28.1.05

As Adimencionalidades da Existência

It's not
What you thought
When you first began it.

Naqueles tempos remotos de primeiro colegial, O Sol e o Mar me impeliam a um único desejo, que acabasse aquilo. O tão sublime sentimento de que falam a poesia, a filosofia (de universidades ou botequins), os diários de adolescentes, os blogs, os romances, os gibis, os filmes, os quadros, as canções, as nuvens, os prédios, as ruas, as bochechas rosadas de garotinhas no porta-retratos, a fiação de um computador, esse sentimento tão evocado criava em mim apenas asco, e a desesperada ânsia de que um dia eu ficasse livre disso tudo. Pois bem, quem se aventurar a ler meu pseudo-diário onde estão registradas minhas atividades e meus pensamentos vivenciados nas três primeiras semanas de janeiro de dois mil e quatro – claro, ninguém o fará, pois eu não deixarei, mas suponhamos que alguém pudesse se aventurar nesse selvagem campo – essa pessoa, eu ia dizendo, mas a frase ficou longa então tive que lembrar qual o seu sujeito que ficou lá em cima, essa pessoa encontraria nada menos que o relato de meu esforço para esquecer esse... bem, qual nome querem dar?... whatever. E encontrariam, também, escrito bem nitidamente (mesmo que vocês não entendam minha letra), que eu consegui, fiz, esqueci, joguei no lixo – literalmente – esse sentimento de que falam a poesia, a filosofia (de universidades ou botequins), os diários de adolescentes, os blogs, os romances, os gibis, os filmes, os quadros, as canções, as nuvens, os prédios, as ruas, as bochechas rosadas de garotinhas no porta-retratos, a fiação de um computador, etc enfim, que tanto me atormentava.

You got
What you want
Now you can hardly stand it though,
By now you know
It's not going to stop,
It's not going to stop,
It's not going to stop
'Til you wise up.

Não era isso. It didn’t stop, é claro, não poderia ter parado. Pois não depende só de falar a língua dos homens e falar a língua dos anjos, e quais versos mais você lembrar.

You're sure
There's a cure
And you have finally found it.

O ser humano, dizem as más línguas, é livre. Dizem outras más línguas – essas francesas, baixinhas, existencialistas e disléxicas – que tal liberdade implica em responsabilidade: se eu posso escolher entre a porta n°1 e a porta n°2, tenho que arcar com as conseqüências de minha escolha. Ou seja, se eu escolhi – sem sabê-lo, pois é assim que funciona a condição humana, você nunca sabe o que está por trás das Portas Do Tempo – a revistinha para colorir que tinha atrás da porta n°9, perdendo assim a latinha de felicidade em calda que tinha atrás da porta n°2004, foda-me eu,
agora é tarde.

Pois é, parece até roteiro de filme de terror, você já pode imaginar aquela menina-defunta meio esverdeada saindo da televisão e rastejando na sua direção pra te matar, deixando no caminho aquela gosma que é simplesmente IM-POS-SÍ-VEL de tirar do carpete, e ela grita você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! você fez a escolha errada! E, é claro, você grita “Não, Não! Eu não sabia! Eu não escolhi nada, eu não sou livre!” Mas é, e escolheu, e você sabe, mas tem que argumentar mesmo que só pra adicionar dramaticidade na cena.

Por mais divertido que seja assistir a filmes de terror – especialmente à noite, sozinho, em casa, debaixo dos cobertores, sem nada para comer ou fazer além de prestar atenção (porque, se o filme for bom, às vezes você não vai querer prestar atenção), com um telefone bem do seu lado para tocar e dizer você tem sete dias para viver logo na hora mais assustadora do filme, mas bem, estou tergiversando, voltemos ao assunto – e imaginar possíveis realidades escondidas de você nas quais o terror é real, quando a coisa é conosco a gente logo foge.

You think
One drink
Will shrink you 'til you're underground
And living down,
But it's not going to stop,
It's not going to stop,
It's not going to stop
'Til you wise up.

Criamos infinitos mais três artifícios para fingir que não, não somos livres, que não, não depende de nós, que não, não temos escolha, que não, nada podemos fazer. Que a culpa não é nossa, que foi determinado assim, que nosso meio não permite, que nessa sociedade capitalista e injusta no puedo, no puedo, ay caramba!
Essa atitude de fuga da própria liberdade é o que o existencialista baixinho e francês chamava de “má-fé”. Para ele, só um ser livre – e consciente da própria liberdade – poderia ter uma atitude de negação dessa faculdade. Tal atitude seria uma das mais imorais que um ente poderia ter, pois anula aquela que talvez seja a única importante dentre as diversas características humanas.

Então, é isso. Minha questão é, sim, a sociedade. É, sim, o acaso. É, sim, o outro incontrolável. É, sim, toda a merda do mundo. Mas isso não quer dizer que não seja também MINHA ESCOLHA. Eu tenho possibilidade de mudar tudo isso.

Eu posso, sim, analisar minha condição de vida atual e fazer alguma forma de lista, de balanceamento, de plano de ataque aos inimigos da liberdade e do petróleo.

Prepare a list of what you need
Before you sign away the deed
'Cause it's not going to stop,
It's not going to stop,
It's not going to stop
'Til you wise up.

Mas não o faço, é claro. E até entendo, numa atitude de inigualável compaixão para com um ser humano (no caso, eu): se eu fizer alguma coisa, aí não vai ter mais nada pra fazer. Se eu usar a minha última carta, não terei mais nenhuma.

Será? As cartas são infinitas? Gostaria de saber. Cai o rei de espadas/ cai o rei de ouros/ cai o rei de paus/ cai não fica nada. Nada, nada, nada, nada/ nada, nada, nada, nada/ nada, nada, nada, nada/ do que eu pensava encontrar.

A questão é: 2005. Como todo começo de ano, eu vou dizer agora, pra que seja oficial: mais um ano vai ser demais para mim. Digo isso todo ano e “agüento” (ver a desinvenção da palavra ‘agüentar’ em algum lugar desse blog). Mas dessa vez, acho que é a última mesmo. Claro que não é, mas acho que é. Então fica o dilema: má-fé ou o risco de viver de verdade?

“O verdadeiro problema é este: qual o risco que vale a pena correr – construir com base em uma fidelidade ou permanecer soberano, isto é, sozinho? A segunda alternativa conduz seguramente à ruína; a primeira é uma aventura nobre, que pode ser bem-sucedida, embora não haja certeza disso.” — Karl Jaspers, falando da situação política alemã na década de 60.

