27.12.05

Tchau, good bye, auf wiedersehen… au revoir.

Vamos lá, deixem-me falar só mais um pouquinho de Você.

Vou passar uma semana sem te ver. Faz tempo que isso não acontece, até. Não muito tempo, mas algum tempo. Acho. Não sei, me perco facilmente nas contas. Mas é esquisito. Vou sentir tantas saudades, mas ao mesmo tempo será tão... purgante. Respirar um ar que não está viciado pela sua presença imaginária! Deixar um pouco de torturar meus olhos, de magoar minhas mãos, de estourar minha pele de tanto sangue que corre em alta velocidade por ela. Pensarei em você o tempo todo, te verei na água turva do mar e quase acreditarei que você está ali, mergulhando sob mim. Uma semana inteira, parece tão pouco tempo, há algum tempo seria mesmo. O tempo transformou o mesmo tempo em um longo tempo. Porque há alguns meses eu te via menos ainda, e uma semana sem você era normal. Não gosto de normal. Queria que nada fosse normal. Queria que não te ver fosse absolutamente anormal porque queria te ver todo dia, mas não queria que te ver todo dia, todo instante da minha vida, fosse normal porque queria que a cada segundo que eu te olhasse em minha vida de só-te-olhar fosse um novo segundo, que começasse e acabasse em si mesmo, segundo com começo meio e fim pra eu poder falar que te tive inteiramente por um segundo. Merda, como te adoro! E começar um novo ano sem te ver vai doer como passar um ano todo sem sua presença aqui perto! Uma semana, quarta-feira quinta-feira sexta-feira sábado domingo segunda-feira terça-feira quarta-feira. E agora percebo que nada me diz que te verei quando voltar, então talvez esse tempo se estenda terrivelmente mais. Saudades. Mas saudades é bom, quando é só saudades. Porque te vendo em intervalos menores que uma semana eu até chego a ter saudades (tenho saudades a todo instante sem você, é claro), mas é sempre misturado com a dor de não te ter de verdade. Ter. Sim, ter. Esse verbo que as pessoas costumam refutar, rejeitar como se fosse um verbo inferior. Quero te ter, sim, e daí?, quero ter, não estou falando isso de um modo possessivo, mas é isso que eu quero. Já disse que ter é importante sim, não sigo essa besteira de “o importante é ser”. Então te quero ter. Te quero. Ponto. E te quererei mais intensamente ainda naquela paisagem maravilhosa que estará tão vazia sem a vista maravilhosa de você, seu corpo, sua expressão facial, seus movimentos – pois dizem que são nossos movimentos que fazem nossa aparência, por isso as fotos são tão estranhas. Adoro acima de tudo você e seus movimentos. Adoro também o que você fala, o que você escreve, o que eu acho que você pensa. Mas não terei você, nem seus movimentos, nem suas falas, nem seus escritos por uma semana. Terei, sim, a possibilidade de imaginar o que está fazendo, pensando. Não sei o quanto isso me basta!

Nos últimos dias consegui, para meu infortúnio, me convencer de que você não gosta de mim. Não falo no sentido de ‘você não corresponde meus sentimentos amorosos por você’, falo de um gostar muito mais simples. Achei que você me desprezava. Me convenci disso. Por algumas horas, menos de um dia. Acho que nunca vivi momentos em que qualquer coisa fosse mais absolutamente sem sentido. Nos momentos em que me senti nauseado, no ano passado, sempre tinha a possibilidade do suicídio. Mas até isso me pareceu ridículo e vazio no momento em que me deparei com o fato: você não gosta(va) de mim. Simplesmente não sabia o que fazer. Me senti tão mal, mas tão ruim. Não fiquei triste com você, mas comigo mesmo, é claro. Eu já me desconvenci disso. Mas ainda ficou a pergunta: Se eu posso ser alvo do seu desprezo, o que nesse mundo eu posso merecer? O que eu posso fazer, o que terá qualquer valor em minha vida se existe a possibilidade de eu provocar repulsa em você? Em alguém tão... te adoro.
Já estou com saudades, nem faz tanto tempo que não nos vemos.

