqüina, que é todo um corpo sem cabeça, com um dorso e uma cabeça genteais. E ele se aproxima de você, pouco a pouco a pouco, mas só porque agora já caiu o sol praz tráz dos montanhões do horizonte, e as constelações apareceram puntiformes e luminóseas, é nas constelações que se vê espelhado (espectado, espetado) o centauro. E você se levanta devagar. Ele hesita, mas não recua, esperançado, gostado de você. E você agora é quem vai a ele, e você sente o cheiro de suor dele, e você sente o calor dele. Ele é muito mais alturoso: sua cabeça bate entre o umbigo e o peito dele. Você deixa seu lábio encostar na barriga dele. Sente o calor do centauro, agora de verdade, da outra vez não valera, fora muito pouquinho.
Pronto, agora imagina.
Se quiser, pode abraçá-lo. Mas não forte. E NÃO PODE MONTAR NELE. Só quem pode sou eu. E pronto. Se você quer montar, crie seu próprio totem/essência/alma/alter-ego/inter-ego/ego/id/alma-gêmea/ser. Etc.

Enfim, as pessoas dizem que meus posts são:
- deprimentes
- desesperados
- preocupantes
- exagerados
- suicidas
- angustiantes
- masoquistas
- sádicos
- longos
- complicados
- chatos
Enfim, as pessoas aparentemente gostam de adjetivar meus posts, seja lá pra que isso sirva, não acho que seja pra muito, meus posts não são alterados pelos adjetivos das pessoas, e de que serve um adjetivo se não para modificar um substantivo?

E não existe diálogo...
O que existe é o reconhecimento de afetos pré-existentes.
Vocês têm os mesmos afetos pré-existentes que eu? Se não têm, nem precisam ler, vocês nada tirarão da leitura. Se têm, nem precisam ler, vocês nada tirarão da leitura; mas nesse caso será um nada que já existia dentro de vocês.

E o script.
Aqui está o obstáculo. No script.
Diz um dos meus atuais professores de literatura que algumas pessoas constroem para si próprias um script tão rígido que nunca conseguem escapar dele – afirmam para si mesmas que sofrerão, e só podem assim sofrer.
Para bom entendedor, meia palavra já é até demais.

Eu sei que nada vai acontecer de realmente bom para mim neste ano.
Eu sei que eu ainda quero que algo de realmente bom aconteça para mim neste ano.
Eu sei que talvez eu não agüente que nada de realmente bom aconteça para mim neste ano.
Dois mil e cinco = dois mil e quatro = dois mil e três = dois mil e dois = dois mil e um. Mas só o segundo semestre de dois mil e um.
= Dois mil e seis? Se for, adeus, pessoal, fico em campinas, debaixo da terra.
Não me procurem mais.

Não perturbe.
Não perturbe.
Não perturbe.
Não perturbe.

Não perturbe.
Não perturbe.
Não perturbe.

Não perturbe.
Não perturbe.

Não perturbe.

Decrescentemente...