No, it's not going to stop
’Til you wise up.

Mas eu faço algo, eu faço. Eu vou ali, eu fico lá, eu me aventuro acolá. Falo com tal pessoa, olho para taloutra, admito isso para aquela moça (com o perdão da apocoloquintose acidental), segredo aquilo para todo mundo (com o perdão da apocoloquintose intencional).

Só que algumas pessoas tem limites mais estreitos que os dos outros.

Algumas pessoas são mais fracas.

do “Poema de Sete Faces”:
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

do mesmo “Poema” heptofacial:
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Acho que tudo o que eu sei fazer é citar poemas. Vou fazer disso minha carreira: citador. Fico sentado em uma mesa com um computador e alguns livros importantes de poemas. Quando alguém – sei lá, um jornalista, um filósofo, um poeta mesmo, um blogueiro, um apaixonado que deseja escrever uma carta, um apresentador de programa de tv, um louco, um mendigo, um príncipe nazista, um campo de concentração de 60 anos atrás, um avião luxuoso, uma escola de latão, um grupo de teatro, uma parede parada que barra a brisa – quando qualquer um quiser citar um poema, me procura e eu faço isso profissionalmente.

Mas, há, escolher eu não escolho. ---------! Igualdade! Fraternidade!


Agora estou na rua, e está começando a chuva de sapos. Dói quando eles batem em minha cabeça com tanta velocidade. Alguns ainda sobrevivem a queda. Procuro me esconder da chuva de sapos, então tenho de ficar no quarto lendo e voltar para São Paulo dois dias mais cedo do que o programado. Porque eu fiz! Eu fiz alguma coisa SIM!
Pouca coisa.

Como se aprende a amar? Eu não sei amar. Now you can hardly stand it though, é, fui eu que pedi para não mais amar, e agora isso é minha ruína.
Será que eu realmente virei aquele ser sem sentimentos que eu digo ser?
Por favor, alguém me ensine, alguém me dê um coração que esse já não bate nem apanha – uma emoção pequena qualquer coisa que se sinta deve ter algum que sirva algum que sirva algum que sirva que sirva que sirva que sirva tloc.

A vitrola enroscou. Essas coisas velhas, que nem conseguem fazer uma caminhada pra cima da cachoeira direito, que todos caçoam por ser tão senis, que nem conseguem abraçar a própria liberdade, que só sabem citar poemas, essas coisas antigas, arcaicas, essas vitrolas idosas com Parkinson e Alzheimer deviam ser jogadas fora.
Você sabe que deviam. Você estava pensando nisso agora mesmo.
Estava! Eu sei.
Mas agora que eu escrevi isso e te acusei de estar pensando isso, é claro, você está tentando convencer a si mesmo que não estava pensando nisso.

É, acho que no fim não estava, mesmo.
Mas podia estar.

Fantasia. Mentira. Invenção. Ficção. Enganação. Ilusão. Sonho. Falsidade. Falsa tartaruga.
Beautiful Soup, so rich and green,
Waiting in a hot tureen!
Who for such dainties would not stoop?
Soup of the evening, beautiful Soup!
Soup of the evening, beautiful Soup!
Beau--ootiful Soo--oop!
Beau--ootiful Soo--oop!
Soo--oop of the e--e--evening,
Beautiful, beautiful Soup!

Beautiful Soup! Who cares for fish,
Game, or any other dish?
Who would not give all else for two p
ennyworth only of beautiful Soup?
Pennyworth only of beautiful Soup?
Beau--ootiful Soo--oop!
Beau--ootiful Soo--oop!
Soo--oop of the e--e--evening,
Beautiful, beauti--FUL SOUP!
Mock turtle. Mock. Mockery. Gozação. Parodiação.

É por isso(, digo para quem perguntou,) que não posso sequer pensar na possibilidade de. Que não posso nem sequer querer que. Nem querer que seja possível que. Nem pensar que eu quero que seja possível que. Eu tenho que me segurar ao mais terrível realismo (ou pessimismo, se é assim que você quer chamar) por causa DISSO. Porque a ilusão levou-me longe demais. Pra beirinha da Desalma.

E eu posso escrever – aqui, ali, acolá – eu posso atuar – aqui, ali (esse só em dois lugares) – eu posso rir eu posso desenhar eu posso sim. Ou não. Mas não pára nunca, isso sim, sem dúvida.

Melancolia. Depressão. Doença. Tristesse. Solidão. Crise. Vazio. Nada.
Nada, nada, nada, nada,
Nada, nada, nada, nada,
Nada, nada, nada, nada,
Do que eu pensava encontrar:
It’s not
what you thought
When you first began it.
E medo, acima de tudo. Medo de sair daquele mesmo caminho de sempre. (Até aqui, o post ia chamar “Má-fé”, mas resolvi mudar o título.) Porque o pensamento cartesiano faz-nos crer que o espaço é mapeável, contínuo, que depois daqui tem o que vem depois daqui, tem o ali ou whatever. Mas não. Saibam, meus leitores, que só existem nossos caminhos. E se saímos de um caminho para procurar um atalho, ou mesmo só para andar até logo ali (onde podemos estar vendo um outro caminho, ou um canteiro de crisântemos), nos perdemos, não importa se demos dois mil e quatro passos ou apenas um, pequenino. Porque só existem os nossos caminhos. Entre eles, não há espaço ou tempo. Há apenas as adimensionalidades da existência.

Sair do caminho reto é perder-se. Perdição. Ruína. Doom. Maldição. Fim, enfim.

E, portanto, o medo. Medo que cria a má-fé, as baladas, o capitalismo, o despotismo, as injustiças, os suicídios, a felicidade, o amor (sentimento de que falam a poesia, a filosofia (de universidades ou botequins), os diários de adolescentes, os blogs, os romances, os gibis, os filmes, os quadros, as canções, as nuvens, os prédios, as ruas, as bochechas rosadas de garotinhas no porta-retratos, a fiação de um computador, etc), a verdade, e mais medo.

Tenho medo de me perder. É esse o mesmo medo que eu às vezes admito que tenho, o medo de ficar louco. Pra mim, é a mesma coisa. Se eu me perder nas adimensionalidades da existência, vou parar num hospício. E tudo isso eu digo literalmente.

TUDO isso eu digo literalmente.



No, it's not going to stop
So just...give up.