Estou desvalorizado por gostar tanto de você. Apaixonados são a escória da humanidade. Estou sem valor de troca, então como esperar que você um dia olhe pra mim? Vou ficando pequeno, comprimido por minha paixão, e você já não consegue me ver, não consegue me distinguir em meio aos detalhes do seu campo de visão, estou microscópico. Se pra você já era invisível, vou ficando mais e mais. Fico pequeno, sim, mas então como posso me sentir tão engrandecido por meus sentimentos? Tão... melhor. Como se o fato de eu ser capaz de sentir tanto assim por alguém fosse indício de que, talvez, só talvez, eu não seja tão ruim, não seja um enorme desperdício de carne, de que talvez eu mereça as coisas boas que tenho e possa destruir as ruins. Sinto como se o céu de São Paulo fosse lindo! Sinto que o mundo de concreto e sujeira em que vivo é leve como o ar despoluído de um paraíso qualquer, sinto que a solidão é uma coisa bela, sinto que talvez os panteístas estivessem certos, sinto que a música instrumental pode significar algo afinal, que uma rosa é uma rosa é uma rosa e que você é uma rosa é um cravo é um espinho é sangue é uma bandeira tremulando no vento-você! Você! Sinto que posso gritar “VOCÊ!” e que você vai me ouvir um dia, você, e que o som vai entrar por seu umbigo e fazer vibrar seu estômago e você vai vomitar que me ama, que me ama! Talvez., sinto que poderia viver minha vida toda só dizendo que te adoro, não precisaria nem mesmo que você correspondesse a meus sentimentos, só dizendo só se você me ouvisse seria tão te adoro e eu poderia fazer você vibrar com minhas ondas sonoras de fala linguagem te adoro e eu criaria uma única vez ou quantas vezes eu quisesse eu poderia criar por mim mesmo o seu movimento, o seu movimento que eu tanto adoro eu poderia provocá-lo e me sentir um pouco co-autor junto, é claro, junto com você de algo tão belo e simples quanto o seu movimento seja esse movimento um imperceptível vibrar de moléculas um imperceptível fluir de sangue ou um mais que perceptível espasmo uma convulsão um ataque epiléptico de amor um desfalecimento uma queda infinita uma ascensão turbulenta ao paraíso que fica abaixo de seu umbigo! Por isso quando alguém me diz que eu preciso te esquecer e que o que não traz nada de bom a gente acaba anulando eu respondo: a melhor coisa que existe e já existiu na minha vida é minha paixão por você. Dói. Dói mesmo, dói, demais até. Mas é minha dor e é por você.