Sabe, acho que estou desperdiçando linhas com essas minhas pretensões a super-poeta-concretista, acho que na verdade estou querendo que meu post pareça maior, talvez para mostrar que eu sou um superescritorexpressivo, talvez para deixar você com medo para que você não leia meu post, de qualquer jeito eu realmente não devia ficar me analisando, por dois motivos: primeiro porque todos temos uma forte tendência a se analisar incorretamente, segundo porque quando eu me analiso não faz diferença nenhuma, legal, eu passo a saber o que me move, mas continuo não me movendo por mim mesmo, continuo determinado e podre, sem ter o que fazer para me curar dessa eterna maleita moral, dessa danada dita-cuja demónia amulherada, essa febre poética que eu gosto de cultivar na minha testa aquecedora de si mesma e de nada mais, um dia minha testa será aquecedora de outras coisas – aquecedora de mãos amadas e de marmitas –, e nesse dia eu terei encontrado meu oriente perdido, meu paraíso lestino, minha primavera desbufalada: é verdade, eu queria falar desse conto, “O Búfalo” da Clarice Lispector, quem quiser emprestado eu empresto, eu tenho xérox, Yuri você tem ele em casa, no livro Laços de Família da Clarice, o livro é daquela coleção azul que fica no corredor, bem em cima da porta da sala, de qualquer jeito eu queria falar do conto O Búfalo, eu acho que eu tenho muito daquela protagonista, sabiam?, não tudo, mais um pouco, eu fico tonto em escada rolante, eu tenho medo de montanha-russa, eu procuro o ódio o ódio o ódio mesmo já tendo o ódio em mim, eu procuro ele fora de mim que é pra me justificar, e eu não quero o amor, sabe por que não?, porque eu quero o amor, medo e curiosidade, dialética, macacos e um monólito, gregos e a homossexualidade, Hegel e o próprio baço – aposto que nenhum de vocês já ouviu falar do baço de Hegel, mas eu também não vou falar, fica pra próxima – de qualquer jeito a dialética serve pra explicar isso também, não só a história, mas eu nunca achei um búfalo que me justifique, então de certa forma eu sempre me sinto errado moralmente errado por ser assim como eu sou, até por causa do meu script que me força a ser quem eu sou mesmo não querendo, mesmo injustificavelmente (de modo bufular), que som o búfalo faz, Marina?, estou escrevendo isso enquanto chateio com você usando sons bizarros e talvez supermodernosos d’essa moça, e eu tergiversei pra caralho e parece que você nem percebeu, você se deixou levar pelo meu papo, pela minha enrolação, você realmente não devia fazer isso, você precisa ser mais autônoma, mais alta, menos fofinha, mas só em algumas horas porque é só porque você é fofinha que eu escolhi ficar no grupo de simpatizantes seus, porque o Yuri é feio, de qualquer jeito não acho que deveríamos usar fitinhas rosas, isso é meio brega e antiquado, se você tiver alguma idéia melhor me fale, estou aberto a sugestões, você estava ganhando, lembra?, de bastante até, mas acho que as pessoas não gostaram sequer de pensar nesse tema – e o por quê de as pessoas não terem gostado está na minha Teoria do Capitalismo Inter-relacional, pronto, chega de falar nisso, porque as pessoas vão me odiar por mostrar a elas o por quê das ações delas, mas que as pessoas acharam a hipótese de vocês se separarem besta isso acharam, mas não é como se elas não saibam que eventualmente isso vai acontecer, é inevitável, a culpa não é minha: não matem o mensageiro, que se ele não morrer de maratona já está muito muito bom, não acham?, não, não acham, porque vocês já se acostumaram a discordar de mim, principalmente quando eu digo coisas“, ai, terríveis” sobre as pessoas, principalmente quando eu uso do meu realismo-pessimista, que realmente deveria ser uma escola filosófica, nem que fosse eu o único integrante dela, porque vocês são otimistas só porque tem medo pânico de tudo e então fingem que tudo não existe, que nada existe então, que só existe as flores romantiquescas iracemosas dos devaneios ridículos de vocês, e agora chega que senão vocês param de ler e eu fico triste. Mas eu finjo que não fico não.

Melhor assim, né? Pros seus olhinhos não doerem, né? Pra num dói-doer, né não? É melhor pra você poder fingir que vê.
Fenômeno interessante: Diagramar bem meu texto leva à melhor visualização, mas à pior veção. Formá-lo como acima, num fôlego imenso e antinatural, é pior pra saúde (física e mental) dos leitores, mas melhor para o entendimento profundo dos significados intermitentes ao texto.
Alguém devia escrever uma tese de doutorado sobre isso. Relacionando esse fenômeno com a alta quantidade de urânio presente no meu cérebro.