23.1.05

Saiba: todo mundo teve medo

{ela pediu pra eu falar pra você que você é idiota}

... enquanto me alimento de sal ...

.
O que houve é que o lado molhado parecia mais seguro.
Na verdade estou mentindo.
Eu vi que eu cairia.
A pedra estava molhada; como eu não cairia?
Mas eu fui assim mesmo.

§ olha só: se eu pisar ali, eu vou escorregar ou perder o equilíbrio, de qualquer forma, eu tento segurar aquele galho {idiota!} o galho
de uma planta
presa a uma pedra
não aguentaria o meu peso
e eu sabia disso
mas havia alguma esperança
ou indiferença
indiferença
só escorrego um pouquinho.

Tinha o caminho seco, o caminho molhado e o caminho seguro. Eu não conhecia o caminho seguro e fiquei preocupado com o caminho seco, que implicava pular - e aí lembrando que pular nem sempre é uma idéia.

/não vá se matar.../

Não... não... Prometo que não morro (só me machuco bastante).

Daí eu piso na pedra molhada e escorrego, como já imaginava mas não me importava e estiquei o braço para alcançar o galho
de uma planta
presa a uma pedra
não aguentaria o meu peso
e eu sabia disso
mas havia alguma esperança
ou indiferença
indiferença
só escorrego um pouquinho

E o galho não aguentou o meu peso

° Nessa hora eu lembro de ter pedido a Deus pra que não acontecesse nada com ele,
porque eu sei que ele era importante pra minha prima e ela ficaria muito chateada se eu morresse °

Então eu grito(faloalto): e s t o u c a i n d o. Como se isso não fosse perceptível. Mas isso era frieza desesperada.


Escorregando, eu estico o braço e tento segurar nas pedras molhadas com minhas unhas recém cortadas ou roídas. Não consigo.

putaqueopariu

Mais frieza nojenta desesperada. Se eu tivesse gritado, provavelmente morreria, mas morreria sentindo menos medo.

Eu então pensei putaqueopariu masseráqueeuvoufazerissocomoferiadodeles ? se eu morresse eles teriam que ficar tristinhos tristonhos chorando a tragédia do amiguinho morto por idiotice numa cachoeirinha de fio de água. E metade da metade de uma coluna de meia página no Jornal do dia seguinte anunciaria a idiotice deste ex-ser. Porque com a morte a gente deixa de ser. Talvez por isso eu não estivesse pensando muito em mim. Meio que uma indiferença. Indiferença e medo e putaqueopariuputaqueopariu que medo! Com mais um metro por segundo eu morreria. Mas a partir daí eu já não seria, então, eu não me importava muito comigo mesmo.
Quer dizer, algumas semanas atrás, eu avia percebido que ser é muito bom e que eu seria por quanto tempo eu conseguisse e eu percebi que ser parece melhor que não-ser.
Uma prima minha (se) suicidou quando eu tinha uns sete ou oito anos. E isso me levou a vários pensamentos como o que será que eu faço depois de morto? E eu pensava que pensaria depois de morto. Enfim, nas aulas de matemática meus pensamentos foram guardados no meu arquivo e reabertos há pouco tempo. E, convenham,os, que bobagem, ao morrer, não sendo mais, não se pensa mais, não se sente mais. Não se é.
Mas eu gosto muito de ser.
Vocês não?
Eu sim.
Talvez por isso tenha tido medo.
E putaqueopariu! que medo!
Mas também indiferença, porque, afinal, se eu morresse, não seria mais e apensar de ainda querer ser, eu não sentiria saudades mesmo, afinal eu não seria.
Pois então eu estava caindo e decidi que seria muito chato o veleiro carregar um caixão e vocês TEREM de ficar tristes. E eu viraria uma lenda local e aquele lugar seria temido e amaldiçoado, e em pouco tempo eu só seria lembrado vagamente, e como lenda. Então deicidi que não estragaria o feriado de vocês que que tentaria continuar sendo.

° Nessa hora eu lembro de ter pedido a Deus pra que não acontecesse nada com ele,porque eu sei que ele era importante pra minha prima e ela ficaria muito chateada se eu morresse °

É. Talvez ficasse mesmo. De qualquer forma, é a que mais teria que ficar triste. Ela e você que com uma voz de quase desespero revestido de lucidez me mandou ficar imóvel quando eu finalmente parei e parei e parei encaixado numa caminha.

O que dá aflição não é ficar no ar é ficar encostado no chão (ou na pedra) mas sem ter a segurança do chão.

Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão
Que aflição

Sabe... é como uma experiência negativa. Você percebe que tudo que te deixava seguro não deixa mais. Cair na cachoeira é como perceber bruscamente a insegurança da sua weltanschauunge buscar desesperadamente outra para se segurar.

Mas aí eu terminei de cair. Fiquei entalado num vão entrepedras como uma caminha como um leito. Caí e apaguei. Parei de pensar por meio segundo, o que foi um choque tremendo.

Que aflição!

{[(°/Ei! Tá tudo bem? /°)]}
Tá - com voz de quem não está lá muito bem.
Mas estava muito melhor do que poderia estar.
Não quebrei nada!
Só você, com aquela voz de quase desespero revestido de lucidez me mandou ficar imóvel. E perguntou se estava sangrando.
Eu estava sangrando.
° Mas aí eu já achei que estava jorrando sangue°

Sabe, de certa forma isso estava acontecendo. o sangue estava voltando, no durante eu perdi o meu sangue. Não senti o meu sangue. No depois o sangue jorrou para dentro e eu voltei a ter sangue.

Eu mexi os meus dedinhos das mãos e dos pés e eles se mexeram direitinho como eu mandei. Bons dedinhos. Muito bons dedinhos.
Fiz o primeiro movimento com as costas para avaliar a possibilidade de me levantar sozinho. Mas como eu já estava morrendo de medo, já havia pedido para irem lá me ajudar. Estava doendo. Mas nada havia sido quebrado. Peguei meus óculos que pararam ao lado da minha cara e, virando o rosto uma planta fez cócegas na minha cara e entro no meu olho. Essa planta me fez recobrar a consciência que cambaleava.