o seu olhar lá fora
o seu olhar no céu
o seu olhar demora
o seu olhar no meu

o seu olhar seu olhar melhora
melhora o meu

onde a brasa mora
e devora o breu
como a chuva molha
o que se escondeu

o seu olhar seu olhar melhora
melhora o meu

o seu olhar agora
o seu olhar nasceu
o seu olhar me olha
o seu olhar é seu

o seu olhar seu olhar melhora
melhora o meu

24.12.05

Outra Carta

Ilustríssimo Senhor meu Amigo Papai Noel (Vixi!),

É com grande satisfação que lhe escrevo mais esta carta. Mais um Natal, meu velho, e lá vem mais um ano de idade para nosso senhor Jesus Cristinho, o único que com 2000 e tantos anos mantém aquela mesminha carinha de querubim. Bota-lhe ovo cru pra manter essa força toda!
Vade! Mais um dia em que o espírito natalino está presente no coração de todos os homens de bem. Agora, quem são os homens de bem, eu não sei. Acho que nem eu e nem você passaríamos no teste. Não a parte do homem. Pois não há homem tão homem quanto eu e você, que isto fique bem claro. Mas a porção do de bem. As pessoas por aqui e por aí andam com uma idéia meio inverossímel de o que é o bem, não é verdade? O que - ora, o homem mais homem também chora - me deixa com uma melancolia dos diabos. É, melancolia, ou malinconia, tanto faz. Uma melancolia que devia ser proibida por lei federal no dia de Natal. Sei que você vai concordar comigo; de malinconia é sabido o sertanejo. é muito sabido. A malinconia e o sertanejo andam lado a lado, um sobrevivêndo às custas do outro; você sabe, se um deles some, o outro sucumbe. ô! melancolia, devia ser proibida mesmo, proibida por lei federal! (Acho que não é proibida por dois motivos: aqui nada é proibido de verdade mesmo quando proibido de verdade e o desaparecimento do sertanista assim, de uma hora para outra causaria um certo mal-estar, provavelmente um remorso incômodo.)
Padinho Cícero que me desculpe, mas ele já não está com essa bola toda. Se estivesse, nós não via muita coisa - coisica! pra rimar com a fezinha da galinha - que anda acontecendo pra mor desse lado e deste também. Coisa que só Papai Noel (Vixi!! Eu provoco! Não valho anda mesmo!! Ri ri ri! ôxi! Mas eu sou um pulha, mesmo!) resorve. Resorve... imagina que revórve não foi proibido!! E foi o próprio povo, gente de osso! pele e osso! mesmo que votou. s engravatado não valem nada mesmo. O povo, nós mesmo, que já nos fizemos de jumento de carga prá mais de 100 vezes, caímos na lorota de proibir a proibição. Psicologia inversa! Psicologia inversa! Os caras são mais esperto e ligeiro da cabeça do que eu achava.
Saco! Saquinho.

Meu velho, aguardo pacientemente notícias suas. Nem que seja um rabisco indecente sobre a minha falta de vergonha na cara de ficar lhe chamando de velho. Vixi! Tô lascado. Mas tu sabe que eu brinco; brinco porque gosto de você, te admiro, te gosto mucho, como dizia aquele gringo dos lados do Chile que nós encontramos certa vez. Gosto e gosto mesmo. Padinho Cícero que me lance uns raios lá do céu se eu não estiver dizendo a mais sincera sinceríssima verdade.
Papai Noel. Eu quero um carrinho! Ri ri ri ri!!
Quero um carinho, isso sim! Trocadilho que pelo menos uma Bahia inteira já fez...
Aceito um carinho sim; aliás, aquele abraço pra trupe. Lamparina, Maria Bonitona. Vixi! Agora eu tô lascado é de vez!

Amigo, caro amigo, querido amigo, quero um poquitinho de esperança. Não pra mim, mas pros outros também. E, se não for muito incomodo, tsunami só quando não der pra evitar e queda de cachoeira só por zoação nem pensar.

Adeus, velho. Velho novo do Brasil.

PS. Uma Copa do Mundo também não é má idéia. Pra frente Brasil! Salve a Seleção!

22.12.05

a) natal

Dizem-nos que essa é uma festa que trata da vida, que fala do nascimento, da luz (de uma nova estrela e de um novo deus), que é uma celebração do amor.
Creio que não.
Todo ano, desde que nasci, e excetuando 2001 (quando eu estava fora do país), passei o natal com a família de minha mãe. No começo faziam-se comemorações pequenas, só entre a família, no apartamento de minha tia. Comíamos, ouvíamos música, e à meia-noite abríamos os presentes.
Nunca participei da preparação para o natal. Quando eu chegava, o presépio e a árvore e as luzinhas e tudo mais já estava pronto, montado.
Hoje em dia, o natal é uma grande festa numa grande casa com grande número de pessoas grandemente desconhecidas fabricando uma grande alegria da qual não compartilho, na qual me recuso a acompanhá-los.
O natal não é para celebrar a vida, mas para esconder a morte.
Não sou só eu: no fim de ano, as pessoas estão mais tristes, mais irritadas, mais nervosas, mais deprimidas, mais raivosas, e o ódio é, obviamente, muito maior do que o amor.
Já faz tempo que eu pedi, mas o meu papai noel não vem. Com certeza já morreu, ou então felicidade é brinquedo que não tem.
Não é à toa que se monta uma grande decoração luminosa, que se cantam o mais alto possível cançõezinhas ridículas, que as gentes se veste diferentemente, que se convida gente, que se prepara uma grande ceia.
O natal é uma mortezinha embrulhada no mantinho de um recém-nascido.

