No fim, nem é tão surpreendente assim, certamente eu já esperava isso há muito tempo, apesar de sempre empurrar para longe a idéia; no fim, nem é tão terrível assim, e ao mesmo tempo é. Mas faz todo o sentido do mundo.
Um santo mudaria seus atos se soubesse que não há paraíso?
Um comunista pisaria no proletariado se soubesse que não há utopia?
Um asceta se entregaria ao samsara se soubesse que não há nirvana?
Um artista desistiria de seu ofício se soubesse que não há beleza?
Eis a verdade: não existe felicidade.
Então vamos investigar: o que seria a felicidade?Felicidade tem a ver, sem dúvida, com satisfação. Estar satisfeito, contente com a própria vida. Com o que da própria vida? Será a felicidade o que se sente/experimenta quando tudo está bem? Ora, seria então fácil demais provar sua inexistência, visto que jamais tudo estará bem. Ou quando tudo aquilo que importa está bem? Mas não nos importa a situação do mundo, a fome na África, a saúde de nossa mãe, a felicidade de nosso amigo depressivo? Isso não deve ser empecilho para nossa felicidade, ou seria difícil demais ser feliz.
Felicidade deve ser, então, algo meio egocêntrico: é, na verdade, quando
eu estou bem. É a velha história do copo... Nunca estará cheio, mas enquanto
estiver sendo preenchido estaremos felizes.
Mas o que preenche o copo?O copo é preenchido pela realização de nossas exigências próprias, em termos de profissão, conhecimento, prazer, conforto etc. Mas o copo também tem, é claro (afinal, todos nós já vimos alguma vez na vida um copo), um fundo. Esse fundo é composto por certas coisas que não escolhemos exigir, mas sem as quais não podemos viver: seria a coisa mais próxima de nossa natureza, essência, nossa condição humana. Aí cada um entende como quiser quais são essas exigências inatas.
O que o Artur entende por exigências inatas?Comer. Dormir. Certo nível de saúde. Descanso. Demais necessidades físicas. Amar.
Aí surge o obstáculo. Tudo isso, no fundo, se são necessidades que não escolhemos ter, não depende do
Acaso? Então a felicidade vem e vai com o acaso... não tem constância ou sustância, e é perdida na menor distração.
Pode a felicidade ser função do acaso, simplesmente?Não.
Ou seria apenas uma sensação momentânea (“Poxa, estou me sentindo feliz nesse segundo!...”). Mas para isso temos outras palavras – a.le.gre, con.ten.te, bem-hu.mo.ra.do etc.
A felicidade seria um estado de existência. Afinal, os filósofos, quando buscam a felicidade, não buscam bons momentos (prazer), mas sim algo durável, estável, garantível (pois esses filósofos não tentam encontrar uma fórmula para ser feliz?).
Se a felicidade não pode ser função do acaso e é, como fica a questão?Como eu comecei: não existe felicidade.
E como fica o homem?Essa é a questão.
O homem está, a todo momento, à procura da felicidade. Tudo o que escolhe fazer tem um objetivo. Todo objetivo encaixa-se num objetivo maior. E o objetivo final é sempre a felicidade. Assim o masoquista, o hedonista, o asceta, o religioso, o estudioso, o vagabundo, o trabalhador... o suicida – sim, também o suicida, que busca no momento de sua morte uma rápida mas absoluta felicidade (eu bem sei). Assim aquele que tenta provar que a felicidade não existe.
Ou seja, por mais que eu não acredite mais em felicidade, algo em mim continua crendo, e continua buscando-a.
Então eu devo me entregar a uma mentira?
Sim e não.
Devo ter a consciência de que não vou conseguir escapar da impossível busca. Mas devo também constantemente me relembrar da inexistência da felicidade, me treinar para não me deixar mergulhar completamente: respirar pela boca um ar diferente daquele que eu respiro pelo nariz. Separar os ares e não deixar que eles se misturem – pois o ar da verdade se perderá nessa solução.
Mas o que eu posso fazer?Nada.
Não seremos felizes jamais (e mesmo quem diz já ter sido feliz só está caindo num erro de comunicação). Se todos os nossos atos são no sentido de alcançar a felicidade, todos os nossos atos são inúteis. Não adianta berrar, gritar, matar, morrer. Não há fuga, não há saída. Somos livres, absolutamente livres, mas isso não faz diferença. Estamos presos num mundo sem felicidade. Mais ainda, estamos presos numa mente que não aceita isso. Provavelmente, o melhor que se tem a fazer é viver o mais confortável e prazerosamente possível (que não se confunda isso com um hedonismo, pois não há a fé na felicidade por meio do prazer). Façamos o que nos dá pequenos momentos de alegria, pois estes são o máximo que podemos garantir pra nós mesmos. Talvez um dia vivamos um contentamento, uma satisfação maior – quem sabe encontremos o Amor, ou a Fortuna, o Êxito, ou até mesmo Deus. Então poderemos pensar que somos felizes.
Mas não se engane, meu querido, é tudo acaso. E vai embora.