22.12.05

a) natal

Dizem-nos que essa é uma festa que trata da vida, que fala do nascimento, da luz (de uma nova estrela e de um novo deus), que é uma celebração do amor.
Creio que não.
Todo ano, desde que nasci, e excetuando 2001 (quando eu estava fora do país), passei o natal com a família de minha mãe. No começo faziam-se comemorações pequenas, só entre a família, no apartamento de minha tia. Comíamos, ouvíamos música, e à meia-noite abríamos os presentes.
Nunca participei da preparação para o natal. Quando eu chegava, o presépio e a árvore e as luzinhas e tudo mais já estava pronto, montado.
Hoje em dia, o natal é uma grande festa numa grande casa com grande número de pessoas grandemente desconhecidas fabricando uma grande alegria da qual não compartilho, na qual me recuso a acompanhá-los.
O natal não é para celebrar a vida, mas para esconder a morte.
Não sou só eu: no fim de ano, as pessoas estão mais tristes, mais irritadas, mais nervosas, mais deprimidas, mais raivosas, e o ódio é, obviamente, muito maior do que o amor.
Já faz tempo que eu pedi, mas o meu papai noel não vem. Com certeza já morreu, ou então felicidade é brinquedo que não tem.
Não é à toa que se monta uma grande decoração luminosa, que se cantam o mais alto possível cançõezinhas ridículas, que as gentes se veste diferentemente, que se convida gente, que se prepara uma grande ceia.
O natal é uma mortezinha embrulhada no mantinho de um recém-nascido.

O natal não me atinge. Sou indiferente a ele, ou tento ser. Não me atinge no sentido de que não me deixo penetrar por essa bobagem de ‘espírito natalino’. Permito-me, como agora, ir contra o que tudo isso significa, mas jamais mergulho nisso. É uma montanha de porcaria, de fezes. É uma humanidade, que já se esqueceu como se faz pra ser humano, se forçando a seguir não verdadeiros valores de fraternidade, mas os mandamentos da Bíblia. O natal é porco. E em troca do grande esforço de vestir por algumas horas uma máscara de gente, ganhamos presentes.
Eu também ganho presentes. E gosto de ganhar presentes. E gosto de dar presentes.
Mas faço questão de ser igual o ano inteiro. Se só sabemos ser desumanos, sejamo-lo por inteiro, assumidamente, sem disfarces. Prefiro que me batam o ano inteiro do que apanhar todos dias menos um.
O natal é usado como férias de si mesmo, férias da própria imperfeição. Isso eu não admito.

Eis por que o natal é uma data de celebração da Morte. Porque se trata, acima de tudo, de reprimir nossos desejos. É a construção de um amor-máquina, um amor sintético, um amor de plástico.

E é um tanto hipócrita celebrar o nascimento de alguém que é cultuado por morrer.

E é por isso tudo que eu nem tenho vontade de dividir esse natal com as pessoas que eu amo.
Nem com minha família,
Nem com meus amigos,
Nem com Você.

Mas creio que seja possível propor um novo natal, um natal que seja o que é...
E a idéia principal deve ser o fim de ano. A passagem inimpedível do tempo, o fim de mais um ciclo.
O modo de comemorar meu natal variaria pra cada um. O ideal seria passar um dia com a família, um dia com a outra metade da família, um dia com os amigos, (talvez um outro dia com outros amigos). Pra finalizar o ano, pra marcar a morte de um período. A morte pode ser celebrada quando o é assumidamente. Faz bem, também.
A idéia é encontrar-se sem distrações. Todos conversando, convivendo uma última vez, se aproveitando.
O bom do natal seria que ele seria uma cerimônia laica, profana, e portanto universal.
E é claro que precisaria de outro nome.

Pergunto-me se estarei eternamente preso ao modo tradicional e infeliz de comemorar o natal. Se passarei o resto da minha vida encontrando a família de minha mãe, passando dois dias insuportáveis no interior, não vendo a hora de ir embora.
Ainda mais porque minha avó, o grande atrativo do natal em limeira, não vai durar muito tempo mais.

Última coisa: desprezo o papai noel. Acho-o nojento. Um burguesão assistencialista. Diz a canção: “como é que papai noel/ não se esquece de ninguém/ seja rico ou seja pobre/ o velhinho sempre vem”. Podre isso.

5 Comentários:

Blogger Pure disse...

Sabe? O Natal é a época em que a família (pelo menos a minha) se encontra e tenta esquecer todas aquelas coisas horríveis que falam uns dos outros pelas costas. E funciona. Pelo menos uma noite no ano, podemos ver todos sorrindo, se divertindo em abrir os presentes, conversando com quem não fala muito, vendo quem está longe. E você diz que o natal não vale nada? Que isso não vale nada?