O natal não me atinge. Sou indiferente a ele, ou tento ser. Não me atinge no sentido de que não me deixo penetrar por essa bobagem de ‘espírito natalino’. Permito-me, como agora, ir contra o que tudo isso significa, mas jamais mergulho nisso. É uma montanha de porcaria, de fezes. É uma humanidade, que já se esqueceu como se faz pra ser humano, se forçando a seguir não verdadeiros valores de fraternidade, mas os mandamentos da Bíblia. O natal é porco. E em troca do grande esforço de vestir por algumas horas uma máscara de gente, ganhamos presentes.
Eu também ganho presentes. E gosto de ganhar presentes. E gosto de dar presentes.
Mas faço questão de ser igual o ano inteiro. Se só sabemos ser desumanos, sejamo-lo por inteiro, assumidamente, sem disfarces. Prefiro que me batam o ano inteiro do que apanhar todos dias menos um.
O natal é usado como férias de si mesmo, férias da própria imperfeição. Isso eu não admito.

Eis por que o natal é uma data de celebração da Morte. Porque se trata, acima de tudo, de reprimir nossos desejos. É a construção de um amor-máquina, um amor sintético, um amor de plástico.

E é um tanto hipócrita celebrar o nascimento de alguém que é cultuado por morrer.

E é por isso tudo que eu nem tenho vontade de dividir esse natal com as pessoas que eu amo.
Nem com minha família,
Nem com meus amigos,
Nem com Você.

Mas creio que seja possível propor um novo natal, um natal que seja o que é...
E a idéia principal deve ser o fim de ano. A passagem inimpedível do tempo, o fim de mais um ciclo.
O modo de comemorar meu natal variaria pra cada um. O ideal seria passar um dia com a família, um dia com a outra metade da família, um dia com os amigos, (talvez um outro dia com outros amigos). Pra finalizar o ano, pra marcar a morte de um período. A morte pode ser celebrada quando o é assumidamente. Faz bem, também.
A idéia é encontrar-se sem distrações. Todos conversando, convivendo uma última vez, se aproveitando.
O bom do natal seria que ele seria uma cerimônia laica, profana, e portanto universal.
E é claro que precisaria de outro nome.

Pergunto-me se estarei eternamente preso ao modo tradicional e infeliz de comemorar o natal. Se passarei o resto da minha vida encontrando a família de minha mãe, passando dois dias insuportáveis no interior, não vendo a hora de ir embora.
Ainda mais porque minha avó, o grande atrativo do natal em limeira, não vai durar muito tempo mais.

Última coisa: desprezo o papai noel. Acho-o nojento. Um burguesão assistencialista. Diz a canção: “como é que papai noel/ não se esquece de ninguém/ seja rico ou seja pobre/ o velhinho sempre vem”. Podre isso.