Aí então você chegou com uma cara de preocupação que me deixou me sentindo culpado e não-merecedor disso. Você me deu a sua mão e me ajudou a levantar. Então lavou os machucados e me deu um abraço.
E esse abraço foi a coisa mais importante que você fez para mim. Porque eu estava com medo. Com muito medo. Mas o abraço foi como a reestabelecimento da segurança a nova Weltanschauung. Um abraço. Barrigas. O sangue voltou à barriga, esta barriga sofrida. Poruqe você tem a melhor barriga do mundo, sabia?
Então você me ajudou a subir pelas pedras pelas quais eu tinha caído e eu fiquei morrendo de medo de cair de novo e eu fiquei morrendo de medo de ver você cair.
Eu não queria morrer. Queria continuar com você. Queria continuar com todos vocês. Mas se eu morresse também, não quereria mais nada.

E vem de lá
O meu sentimento de ser


E também teve aquele outro que seria o que menos se importaria com uma morte minha (mas que não é menos ou mais nada por isso). E aqulea que se importaria mais com a Morte que comigo morto. E por ela, também, eu tentei não morrer. Não queria que visse a Morte e se assustasse com ela de uma forma tão... abrupta.

Estou vivo;

Mas estou chorando.
Chorando muito.
De medo.

E, sim, eu sou idiota.

E estou com medo.
Um medo terrível e doloroso.
E medo medo medo.
Putaqueopariu.
Um abraço!
Putaqueopariu.
choro
choro

Um abraço, por favor.
E um copodágua.
Aflito.

medo

22.1.05

Aquelas coisas que você nunca sentiu antes

O tempo ocioso é um eficientíssimo momento para descobrir em você mesmo coisas que não julgava possível. Principalmente de madrugada, quando você simplesmente não tem nada para fazer, mas precisa de algo. Ou quando você está falando com apenas uma pessoa no MSN, e essa pessoa sai, te abandona. Ou quando você volta de um restaurante para sua casa vazia (pois sua mãe está de plantão e seu irmão está viajando, que bom né?, a casa vazia). Quando você tem palavras demais e sono demenos, quando você é só cabeça e nada corpo.

Você pode descobrir, de um jeito assim “saiu sem querer”, você não esperava dizer (ou digitar) isso, mas disse (ou digitou), e daí já foi né. Você falou aquilo, e dali a pouco você pensou nisso e lhe pareceu uma boa idéia. Só por um segundo, lhe pareceu uma ótima idéia, mas só esse segundinho, porque você é uma pessoa decente demais (e, sejamos francos, perigosa demais) pra pensar seriamente nisso.

Ou então vem quando você está na avenida paulista andando na chuva, e você lembra daquele filme que você assistiu e compara sua vida aos personagens que vira lá. E disso poderá tirar conclusões positivas ou negativas, depende do filme e da vida. E da chuva, é claro, tudo depende da chuva. E você vai dizer – bem, pelo menos como ELES eu não estou. Ou – merda, até esses bostinhas inexistentes estão melhor que eu. Ou não vai dizer nada, porque já chegou no cinema e sua mãe está esperando, o filme vai começar.

Pode também estar deitado na cama, usando suas mega-técnicas de atuação para simular o momento da sua morte.

Enfim.

Agora, o que você pode descobrir?
Você pode, pela primeira vez, querer ir até um bar – ou mesmo até o armarinho na sua casa – e beber algo que te altere.
Ou você pode sentir que está morrendo de verdade.
E pode agradecer por estar – até agora – afastado de álcool e drogas.

Pode, navegando na inter-rede, descobrir que aquele país frio e distante te faz uma puta duma falta, que você quer pelo menos passar um tempinho lá matando a saudade de tudo: afinal, um ano morando num lugar é alguma coisa. E você entra no site da sua escola e ouve num filminho o nome de um professor, ou vê alguém sentando numa cadeira onde você já sentou, e quer só ver essas pessoas. Ou entram no MSN o Dave e o Nick (aliás, entrem em nextblogs.blogspot.com), que já mal falam com você – porque, no fim, não tem nada pra dizer, vocês estão distantes demais.

Ou você percebe que SIM, aquele momento que você há tanto imagina e espera (e, é claro, pois você é panaca como eu, adia) fará muita diferença na sua vida, será uma libertação.

E você vê na tevê alguém chorando por ser você.

E você imagina participar de uma peça de teatro em que você é você numa versão reductio ad finem, tanto que nem é você mais, mas você chora terrivelmente assim que acaba de apresentar a peça que não apresentou. Depois daquele grito abissal.

Você vai viajar depois de amanhã. Uma semana que, com certeza – pois assim foi todo o resto da sua vida, pelo menos de três anos e meio pra cá –, você jogará fora, pela privada, dará a descarga (elétrica? Hidráulica? Mítica? Psicológica? Antropológica? Religiosa?).

E tem, é claro, aquelas músicas, aqueles livros, aqueles quadros, aqueles filmes, aquelas cenas que sempre te lembrarão de sensações indescritíveis. E não só a você, mas todos tem algo assim.

Sabe, a merda não é que a vida não tem sentido. A merda é que a minha vida não tem sentido ou propósito ou diferença ou prazer ou gosto. Não é descanço, não é férias, não é aproveitada, não é aprendizado, não é de passagem. Minha vida nem sequer existe, compre’nde?

Há cerca de três anos, percebi que havia morrido em julho de 2001. Até hoje não renasci. Estou num limbo intermediário no qual o tempo corre mais e mais lento, mas nada muda – ou seja, o tempo não passa. E o tempo, não-passando cada vez mais rápido, dói-dói, dói quando raspa na sua face como aquele vento frio dos recreios no Canadá.

Blá, daí mês passado eu vim resolver que talvez eu fosse mais vivo do que todos aqueles que me rodeavam, e por isso é que eu me acharia morto. Mas é bobagem. Estou morto, morto I says, e pronto. E pra nascer, vou precisar de uma puta duma força que eu não sei se algum dia terei.

Porque dentre aquelas coisas que você nunca sentiu antes, não está a vida. Você não lembra, ou não sabe mesmo (admitamos), como é viver, e não sabe se algum dia poderá atingir esse sacrossanto nível existencial reservado apenas para aqueles que o merecem. Aqueles que são “bons”. Não você, coitado, você não é bom ou mau, você já rejeitou esses dois conceitos então não pode ter a vida dos outros. Ha!, quem mandou ficar desinventando palavras e conceitos que nós há tanto tempo inventamos? Agora desinventou-se sua existência, e pronto, fim. Você, meu caro eu mesmo, se fudi.