Minha cabeça dói. Estou doente. É tempo de gripes, não é? Bobagem, sempre é tempo de gripes. E minha cabeça dói terrivelmente, meu nariz escorre asquerosamente, minha garganta raspa raspadamente, meu corpo desmancha sobre a cadeira que faz ele doer mais. Tensão tensão. Moliiiinho. Meu corpo descorporizado pela dor doêntica. Doôntica. Eu doente. Eu do ente. O ser enquanto está sendo. Ôntico, não?
Propedêutico, quase.
Pragmático. Concomitante. Espelho espeto.

Quando a minha querida professora de filosofia me pediu pra guardar algo na minha gaveta de cuecas, não foi minha Weltanshaaung. Ah, mas isso era até fácil de escrever. Páginas e páginas disso, um livro disso, um blog até, que loucura. Mas não, ela falou: escreve aí o sentido da vida. Pô, meu, assim vai ficando difícil pra nós. Não escrevi nada. Nem hoje escreveria. Porque a vida não tem sentido e pronto, e até minhas cuecas sabem disso.

Como seria a cueca de um centauro?

Provocações. Odeio o modo como tudo me provoca. Provocar: Pro + vocare. Que nem de e + vocare. Só que com pro no lugar de e. E as coisas me provocam irritantemente. Sabe, que nem um sonho: um sonho (dos que eu consigo me lembrar depois) me irrita muito, porque provoca em mim sentimentos, digamos, negativos. Falas de amigos me provocam sem que eles saibam. Olhares de desconhecidos me provocam. Conversas alheias. Fotos. Pensamentos intrusos em minha cabeça esburacada, abertona para pensamentos intrusos intrusarem intrometidos bicões. Me provocam existências. Me provocam lembranças. Sons. Gritos, gemidos. Me provocam imagens, desenhos, pinturas, esculturas, pensamentos. Me provocam gestos indevidos.

Ah, que o mundo devia ser censurado!

Indecências mil rolam por esse sertão todo, impudores, obscenidades, indecências enfim.

O centauro é uma indecência um impudor uma obscenidade. Mas é a minha indecência impudor obscenidade. Eu o construí com muito sangue tirado de minhas gengivas, e conquistei o direito de colocar uma indecência no mundo.
Os outros, geralmente, não.
Daí vira essa festa, essa esbórnia nojenta.

Eu sou moralista sim.
Mas façam o que quiserem.
Sou um moralista que não quer que os outros façam o certo.
Quero é falar mal.

Mas isso vocês já perceberam.

Enfim, tanto para falar, né?
Mas agora já sei que não vou falar porque eu não preciso porque eu não quero.

Lah-dee-dah.

Mas eu sou mesmo ridículo, né? Devo ser tão óbvio! Só eu não me entendo, provavelmente. Devo ser um caso clássico de algo. Um exemplo daqueles de se colocar em livro didático. Quase uma fábula. Devo ser aqueles personagens que, se aparecessem na literatura, as pessoas diriam que não tem profundidade psicológica. Ou que têm, mas que são óbvios.
Mas não, não me digam. Meu único passatempo nesse mundo é fingir que não sou óbvio pra tentar me analisar. Sem sucesso, é claro.

Brevíssima Teoria Cromática:
As cores, no fundo, só realçam. Não significam nada.

Poemeto de Ontem:
No dia que antecedeu
Este que agora hoje vivo
Eu fui para a minha escola
E tive as seguintes aulas:
Química mais Matemática
Gramática mais História
E aprofundamentos de:
O Búfalo e Humanidades.
No dia que antecedeu
Este que agora hoje vivo
Fui depois pra minha casa
Onde fiz lição e li
E dormi, tranquilamente.
E hoje fiz esses versinhos
Cada um com sete sílabas.
E fiz a Marina se
Sentir a rainha da
Inglaterra, por mais que
Ela diga que foi ontem.