21.12.05

O Bom Parto (Tatuapé)

Praça cheias de pombos
Cheirando a mijo e sujeira
Dos homens que dormem no Coreto
Homens aos quais não dirigimos nossos olhares
Voltamo-nos para os brinquedos e a areia
Com Crianças que correm, gritam e, por vezes, choram
Afinal, não carecem de cera os ouvidos jovens
Para desespero e aflção das avós já não jovens
(Os avôs logo ao lado
em mesas e bancos de pedra
jogam dominó e gritam meninos
a vitória e a induvidável má-fé alheia)

A Banca de jornal, freqüentada por todos:
crianças lançam olhos famintos
nos carrinhos importados
Garotos compram o Lance! e apontam seus narizes para a Época
(procurando dessa forma, de relance,
ver seios e coxas inviáveis na capa da Playboy)
As meninas sorridentes - e estridentes -
pegam a Capricho, a Witch ou uma tal de Todateen.
Uns quase maiores
Veêm os livros da L&PM Pocket
E discorrem aos amigos sobre Ecce Homo,
sem nunca terem realmente lido Nietzsche.

Do outro lado, a Escola Pública,
Antes visível através de postes coloridos de concreto
Hoje escondido atrás dos muros e portões amarelos enferrujados
Hoje, Escola Fantasma
Nunca se viu alguém sair ou entrar
Ninguém, intimamente,
acredita que ela exista por trás dos muros e portões amarelos pesados

Finalmente, a Igreja
exige o sinal da cruz a quem passa
e velas pequenas a quem entra
uma grande pomba à frente de quem entra
amarelos irradiados
e nuvens delicadas num céu azul
Nos pilares (intercalados pelos vitrais),
a história de Jesus
Nos compridos bancos de madeiras,

Com medo
Antes do café com pãozinho doce feito em casa.

20.12.05

The Raven

Edgar Allan Poe

Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door."
'Tis some visitor," I muttered, "tapping at my chamber door -
Only this, and nothing more."

Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; – vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow – sorrow for the lost Lenore -
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore -
Nameless here for evermore.

And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me–filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating,"
'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door -
Some late visitor entreating entrance at my chamber door; -
This it is, and nothing more."

Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
"Sir," said I, "or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you" – here I opened wide the door; -
Darkness there, and nothing more.

Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortals ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, "Lenore!"
This I whispered, and an echo murmured back the word, "Lenore!" -
Merely this, and nothing more.

Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
"Surely," said I, "surely that is something at my window lattice:
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore -
Let my heart be still a moment and this mystery explore; -
'Tis the wind and nothing more."

Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore;
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door -
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door -
Perched, and sat, and nothing more.

Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore.
"Though thy crest be shorn and shaven, thou," I said, "art sure no craven,
Ghastly grim and ancient raven wandering from the Nightly shore -
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning – little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blest with seeing bird above his chamber door -
Bird or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
With such name as "Nevermore."

But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing further then he uttered–not a feather then he fluttered -
Till I scarcely more than muttered, "other friends have flown before -
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before."
Then the bird said, "Nevermore."

Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
"Doubtless," said I, "what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
Followed fast and followed faster till his songs one burden bore -
Till the dirges of his Hope that melancholy burden bore
Of 'Never – nevermore'."

But the Raven still beguiling all my fancy into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird, and bust and door;
Then upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore -
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt and ominous bird of yore
Meant in croaking "Nevermore."

This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamplight gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamplight gloating o'er,
She shall press, ah, nevermore!

Then methought the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by Seraphim whose footfalls tinkled on the tufted floor.
"Wretch," I cried, "thy God hath lent thee – by these angels he hath sent thee
Respite – respite and nepenthe, from thy memories of Lenore!
Quaff, oh quaff this kind nepenthe and forget this lost Lenore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Prophet!" said I, "thing of evil! – prophet still, if bird or devil! -
Whether Tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted -
On this home by horror haunted – tell me truly, I implore -
Is there – is there balm in Gilead? – tell me – tell me, I implore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Prophet!" said I, "thing of evil–prophet still, if bird or devil!
By that Heaven that bends above us – by that God we both adore -
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore -
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore."
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Be that word our sign in parting, bird or fiend," I shrieked, upstarting -
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken! – quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

And the Raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming,
And the lamplight o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted – nevermore!