Sabe, é verdade aquilo de as emoções serem intencionais. Eu livremente escolho estar triste, alegre, com medo, raivoso, eu posso controlar isso. Se você não pode, não tentou o suficiente, porque é muito fácil. O problema está que o motivo que nos faz escolher uma ou outra coisa não é nosso para decidir (=anglicismo..).
E se eu coloco aquela música agitada e alegre, e faço cara de alegre e saio dançando pela casa – como eu freqüentemente faço quando estou sozinho – eu posso me fazer ficar alegre.
Mas mesmo assim não vale a pena, não tem motivo de fazer isso. Eu não quero estar alegre o tempo todo.

Tudo o que eu quero é ser feliz, dá pra entender?

E não me importa se um padre diz que isso é o que uma pessoa egoísta diria. Eu, pelo menos, admito que sou egoísta. O que todo ser humano quer é ser feliz.

Não fujo disso porque sei que é somente daí que pode surgir qualquer ato “nobre”, “ético”, “altruísta”. Não fujo porque é essa minha condição. Sou umbiguista por natureza. Sem deixar ele me sugar, sou umbiguista SIM.

Ando por aí tentando me fazer feliz. Se falo com você, é parte dessa tentativa, mesmo que eu não esteja consciente disso.

Pra falar a verdade, é mais que isso. Nesse momento morto de minha “vida”, estou deixando que ele (meu umbigo) me sugue um pouquinho, sim. Eu me dei o direito de pensar mais em mim do que o senso comum e o bom senso consideram adequando. Me dei o direito de pensar em mim um pouco em detrimento dos outros. Porque sou eu quem faz isso. Sou eu quem pensa em mim. Sou eu quem se importa comigo. Não estou menosprezando meus colegas e co-“viv”entes, mas não basta. Eu sei que vocês estão por demais ocupados com outras coisas, eu sei que eu não tenho substância suficiente para ser importante. Então tenho de me importar comigo mesmo, entendem? Porque vocês tem outras coisas. Eu não.

Porque, às vezes, um ser humano só quer ser importante. Só quer ser a prioridade de alguém que também seja sua prioridade. É isso que eu quero. Só quero saber que eu existo. Como aquela mulher falou no programa da Cultura. A gente precisa saber que a gente existe. Que a gente está vivo. Ou estaremos mortos, como eu. Então é isso que eu quero: alguém pra me dizer que eu existo, estou vivo, sou capaz de existir viver amar ser feliz. Assim eu poderia escapar dessa melancolia/depressão (aquela mesma mulher dizia que eram coisas muito diferentes, mas eu pareço ter as duas mesmo...).

Preciso de uma energia térmica que me encha dessa consciência sublime do existir. Preciso da risada quente e elétrica que me cure, pelo menos um pouquinho, da doença. Porque morrer sem ser nunca ter sido feliz eu não posso aceitar. Nem que eu tenha de me mudar, de extinguir a essência própria do meu ser tristonho, e radicalizar, explodir, surpreender de maneiras positivas e negativas, não importa. Nem que eu tenha de ser mau. Nem que eu tenha de ser bom. Nem que eu tenha de beber, fumar, cheirar. Nem que eu tenha de me vender sem cobrar. Nem que eu tenha de mudar meus gostos. Nem que eu tenha de comprometer minha saúde. Nem que eu tenha de desenvolver anemia, bulimia, esquizofrenia, psicopatia. Nem que eu tenha de matar um a um todos estes que aí estão atravessando o meu caminho.

EU PASSARINHO.

Ah, eu passarinho.

Já fui eu.
Sou Eu.
Serei EU.

Passarinho.

Eles passarão. Juro, prometo, mato.

Para sentir aquela, singular, coisa que eu nunca senti antes, eu faço tudo. Se necessário, esqueço ética e laços de parentesco ou amizade. Pisotear-te-ei, se necessário, não se engane com minha carinha fofa. Ou com minha aparentemente inofensiva fachada de malvado. Para sentir aquela coisa que eu nunca senti antes, estou além de Nietzsche... Além Do Bem E Do Mal.

Tudo o que eu quero é ser feliz, dá pra entender?

20.1.05

Alô, Amigos!


Nossa! Há quanto tempo não passo por aqui! Não mudaram nenhum quadro de lugar, nenhuma palavra ficou sem assento? Nesse caso, quero cumprimentá-los. Por sua paciência para comigo, no mínimo. Vou tentar recompensá-la com uma dose extra de paciência para com este maldito teclado. E vou tentar não pôr preposições no final das frases. Por isso, finjam por favor acreditar que eu estou de bom humor. Muitíssimo bom humor. O céu está azul e os passarinhos estão cantando em algum lugar
Pirirlirilim pirilirilim pirilirilim
através da chuva e do vento de verão. Finjam que está ventando agradavelmente e as ruas estão tranqüilas como numa manhã de domingo, e no ar se espalha aquele cheiro de chuva límpido e revigorante.

Sejam legais comigo e finjam acreditar também que eu estou felicíssima por voltar para casa depois de quase um mês viajando e que estou morrendo de saudades de vocês. Finjam que minhas férias ficavam mais alegres quando eu pensava que ia voltar a encontrá-los, e que fiz o possível para passar a última semana em Sampa, mas terei que ir viajar e esperarei desesperadamente o começo do ano letivo, quando verei vários de meus amigos pessoalmente. Finjam que eu não paro de pensar em vocês um segundo, imaginando que poderíamos estar juntos em algum lugar, rindo e tendo conversas longas, e depois indo ao cinema e assistindo um filme de que, certamente, todos nós fingiríamos que gostamos muito. Finjam acreditar que já estou cheia de planos para 2005, e que na primeira semana de aula farei ma grande festa para comemorar o reencontro. Finjam que haverá reencontro. Finjam que trocaremos presentinhos de viagem e que conversaremos exaustivamente sobre nossos novos professores. Finjam que por uma semana inteira não pararemos de falar sobre a escola, e sobre como as lições de casa podiam não chegar nunca e como os professores seriam legais e sobre o carnaval que vai chegar logo. Finjam que iremos viajar todos juntos ou que vamos pular carnaval...