Sabem, eu posso acabar esse post onde eu quiser, na verdade. Isso porque...
I - ... meus posts são mesmo inúteis.
II - ... eles não têm pé nem cabeça.
III - ... no fundo são um só post.
IV - ... eu quero.

Como seria um ser meio-homem meio-búfalo?
Como chamaria esse ser?
Esse ser não é meu totem. Meu totem é o centauro e só o centauro.
E só o centauro e só o centauro.

Sabe, não sei desde quando o centauro anda lado a lado comigo, assim em todos os momentos de minha vida, como um anjo da guarda pagão, mas ele é delicioso e eu vou continuar com ele, porque ele é a única coisa que me vale algo, ele é tudo pra mim.
E eu não entendo, mas ele é tão importante pra mim que eu estou chorando só de falar o quanto ele é importante pra mim.
Sei lá, vai ver não é pra entender mesmo.

Odeio meus sonhos. Lembram daquele um que eu contei durante as férias? Do Kurosawa, pessegueiros, e um Bêijo? Pois se até hoje ele me atormenta.
Me provoca, isso sim. Meus sonhos me provocam. Eles gostam de me provocar.
Pra que quando eu acordar eu ressinta-os. Ressinta-os por me deixar acordar.
Morrer, dormir, dormir e quem sabe sonhar. Pra Hamlet, obstáculo.
Pra mim, paraíso.
O sonho eterno..... o anti-concreto. O anti-terdeagüentartudoissoaí.

7.5.05

TEORIA DO CAPITALISMO INTER-RELACIONAL por Artur Kon*

“Socialismo ou barbárie.”
— Rosa Luxemburgo

“Socialismo ou morte.”
— Michael Löwy

“Ele e seu sofrimento e sua solidão
formavam
como que um fundo cinzento
para o brilho de nossa felicidade...”
— Henrik Ibsen, Casa de Bonecas


Karl Marx, pensador do qual não preciso falar muito – dado seu reconhecimento praticamente total dentro das esferas para as quais eu escrevo, defendia a idéia de que a super-estrutura (überbau) ideológica e política de uma certa sociedade é determinada por sua infra-estrutura (unterbau), ou seja, pelo substrato material e econômico desta sociedade. Assim, causado pelo sistema capitalista, e agindo em favor de sua perpetuação, há no mundo atual um conjunto de valores e perspectivas – muitas vezes inconscientes – consoantes à estruturação social, aos quais poderíamos dar o adjetivo “capitalista”, dada sua origem. Já foi exaustivamente estudada a forma pela qual tais valores contribuem para a manutenção do status quo, e portanto não é meu objetivo analisá-la mais uma vez. O que pretendo fazer nesse breve ensaio é expor minha teoria acerca de um subconjunto que acolhe alguns desses valores, e que tem efeito direto na vida de todas as pessoas sujeitas ao atual sistema.
Lembremos que a base de nossa economia e de nossa política é a exploração do proletariado pela burguesia. Para que tal exploração seja justificada, criou-se uma mentalidade favorável a esse obviamente injusto sistema de castas. Porém, tal criação acaba tendo conseqüências outras que não as já esperadas e desejadas pela classe dominante, pois tal mentalidade não é favorável à dominação hierárquica apenas nos âmbitos político e econômico, mas também no plano das relações entre cada indivíduo nas micro-sociedades em que eles vivem e agem. Assim, praticamente mesmo estes pequenos agrupamentos humanos passam a funcionar como microcosmos rigidamente divididos entre classe dominante e classe dominada. E o que passa a determinar quem faz parte de qual classe não é o poder aquisitivo (já que este costuma ter diferenças desprezíveis dentro de um mesmo conjunto de pessoas), mas o caráter e a personalidade.
Este critério de classificação pode até ser considerado mais sólido que o primeiro (aqui descartado), já que parece ser justo julgar as pessoas por quem elas são (em oposição a o que elas têm). No entanto, é necessário analisar a fundo a possibilidade de realmente apreender a essência íntima de um ser humano, como querem os que defendem este sistema ao qual dou o nome de Capitalismo Inter-Relacional. Seguindo a linha existencialista à qual eu me proponho (e mantendo contato com Marx, para quem é o “ser capaz de produzir suas condições de existência, tanto material quanto ideal, que diferencia o homem”), fica claro que é extrema presunção ambicionar usar o ser de uma pessoa para categorizá-la dentro de um grupo, afinal, “a existência precede a essência” (ou, como diz Sartre, o homem sequer tem uma essência, visto que tem a liberdade para se recriar a cada instante). Portanto, o que acontece para possibilitar esse fenômeno aqui estudado é uma tentativa de imobilização do indivíduo dentro da classificação que lhe foi dada, como se fosse possível possuir um saber acabado sobre um ser humano. As conseqüências de tal tentativa são as mais cruéis possíveis, instigando a opressão e o conformismo.