13.12.05

O maior bem

Florbela Espanca

Este querer-te bem sem me quereres,
Este sofrer por ti constantemente,
Andar atrás de ti sem tu me veres
Faria piedade a toda gente.

Mesmo a beijar-me a tua boca mente...
Quantos sangrentos beijos de mulheres
Pousa na minha a tua boca ardente,
E quanto engano nos seus vãos dizeres!...

Mas que me importa a mim que não me queiras,
Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
Este mísero pungir, árduo e profundo

Do teu desamor, dos teus desdéns,
É, na vida, o mais alto dos meus bens?
É tudo quanto eu tenho neste mundo?

Frêmito do meu corpo a procurar-te

Florbela Espanca

Frêmito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que não me amas...

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...

Sentimental

Carlos Drummond de Andrade

Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!

- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar."

Boca

Carlos Drummond de Andrade

Boca: nunca te beijarei.
Boca de outro, que ris de mim,
no milímetro que nos separa,
cabem todos os abismos.

Boca: se meu desejo
é importente para fechar-te,
bem sabes disto, zombas
de minha raiva inútil.

Boca amarga pois impossível,
doce boca (não provarei),
ris sem beijo para mim,
beijas outro com seriedade.

10.12.05

Sozinho em casa vendo tevê

Talvez eu apenas precisasse de um gato cinza e um poncho.

Hey baby I hear the blues a'callin'
Tossed Salads and Scrambled Eggs
And maybe I seem a bit confused
Well, maybe, but I got you pegged
But I don't know what to do with those
Tossed Salads and Scrambled Eggs
They're callin' again

Se não fosse a aurora, jamais se poderia perceber o tempo passando de madrugada

Somos difíceis e dificílimos, difíceis e injulgáveis.

E quando eu tento olhar sem as lentes da razão, aceitando nossa miopia natural, me parece que estamos ainda mais errados do que o que eu pensava.

E ao longo dos séculos, a humanidade se tornou ácida, sarcástica, irônica, impossível.

E o outono é a época em que os pássaros mudam de cor e caem das árvores.

E, não importam quantas janelas estejam abertas, o ar do lado de fora ainda é mais puro.

E tudo podia ser tão simples!

E teus olhos brilham, me lembrando que são molhados como os meus. Que por dentro somos todos líquidos.

E nanotubos de carbono podem ser tóxicos.

E eu aprendi a viver com vocês apenas três meses antes de termos de nos separar.

E a água aceita viver nos lugares mais baixos, os quais todos desdenhamos.

E o desejo é tudo o que importa, é a única salvação, só ele é sublime e verdadeiro.

E “sim” é a mais bela palavra de todas, e “não” é só mais uma forma de “sim”.

E lutar com palavras é a luta mais vã.

E eles passarão, eu passarinho.

E não é preciso saber o que é amizade durante uma formatura.

E te adorar tanto assim dói, mas vale a pena.

E o homem é o ser pelo qual o nada vem ao mundo.

E músculo e carne são a mesma coisa.

E a chuva proporciona um fenômeno óptico que muda nossa visão da vida.

E na cama, quando o sono vem, eu falo coisas sem sentido e as esqueço no momento seguinte, mas penso em você mais lucidamente do que em qualquer outro momento.

E às vezes o tempo passa gostoso, como o metrô, fazendo barulho e criando um vento abissal.

E, na verdade, as águas só passam se as fazemos passar, principalmente as mais geladas.

E sabão em pó jamais será sabão de verdade.

E a tortura pode fazer alguém cuspir verdades, mas cócegas só criam mentiras.

E balões de festa podem se assemelhar a espermatozóides raivosos.

E um mês faz muita diferença. Junho.

E uma maçã não é apenas uma maçã, ou não seria vermelha assim. Uma maçã verde é só uma maçã.