Não sei porque.
O telefone tocou e minhas mãos vazias correram para atendê-lo, mas minhas pernas mal se moveram, desinteressadas. Quero fingir que está tudo certo, porque não tenho dentro além de uma ânsia por algum veneno anti-monotonia. Mas, por enquanto, finge que eu não disse nada disso. Finge que estamos lépidos e felizes, e não atordoados e nauseados e com vontade de chorar, ou de dormir. Morrer, dormir, só isso? Sim, só isso. Quem sabe se além da morte haverá algum campo elíseo, algum rio de águas tão puras que nos façam esquecer. Quem sabe se voltaremos para de onde viemos. Quem sabe? A vida, a vida está sempre ali, começando e terminando e nem uma coisa nem outra. Acho que sim. Afasta estes pensamentos da tua mente infantil e finge – mas apenas finge, não ousa transformar isso em realidade! – que eu não estou falando sobre a morte. Finge que está tudo bem, são só estes meus ombros cansados, e os teus também. O mundo é pesado, e tu, felizmente, não é uma daquelas pobres-criaturas abençoadas com a imbecilidade. Estou apenas de passagem e parei para te ver olhar o mundo com estes olhos tão tristes. Grita! E cala repetidas vezes.

“A maioria da gente
porque é estúpida
continua achando que ama porque se acostumou à sensação de estar a amar”

Ou algo semelhante.
Você acredita em amor à primeira vista, Ophelinha?
Achei que não...

A gente tem medo de acreditar no amor. Parece utópico demais,nunca aconteceria com um de nós. Mas, para ser sincero, a gente acredita de menos. Ainda mais em dias cinzentos como este. Nestes dias, a gente finge que acredita. A gente finge que o céu está azul, que os pássaros estão cantando... A gente deseja boa sorte e finge que vai dar tudo certo, para fingir – numa tentativa desesperada de afastar o medo – que a gente não acredita que o mundo vai acabar.

A andorinha voou voou
fezum ninho na minha mão
e um buraco bem no meu coração...
“Todo ente nasce sem razão…”

Qual é, afinal, a possibilidade de achar razão por si só? Diz-me a minha própria Filosofia que é essa a única possibilidade de ter “o direito de existir”: encontrar, por si só, um sentido para a vida. Isso porque, como diz o texto em laranja acima, tirado do extraordinário romance de Jean-Paul Sartre, A Náusea, “todo ente nasce sem razão”. Porém, se isso é verdade, o quanto é válido e significativo qualquer sentido que se possa achar a posteriori?

As pessoas me dizem "por que precisa fazer sentido? A vida é bela, é boa de se viver, e isso basta!”
Basta?
Se afinal eu vou morrer? Toda a escuridão, os vazios infinitos do cosmos, as mágoas ilógicas de amores e ódios? Like everything else?

Não seria, então, nossa a escolha de viver mesmo sem um sentido: ela seria feita para nós por nosso ‘sangue’. Mas eventualmente as pessoas se matam. Então a escolha é possível, existe liberdade para decidir pelo caminho mais curto e direto. Existe outro caminho. Os suicidas tinham razão?

Existem duas possibilidades. Se sim, jamais saberemos. E não é dessas coisas “que jamais saberemos pois está além do limite da vida”. Nunca saberemos porque após a morte não há saber ou correção. Eles estavam certos apenas até o momento da morte: depois, eles não existiam para serem sujeitos de qualquer oração. Se não, por quê? Porque um ser maior – que não poderá, de qualquer jeito, ser um sentido para a existência, sendo ele próprio (hipoteticamente) um existente – nos fez? E daí?

(“O cocô da galinha é o pintinho”. Que bosta pode ser maior do que criar um ser vivente? Que ato mais egoísta e antiético que foder por cinco minutos, e nove meses depois jogar no mundo alguém que não tem direito nenhum de ser gente? Pra que ele também coma, ande, fale, leia, escreva, pense, crie, cague, fôda, se mate?)


“... prolonga-se por fraqueza...”

..........................................Morrer; dormir;
Só isso. E com o sono – dizem – extinguir
Dores do coração e as mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer – dormir –
Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
Os sonhos que hão de vir no sono da morte
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa.
Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,
A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,
A prepotência do marido, e o achincalhe
Que o mérito paciente recebe dos inúteis,
Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples punhal? Quem agüentaria fardos,
Gemendo e suando numa vida servil,
Senão porque o terror de alguma coisa após a morte –
O país não descoberto, de cujos confins
Jamais voltou nenhum viajante – nos confunde a vontade,
Nos faz preferir e suportar os males que já temos,
A fugirmos para outros de desconhecemos?
-- Shakespeare, Hamlet (Ato III, cena 1)


“... e morre por acaso.”

Tem de ser assim? Sendo toda a existência um grande acaso gerado por energias indefinidas se movimentando pelo universo e se combinando em explosões coloridas e quentes, pode a morte ter mais sentido do que todo o resto?

Martírio?

Suicídio?

Morrer pelo quê? Que valores nesse mundo são íntegros e fortes o suficiente para agüentar (e pedir) a morte de alguém? Quão forte se tem de ser, sendo a morte algo sem sentido e, portanto, sem peso para qualquer consciência?

Morrer para abrir os olhos da humanidade para a falta de sentido existencial é uma morte com sentido?

Não.

Mas é uma morte. Uma inexistência, finalmente. Um último suspiro – de alívio, dessa vez.

(Jean-Paul Sartre)
(só mais um morto.)

3.1.05

Na minha cidade tem poetas

Em Montevideo hay poetas, poetas, poetas
Que sin bombos ni trompetas, trompetas, trompetas
Van saliendo de recónditos altillos, altillos, Altillos
De paredes de silencios, de redonda con puntillo.


Salen de agujeros mal tapados, tapados, tapados
Y proyectos no alcanzados, cansados, cansados
Que regresan en fantasmas de colores, colores, colores
A pintarte las ojeras y pedirte que no llores.

Megafone:
. E o pato está na ratoeira
. E é dois mil e cinco
. E os poetas sobrevivem
. E a vida sobrevive
. E viver é uma delícia
. E morrer é uma delícia
? E quem quer alguns corpos
. Corpos frescos asiáticos (e africanos)
. E o turista gordo engolindo o maremoto com sua barriga cheia e seu corpo oco, completamente vazio, vazio fedorento!
. Barriga cega!
(fim.)

E pedirte que no llores. A pintarte las ojeras e pedirte que no llores.
Não chore ainda não
Que eu tenho uma razão
Pra você não chorar
Amiga me perdoa
Se insisto à toa
Mas a vida é boa
Para quem cantar

E o Pa
to hoje choran
do riu por es
tar na Ratoei
ra

Chope! Barriga de Chope do turista da barriga arrogante!
Mas o pato rói a roupa da barriga arrogante do turista da Tailândia.