As pessoas ficam tão mal no fim do ano não por causa do natal, mas por terem de fechar contas, arquivos, contratos... O natal, não se esqueça, está a uma semana do último dia o ano. Ele concretiza a esperança de um ano novo, de um ano melhor. E traz tudo à tona. Se você prefere esconder, se você prefere anular, faça-o, mas não espere o mesmo dos outros, pois, para muitos, isso faz muito bem.

Esqueça do Papai-Noel verlemho, branco e verde, inventado pela Coca-Cola para vender mais. Pense na lenda, pense no que está por trás de todos os presentes, pense nas crianças rasgando o papel colorido, com os olhos esbugalhados, esperando pelo próximo laço de fita a ser desfeito.

O natal é esperança. Se você a perdeu, procure, você pode até vir a achá-la...

22/12/05 15:43  
Blogger Artur disse...

Acho que você entendeu algumas coisas ao contrário do que eu disse, Luque... (ou pure...)

Eu sei que não é pelo natal que as pessoas ficam mal, que é exatamente pelo fim do ano. Eu disse isso no post. O que eu acho é que, ao invés de lidarem com a morte desse ano (toda passagem é, simbolicamente, do tarô até Freud até sempre, uma morte), as pessoas escondem isso e FINGEM celebrar um nascimento. Justamente o que eu sou contra é ESCONDER (o que você falou que eu faço!).
E eu acho que o natal pode fazer bem pra alguns, mas não acho que seja a maioria, e acho que seja exatamente as pessoas que levam o natal como eu gostaria de poder levar. Entende? Exatamente do modo que você falou!

E acho que não é à toa que existe natal e logo depois ano novo. Primeiro celebramos a morte de um ano, depois o nascimento do novo. Tudo em sua vez... Mas disso eu vou falar depois, no post (b).

22/12/05 17:48  
Blogger yuribt disse...

Então; Natal: divertido montar as árvorezinhas e colocar os enfeites. Muito bom ganhar presentes. Legal dar presentes (embora eu tenha ficado descontente com o meu; gostaria de algo que proporcionasse Realidade, mas fiquei com medo de ser pouco aproveitado no momento).
Está certo. Natal é morte. Por isso eu fico na janela e olho para as luzes da cidade e não sinto a paz que todos sentem. E vou na missa e rio daquelas crianças e seu teatrinho besta que - em qualquer outra época do ano - me despertaria interesse.
Ano novo eu mergulho. Morro de frio - porque invariavelmente é frio em Itapecerica. Ano novo eu sorrio e penso: Beleza; os três números da data mudaram.
Mas... perdão. Essa é a parte b).

A cada Natal, minha avó envelhece mais.

22/12/05 19:48  
Blogger Ozzer Seimsisk disse...

Sinceramente? Natal é um dia em que reunimos a família inteira. Não sei se é exatamente para contar as mentiras e os amigos-secretos forjados de sempre, se é para ganhar e dar presentes, árvore, chocolate e grinaldas de bala. Não sei se é para comer e cozinhar, se é para fazer tudo o que sempre fazemos ou o que planejamos fazer. Acho que é para saber que nos amamos, mesmo que isso não signifique nada. Acho que é para ficarmos juntos, por um único dia no ano.

Esse vai ser meu primeiro natal sem minha avó. Esse fato dói a cada instante mais em cada membro da minha família, embora eu só o perceba muito de vez em quando. Talvez por isso, talvez por este ter sido um ano tão difícil, tão terrível, tão sufocante para todos nós, o Natal seja tão esperado, seja tão importante... Não, acho que não cultuamos nada no Natal além da família. No nosso Natal, somos os prórpios personagens do presépio, procurando estrelas no céu que nos guiem aos nossos irmãos. Não podemos conceder esse dia a uma celebração dedicada ao ano, porque o ano vai sempre estar lá, enquanto a família está sempre vacilando.

Mesmo assim, eu gostaria que houvesse de fato uma celebração da morte do ano. Na verdade, no dia 31 fazemos uma despedida, mas ela está muito misturada à celebração do Ano Novo, como se os anos estivessem sempre nascendo e nunca morrendo. "O rei morreu, viva o rei". Será que é certo que não se velem os reis?

22/12/05 23:44  
Blogger Artur disse...

estou achando que, no fundo, TUDO isso é uma bobagem. Natal, meu post sobre natal, comentários... sei lá... parece bobo, mesmo...

o natal existe e é assim e pronto, acho.

23/12/05 00:27  

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