E é esquisito demais chamar alguém de ‘melhor amigo’. Talvez só os melhores amigos são amigos mesmo.

E o natal não significa nada.

E sábio é o bebê, que conhece as coisas com os lábios, a língua e os dentes.

E obrigações são sempre chatas.

E um céu nublado parece que pode me proteger dos espaços infinitos eternamente silenciosos e apavorantes.

E as pessoas que você mais admira podem se embebedar, e isso pode ser bom.

E o homem tem de ser completo.

E muitas coisas pra dizer às vezes podem ser uma coisa só. Uma coisa grávida, Marina.

E uma praia é uma praia é uma praia.

E os números primos têm a irritante mania de serem números feios.

E o absurdo pode nos resgatar de uma selva de ângulos retos, de paralelos e perpendiculares, de retas e curvas equacionáveis.

E pentear os cabelos é relativo.

E provavelmente você não vai morrer daqui a dez dias, Yuri, mas bem que poderia ser.

E as coisas não precisam ter duplo sentido para terem um sentido escondido.

E eu sei que homens têm pênis e mulheres têm vagina.

E a coisa mais linda num poema é o som inerte, o flatu vocis, uma música mais verdadeira do que o que se considera música.

E uma vida sem conflitos seria sem graça, mas os conflitos também não têm muita graça.

E a coisa mais maravilhosa da vida é a imperfeição de um indivíduo.

E a coisa mais maravilhosa da minha vida é a imperfeição tua.

E latim pode ser coisa de gente esnobe, mas falá-lo é como chupar uma bala de ouro.

E escrever certas palavras gera um orgasmo manual sutil e suspiroso.

E será sempre permitido inventar palavras, mas será sempre surpreendente descobrir que existe realmente a palavra “suspiroso”.

E uma rima vale mais do que um milhão de palavras.

E as palavras ‘desculpas’ e ‘perdão’ não fazem sentido para mim.

E eu sou bastante incompetente, principalmente no que diz respeito a trabalhos manuais ou relações humanas. Principalmente no que diz respeito a ambos.

E despedaçar uma flor liberta uma espécie de néctar dentro de mim.

E ter é importantíssimo, mas ter de verdade é diferente de possuir. Ter é múltiplo, coletivo, polissêmico.

E alguns dos melhores prazeres são profundamente desconfortáveis.

E certos títulos são tão belos, que dá pena de ler o livro (“Fala comigo, doce como a chuva”).

E é tão gostoso assistir filmes de terror!, talvez porque ao menos esse medo não é tão paralisante.

E, quando lugares há muito esquecidos nos vêm à mente, são alegorias para setores internos a nós.

E uma metáfora são dois círculos meio sobrepostos, e uma metonímia são dois círculos meio fundidos.

E jamais a humanidade se decidirá entre considerar Dom Quixote um louco inaceitável ou um sábio inadequado.

E falar “pombo” ou “pomba” não tem diferença na linguagem denotativa, mas sexualmente são coisas opostas.

E eu não troco uma tarde agradável por um enorme conhecimento.

E que agradáveis as tardes em que eu te tenho comigo!

E se algo no mundo é mágico, esse algo é a possibilidade de modificar uma leitura acrescentando apenas um acento grave à letra a.

E a minha covardia não é do tipo que torne interessante ficar exausto andando numa estrada de tijolos amarelos só pra chegar numa cidade de esmeraldas.

E Alice No País Das Maravilhas é uma lição de vida insubstituível, e quando Alice acorda no final ela, na verdade, provavelmente morreu. Em algum sentido, de todo jeito.

E (se meus sonhos são fonte confiável de auto-conhecimento) eu te amaria mesmo que você fosse um zumbi.

2.12.05

Eine Kleine Nachtmusik

É noite:
Escuta.
_____________________

Abertura amorosa.


Escuta cada célula do teu corpo e a verde sombra de mim mesmo encolhida com vergonha nos meus olhos.