Faltam trezentos e sessenta e um dias para dois mil e seis!
Faltam sete ou oito para o fim do noso planeta!
Faltam sete ou oito dimensões móveis!
Falta uma cordinha para Aquiles ultrapassar a Tartaruga!
Falta uma geração de pensadores.
Falta música aos suicidas.
Falta lucidez.
Faltam valas aos corpos.
Faltam cidades de poetas.
Faltam poetas.
Sobra poesia.
Sobra vida.
Sobram lágrimas.
Faltam lágrimas.

As lágrimas têm um gosto delicioso.
As lágrimas são de sal de pelúcia.
O sangue tem um gosto delicioso.
Os venenos também.
Melancia.
Cupuaçú.

Faltam i dias.

Tienen ilusiones compartidas, partidas, partidas
Pesadillas adheridas, heridas, heridas
Cañerias de palabras confundidas, fundidas, fundidas.
A su triste paso lento por las calles y avenidas.

Ah! A Barriga... Minha barriga chorou e chorou e cuspiu e vomitou e chorou lágrimas cáusticas e irradiou cem mil palavras invisíveis dolorosas, doídas. A barriga.
A Barriga sangrou, implodiu - se ao menos tivesse explodido... - sem mudar o seu volume, mas a massa. A Barriga ficou densa, pesada. A Barriga ficou cinza concreto cinza concreto cheio de sangue velho. E foi morrendo aos poucos e foi morrendo e foi morrendo (mas barrigas não morrem) e foi morrendo e ficando densa e densa e densa e pesada; então a Barriga explodiu, finalmente, e explodiu apenas por não suportar mais nada e tirou o impossível e ficou mais leve, mas ainda pálida e caída, flácida. A Barriga queria cantar, mas não tem como cantar a Barriga. No entanto, a Barriga, em seu leito infinito de morte jurou que cantaria. Que cantaria se fosse necessário. Mas não precisou cantar. A Barriga irradiou uma música silêncio a barriga irradiou uma tristeza infinita e perguntaram ao resto do meu corpo O que houve com a sua barriga? e eu tentava responder, fazer um movimento apenas, um indicar, mas a barriga impedia, a barriga segurava as mãos, os dedos, a barriga não queria que soubessem. A Barriga sabia que sofreria. A Barriga sofria. A Barriga fez sofrer porque suas palavras invisíveis e sua música silêncio irradiaram. E a barriga não estava bem. Perguntavam. A Barriga calada. A Barriga não dormiu e não deixou dormir. Após a noite, a Barriga caiu a barriga não suportou e a Barriga disse palavras audíveis, que só fizeram reiterar as palavras inaudíveis. E a Barriga encheu-se de ar limpo e gelado. E choveu. E a Barriga coloriu-se. E a Barriga coloriu-se. A Barriga suspirou.

No pretenden glorias ni laureles, laureles, laureles
Sólon pasan a papeles, papeles, papeles
Experiencias totalmente personales, sonales, sonales
Elementos muy parciales que juntados no son tales.

Hablan de la aurora hasta, cansarse, cansarse, cansarse
Sin tener miedo a plagiarse, plagiarse, plagiarse
Nada de eso importa ya mientras escriban, escriban, escriban
Su mania su loucura su neurosis obsesiva.


Su mania su loucura su neurosis obsesiva.
Su mania su loucura su neurosis obsesiva.

Será que dá tempo?
Vou ou não vou?
Não.
Vou sim!
PAF
Morreu.
A morte veio e chegou bem de repente pra mostrar pra toda a gente que a morte também vem.

Conheço um cara que comeu manga com leite, foi picado por serpente; conseguiu sobreviver. E aquele outro pisou numa taturana teve morte instantânea não dá nem pra entender. Por quê?


A menina olhou para mim como quem olha para um bicho feroz, assustador e completamente desconhecido. Sorri. Ela saiu correndo.

O Pavão abriu e todos viram suas belas cores, cores, cores, plumagem majestosa.

A Rainha da Inglaterra levantou-se da cadeira de forma a alcançar a comida e se servir durante um jantar. Achando que a Mulher estaria se levantando, o garçom puxou a cadeira, a dama, então, ao tentar sentar-se novamente cai no chão e é amortecida por seus grande cachorros negros peludos, que costumam receber comida em jantares como esse.

Macondo é uma cidade de poeira velha amarelada.

Argh! grita para mim o orelhão no meio da rua.

Os Homenzinhos, cada vez em menor número, são sugados pelo redemoinho de urina e fezes, ainda fitanto seus grandes olhos no velho irreconhecível.

Andan por las calles los poetas, poetas, poetas
Como si fueran cometas, cometas, cometas
En un denso cielo de metal fundido, fundido, fundido
Inpenetrable, desastroso, lamentable y aburrido.


Eu amo.
Eu vos amos.
Patos
Na Ratoeira.

Eu me transformo num hipercubo. Bobagem.

O meu avô apontava para cada árvore e dizia o nome, o nome científico, os pássaros que nela se aninhavam, a altura e a idade. Sem erro.
Faltam poetas. Sobra poesia.
Papai Noel é cabra da peste.
O poeta também.

Os pássaros ficam em silêncio. Não querem competir contra os homens e suas comemorações infundadas de, como se diz?, ano novo. Os pássaros não querem volume, mas altura, melodia, harmonia, cordas e cordinhas.
Mas aí aparece caído no chão um pássarinho. Desses bem amarelinhos que estão em todo lugar. Morto. Erguendo a cabeça vejo o funcionário do zoológico carregando mais incontáveis passarinhos desses bem amarelinhos que estão em todo lugar. Mortos. Abre a grade da águia e joga os pássarinhos amarelinhos lá. Ela come-os sem sentir o gosto. De que adianta ter a alama colada aos ossos dessa carne errada? A águia não morre. Mas não vive. A vida não é nada mais que lutar e voar na maior velocidade possível e, numa prova incontestável de destreza, agarrar um passarinho desses bem amarelinhos ainda no ar. Viver não é nada mais que isso. Mas ela não vive. Nem morre. Matem-me. Matem-na. Ou dexem-nos viver.
Tira os bichos do zoo
Tira os bichos do zoo
Põe o homem na jaula
Põe o homem nu.

Põe o homem nu!
Põe o homem nu!
Põe o homem nu!

En Montevideo hay biromes, biromes, biromes
Desangradas en renglones, renglones, renglones
De palabras retorciéndose, confusas, confusas, confusas
En delgadas servilletas, como alcohólicas reclusas.