Tomemos por exemplo um simples grupo de jovens amigos, que se encontram, digamos, em seu colégio (não deve ser lida na escolha desse exemplo qualquer intenção pessoal e parcial, pois em nada tal situação se assemelha à condição do autor, que deseja apenas esclarecer seu ponto de vista acerca do que ele observou). A divisão das classes começa com uma abstração da natureza imanente a esse grupo, com o intuito de se chegar a uma caracterização geral que possa servir como padrão ideal no julgamento de cada indivíduo pertencente ao conjunto. Assim, o grupo pode ser caracterizado por conter os “populares”, os artistas, os intelectuais, os atletas, os “diferentes” (ou “excluídos”) – lembrando que nas manifestações reais de tal fenômeno, geralmente um grupo adjetiva-se de modo complexo, que desfavorece o estudo e portanto não será considerado aqui. Prosseguiremos o exemplo utilizando essa última possibilidade (novamente por nenhum motivo pessoal ou parcial, o autor – ironicamente, para esclarecimento dos que ainda não entenderam – não se considera parte de um grupo como esse), por ser tão típica e rígida quanto se quer atípica e flexível. O passo seguinte é a utilização da caracterização desse grupo no julgamento de cada um de seus membros – adiciona-se a isso, é claro, o julgamento de negatividade ou positividade. Com essa combinação de critérios, são definidos a burguesia e o proletariado dentro de cada grupo.
Depois dessa “eleição”, a micro-burguesia inter-relacional (como eu escolho chamar a classe dominante desse novo tipo de capitalismo dentro de um pequeno grupo) e o micro-proletariado são encaixados na macro-burguesia e no macro-proletariado inter-relacionais, ou seja, no grande esquema afetivo da sociedade.

A burguesia inter-relacional tem como principal característica a infinita obtenção de vantagens vindas de seus colegas de grupo. Nessa hierarquia, os pequeno-burgueses agradam a alta burguesia por vontade ou interesse; o proletariado o faz porque é explorado. O proletariado dessa divisão paralela da comunidade é escravizado e determinado, de modo que jamais sairá de sua posição. A ascensão não é de todo impossível, mas não acontece senão pela vontade daqueles que estão no poder, e logo que o interesse da classe dominante nessa ascensão acaba, o proletário desaba das falsas alturas – com muita dor e nenhum direito.
Um interessante caso especial é o daqueles burgueses que, de tanto querer ser nobres (como querem todos os burgueses, inter-relacionais ou não), acabam conseguindo. Esses não são apenas vistos como melhores: eles são considerados perfeitos. Em poucos grupos acontece esse raríssimo fenômeno, e não é costume formar uma macro-nobreza (embora a perfeição haja fora dos pequenos círculos), mas quando em um conjunto de pessoas surge a nobreza inter-relacional pode-se ter certeza de que este é um círculo apodrecido por dentro e por fora.
Infelizmente, o meu é um desses poucos.


*Artur Kon não é doutor em porra nenhuma, mas mesmo assim acha que pode e deve palpitar sobre tudo.