7.5.05

TEORIA DO CAPITALISMO INTER-RELACIONAL por Artur Kon*

“Socialismo ou barbárie.”
— Rosa Luxemburgo

“Socialismo ou morte.”
— Michael Löwy

“Ele e seu sofrimento e sua solidão
formavam
como que um fundo cinzento
para o brilho de nossa felicidade...”
— Henrik Ibsen, Casa de Bonecas


Karl Marx, pensador do qual não preciso falar muito – dado seu reconhecimento praticamente total dentro das esferas para as quais eu escrevo, defendia a idéia de que a super-estrutura (überbau) ideológica e política de uma certa sociedade é determinada por sua infra-estrutura (unterbau), ou seja, pelo substrato material e econômico desta sociedade. Assim, causado pelo sistema capitalista, e agindo em favor de sua perpetuação, há no mundo atual um conjunto de valores e perspectivas – muitas vezes inconscientes – consoantes à estruturação social, aos quais poderíamos dar o adjetivo “capitalista”, dada sua origem. Já foi exaustivamente estudada a forma pela qual tais valores contribuem para a manutenção do status quo, e portanto não é meu objetivo analisá-la mais uma vez. O que pretendo fazer nesse breve ensaio é expor minha teoria acerca de um subconjunto que acolhe alguns desses valores, e que tem efeito direto na vida de todas as pessoas sujeitas ao atual sistema.
Lembremos que a base de nossa economia e de nossa política é a exploração do proletariado pela burguesia. Para que tal exploração seja justificada, criou-se uma mentalidade favorável a esse obviamente injusto sistema de castas. Porém, tal criação acaba tendo conseqüências outras que não as já esperadas e desejadas pela classe dominante, pois tal mentalidade não é favorável à dominação hierárquica apenas nos âmbitos político e econômico, mas também no plano das relações entre cada indivíduo nas micro-sociedades em que eles vivem e agem. Assim, praticamente mesmo estes pequenos agrupamentos humanos passam a funcionar como microcosmos rigidamente divididos entre classe dominante e classe dominada. E o que passa a determinar quem faz parte de qual classe não é o poder aquisitivo (já que este costuma ter diferenças desprezíveis dentro de um mesmo conjunto de pessoas), mas o caráter e a personalidade.
Este critério de classificação pode até ser considerado mais sólido que o primeiro (aqui descartado), já que parece ser justo julgar as pessoas por quem elas são (em oposição a o que elas têm). No entanto, é necessário analisar a fundo a possibilidade de realmente apreender a essência íntima de um ser humano, como querem os que defendem este sistema ao qual dou o nome de Capitalismo Inter-Relacional. Seguindo a linha existencialista à qual eu me proponho (e mantendo contato com Marx, para quem é o “ser capaz de produzir suas condições de existência, tanto material quanto ideal, que diferencia o homem”), fica claro que é extrema presunção ambicionar usar o ser de uma pessoa para categorizá-la dentro de um grupo, afinal, “a existência precede a essência” (ou, como diz Sartre, o homem sequer tem uma essência, visto que tem a liberdade para se recriar a cada instante). Portanto, o que acontece para possibilitar esse fenômeno aqui estudado é uma tentativa de imobilização do indivíduo dentro da classificação que lhe foi dada, como se fosse possível possuir um saber acabado sobre um ser humano. As conseqüências de tal tentativa são as mais cruéis possíveis, instigando a opressão e o conformismo.

Tomemos por exemplo um simples grupo de jovens amigos, que se encontram, digamos, em seu colégio (não deve ser lida na escolha desse exemplo qualquer intenção pessoal e parcial, pois em nada tal situação se assemelha à condição do autor, que deseja apenas esclarecer seu ponto de vista acerca do que ele observou). A divisão das classes começa com uma abstração da natureza imanente a esse grupo, com o intuito de se chegar a uma caracterização geral que possa servir como padrão ideal no julgamento de cada indivíduo pertencente ao conjunto. Assim, o grupo pode ser caracterizado por conter os “populares”, os artistas, os intelectuais, os atletas, os “diferentes” (ou “excluídos”) – lembrando que nas manifestações reais de tal fenômeno, geralmente um grupo adjetiva-se de modo complexo, que desfavorece o estudo e portanto não será considerado aqui. Prosseguiremos o exemplo utilizando essa última possibilidade (novamente por nenhum motivo pessoal ou parcial, o autor – ironicamente, para esclarecimento dos que ainda não entenderam – não se considera parte de um grupo como esse), por ser tão típica e rígida quanto se quer atípica e flexível. O passo seguinte é a utilização da caracterização desse grupo no julgamento de cada um de seus membros – adiciona-se a isso, é claro, o julgamento de negatividade ou positividade. Com essa combinação de critérios, são definidos a burguesia e o proletariado dentro de cada grupo.
Depois dessa “eleição”, a micro-burguesia inter-relacional (como eu escolho chamar a classe dominante desse novo tipo de capitalismo dentro de um pequeno grupo) e o micro-proletariado são encaixados na macro-burguesia e no macro-proletariado inter-relacionais, ou seja, no grande esquema afetivo da sociedade.

A burguesia inter-relacional tem como principal característica a infinita obtenção de vantagens vindas de seus colegas de grupo. Nessa hierarquia, os pequeno-burgueses agradam a alta burguesia por vontade ou interesse; o proletariado o faz porque é explorado. O proletariado dessa divisão paralela da comunidade é escravizado e determinado, de modo que jamais sairá de sua posição. A ascensão não é de todo impossível, mas não acontece senão pela vontade daqueles que estão no poder, e logo que o interesse da classe dominante nessa ascensão acaba, o proletário desaba das falsas alturas – com muita dor e nenhum direito.
Um interessante caso especial é o daqueles burgueses que, de tanto querer ser nobres (como querem todos os burgueses, inter-relacionais ou não), acabam conseguindo. Esses não são apenas vistos como melhores: eles são considerados perfeitos. Em poucos grupos acontece esse raríssimo fenômeno, e não é costume formar uma macro-nobreza (embora a perfeição haja fora dos pequenos círculos), mas quando em um conjunto de pessoas surge a nobreza inter-relacional pode-se ter certeza de que este é um círculo apodrecido por dentro e por fora.
Infelizmente, o meu é um desses poucos.


*Artur Kon não é doutor em porra nenhuma, mas mesmo assim acha que pode e deve palpitar sobre tudo.

1 Comentários:

Blogger Artur disse...

1. Quero pedir desculpas...

1.1. ...pela confusão em que caiu o texto. Eu não o pude terminar em um dia, e perdi totalmente o fio da meada. Como precisava expôr minha revolucionária teoria, decidi postá-lo mesmo assim. Se quiserem alguma explicação, perguntem-me.

1.2. ...por postar um texto com o qual eu nem sei se concordo totalmente. Ou melhor, concordo sim. Concordo com o fato de que existe uma burguesia e um proletário no que diz respeito a nossas relações afetivas. Não sei se concordo com minha tentativa de mostrar as causas desse fenômeno. Quem tiver uma idéia melhor, diga, ficarei feliz em debater acerca disso.

2. Não quero pedir desculpas...

2.1. ...por ter ousado falar mal do grupo de amigos do qual eu faço parte.

2.2. ...por ter ousado ir contra muita gente para fazer isso.

2.3. ...por ser pessimista.

2.4. ...por ofender uma ou outra pessoa com esse texto, caso essa ofensa aconteça.

7/5/05 23:53  

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