Quando eu era menor, queria ser um astronauta.
Posso?
Por favor?
Posso?

Andam por las calles escribiendo y viendo y viendo
Lo que vem lo van diciendo y siendo y siendo
Ellos poetas a la vez que pasean, pasean, pasean
Van contando lo que vem y lo que no, lo fantasean.

Valha-me Nossa Senhora
Mãe de Deus de Nazaré
A vaca mansa dá leite
A braba dá quando quer
A mansa dá sossegada
A braba levanta o pé
Já fui barco, fui navio,
Mas hoje sou escaler
Já fui menino, já fui homem,
Só me falta ser mulher.
Valha-me Nossa Senhora
Mãe de Deus de Nazaré!

Em Montevideo tem poetas.
Na minha cidade tem poetas.
Também
Há poetas.

E vida! Mesmo quando a barriga está densa.
Vida...

Miran para el cielo los poetas, poetas, poetas
Como se fueran saetas, saetas, saetas
Arrojadas al espacio que un rodeo, rodeo, rodeo
Hiciera regresar para clavarlas en Montevideo.

1.1.05

2 (dois) x ( ) 1000 (mil) + (e) 5 (cinco)

doze minutos.

Quantas pessoas já morreram esse ano?
Quantas já foram assassinadas?
Quantas se suicidaram?
Quantas pessoas tiveram seu coração partido esse ano?
Quantas partiram o coração de um outro?
Quantas pessoas choraram?
Quantas gritaram de medo?
Quantas de ódio?
Quantas pessoas beijaram?
Quantas transaram?
Quantas mataram?
Quantas pessoas roubaram um outro ser humano?
Quantas pessoas foram, só esse ano agora, seqüestradas?
Quantas novas vítimas das tsunamis foram encontradas?
Quantos civis iraquianos passaram 12 minutos sem suas famílias?
Quantos amores começaram?
Quantos amores terminaram?
Quantos casamentos?
Quantas canções foram escutadas?
Quantos filmes foram assistidos?
Quantos países foram bombardeados?
Quantos jovens tolos se apaixonaram?
Quantas mentes a mídia corrompeu?
Quantos traumas padres pedófilos causaram?
Quantas esperanças os fogos de artifício recuperaram?
Quantos seres humanos já enlouqueceram em 2005?
Quantas pessoas desistiram?
Quantos atropelados?
Quantos, em doze minutos, já escreveram uma nova entrada em seu diário?
Quantos escreveram em seu blog?
Quantas crianças nasceram em famílias miseráveis?
Quantos homens e mulheres ficaram cegos esse ano?
Quantos ficaram surdos?
Quantos ficaram mudos?
Quanta gente riu com uma piada boba?
Quantas mordidas foram dadas em outras pessoas?
Quantos gatos assassinos pularam do sofá para o chão?
Quantas pessoas ficaram bêbadas?
Quantas vomitaram?
Quantas desmaiaram?
Quantas tiveram ataques epiléticos?
Quantas pessoas escreveram um poema?
Quantas pessoas fizeram um desenho?
Quantos quadros foram pintados?^
Quanta gente entrou no mar?
Quanta gente morreu no mar?
Quantas sereias seduziram navegantes?
Quantos deuses viveram histórias de ciúme e vingança?
Quantas famílias jogaram o Jogo da Vida?
Quantos bebês se assustaram com o barulho?
Quantos dormiram?
Quantos jovens desesperados cortaram os próprios pulsos?
Quantos padres deixaram de acreditar em Deus?
Quantos padres continuaram a ser padres mesmo assim?
Quantos monges budistas fizeram sexo oral em visitantes dos templos?
Quantos homossexuais foram mortos por religiosos fundamentalistas enlouquecidos?
Quantos negros a Ku Klux Klan matou?
Quantos árabes o exército americano torturou?
Quantas mulheres no Oriente Médio foram castigadas por serem mulheres?
Quantos brasileiros morreram de fome?
Quantos finlandeses morreram de tédio?
Quantos russos morreram de frio?
Quantos livros importantes foram queimados?
Quantos índios foram queimados em pontos de ônibus?
Quantas mulheres foram estupradas num parque escuro?
Quantos seres humanos cansados acordaram de seu coma?
Quantos abraços foram compartilhados por pares de amigos?
Quantos por trios?
Quantos por grupos espiritualmente infinitos?
Quantas pessoas sentiram saudades?
Quantas pessoas ficaram com sono?
Quantas pessoas quebraram algo?
Quantas pessoas fizeram bobagem?
Quantas se arrependeram por isso?
Quantas pessoas cometeram crueldades contra animais?
Quantas pessoas se tornaram vegetarianas?
Quantos "obrigados" foram ditos?
Quantos "eu te amos"?
Quantos "adeus"?
Quantos "desculpes"?
Quantas pessoas queriam dizer essas coisas e não tiveram chance?
Quantas tiveram chance e não quiseram?
Quantas pessoas tiveram uma segunda chance e a aproveitaram?
Quantas pessoas não tiveram uma segunda chance, então criaram uma para si?
Quantas pessoas sucumbiram ao destino?
Quantas venceram-no?
Quantas pessoas descobriram o sentido da vida?
Quantas pessoas descobriram que cada um faz o sentido da sua vida?
Quantas pessoas descobriram que não importa, na realidade, o sentido da vida?
Quantas pessoas viraram budistas?
Quantas pessoas viraram atéias?
Quanta gente fumou?
Quanta gente fumou maconha?
Quanta gente cheirou cocaína?
Quanta gente voltou no tempo?
Quanta gente se tornou invisível?
Quanta gente foi parar num planeta distante em que as flores são chamadas de "lágrimas"?
Quantas pessoas sonharam com rosas e acordaram com as rosas na mão?
Quantos homens venceram o machismo?
Quantas mulheres venceram o feminismo?
Quantas crianças cresceram?
Quantos adultos cresceram?
Quantos bebês disseram sua primeira palavra?
Quantos balões de hélio esvaziaram?

Nem é possível dizer. Já não são só 12 minutos. Já são 00h32. O tempo passa, minhas crianças. Minuto após minuto, queridos, ele continua. Pois se não tivessem passado 20 minutos, as respostas das perguntas acima se congelariam para sempre.

Quantas pessoas já morreram?
Quantas levantaram do chão, com ou sem a ajuda de um ente próximo, e recomeçaram a viver?