30.11.05

Para duas pessoas

1.

As férias efetivamente têm início quando eu me percebo obrigado a dormir para não ter de pensar. Sempre tive medo das férias. É certo, foram nelas que aconteceram alguns dos grandes fatos da minha vida – mas são todos fatos abstratos e absolutamente internos à minha cabeça, jamais fatos de verdade, factos, feitos, fazidos por alguém que faz. Portanto, não são fatos, são pensamentos, descobertas e desenvolvimentos intelectuais. Acho que o ser humano sozinho não consegue fazer o suficiente para não pensar demais – ele sempre precisará de outros galos que peguem pelo bico seu fio de existência e teçam um fazer róseo como a aurora cacarejada pelo mais viril dos aves. (Certas pessoas, contrárias à idéia da dicotomia mente-corpo como caracterizante do ser humano, podem discordar da diferenciação entre fazer e pensar, mas que há, há.)
Foram dias intensos os primeiros das minhas férias (definidas como período após minha última prova, ou seja, na conotação oficial do termo), os teatros (três) me proporcionaram duas semanas de atividade fazida, e ainda o vestibular prolongou tal período até domingo.
Deve-se, no entanto, fazer um parênteses: sexta-feira e sábado. Não fiz nada, passei os dias em casa, e foi um inferno. Mas não dormi para não pensar. Não fiz nada. Não estudei, não li, não vi tv, mal comi. Dois dias passados andando pela casa sem nada fazer ou deitado na cama, pensando. Sofrendo, chorando bastante. Acordei na sexta-feira com um humor até que bom, mas o que recebi me derrubou do penhasco direto nas pedras pontudas. No momento em que eu ia bater – o som eletrônico, horrendo mas ironicamente salvador. Um barbantinho segurando meu pesado corpo, me impedindo de me estraçalhar. Uma respostinha. Uma resposta adiadora, terrivelmente assim. Mas uma resposta que me permitiu agüentar mais dois dias. ...Sua.
Segunda-feira foi um dia maravilhoso.

Tenho uma vontade secreta
Escondidinha de vergonha
Na curva da minha boca.
Uma vontade verdadezinha
Que às vezes julgo mentira
De uma má vida sozinha.
Uma vontade mensagenzinha
Sintaticamente curta
Mas, se verdade, aguda.
Tenho uma vontadezinha
Inteira no diminutivo
Uma vontadezinhazinha.

Uma vontade nanica
Como você também é.
Dizem que muito pouco
Nada jamais pode ser.
Mas pouco segredo
Explode quando dessegredo.

Uma vontade secreta,
Pequenininha, singela,
Quanto poderá crescer
Somente por ser real?
Não é uma mensagenzinha
Assim, para ser escrita
Em aberto, à distância,
Sem nem olhar sua pele (alí) onde ela fica mais rosadinha.


Devia ter te falado aquilo na segunda-feira. Acho que não vou ter mais coragem de falar. Mas foi bom, foi imensamente bom, foi o melhor dia que eu tive nos últimos tempos. Me esqueço como é bom conversar! Falar de verdade, com a voz e a garganta e a respiração minha, carregando meus micróbios e hálitos e meu calor. Odeio aquelas mensagenzinhas de texto, mesmo estando viciadas nelas – elas são tão mais fáceis! Tão impessoais... falsíssimas, no que diz respeito à vontade lingüística. Aquela praça, já estava maravilhosa antes de você chegar. Tive prazer até com o constrangedor início, em que ninguém sabia exatamente o que dizer, ou como dizer, ou pra que dizer. Duas horas é tão pouco tempo! Mas deu pra falar muita coisa que precisava ser falada. Pensar também, mas não no sentido ruim do pensar, no sentido que me faz querer desistir de tudo, pensar no sentido criativo, que pode até produzir uma esperançazinha. Você é, Marina, uma esperançazinha. Como que caiu de uma daquelas árvores dentro da minha cabeça, mas bem aos pouquinhos. Precisamos fazer isso mais vezes. Não que tenhamos falado de coisas que eu nunca falei na minha vida, ou que não esteja nas minhas conversas mais atuais. Mas faz diferença falar com você, acho que você é a única pessoa que me entendeu mesmo estando a dois palmos do meu rosto. E, afinal, é com você que eu quero falar. Espero um dia poder falar mais este segredozinho – depois de um segredozão contado anteontem.
Mas realmente estava de bom humor anteontem. Um presente do acaso, talvez para compensar as mil vezes em que ele me jogou um pacote de merda na cabeça. Foi bom, finalmente, te abraçar depois de tudo falado! E não chorei, impressionantemente, surpreendendo a mim mesmo, não chorei em momento algum. Não choro há alguns dias. Novembro! Se você pudesse não ir embora! Sinto que dezembro me trará algo diferente.
Marina.
Marina, quando eu for pra Campinas eu te deixo meu endereço.

2.

O que acontece quando se vive bons dias em meio a uma hierarquicamente superior infelicidade é curioso. É claro que não me esqueci de Você em momento algum. Seria impossível, e cada vez mais. Pensei em você, falei sobre você – para quem sabe o que você é pra mim, pra quem não sabe, pra mim mesmo, pra quem nem te conhece (quem te conhece só como algo pra mim ou quem te conhece só como alguém). E foi inusitado o prazer que senti quando falei sobre você! Há quanto tempo não pronuncio tantas exclamações... e exclamações tão criativas! Exclamações eróticas, vívidas, não mórbidas!
Não te vejo já há tanto tempo. Na verdade, uns três dias. Vou te ver hoje. Vou me sufocar com sua beleza, me drogar com a visão do seu sorriso, me embebedar com um curtinho abraço de oi. E me sinto tão ridiculamente apaixonado que tenho vontade de gritar! Gritar que te adoro e gritar simplesmente, um grito grutural sem palavras! Patético, sim, eu admito, patético e ridículo e esdrúxulo e proparoxitonamente absurdo!

Tenho um pequeno prazer
Que repito e repito às vezes
Quando consigo me dar prazer.
Repito-o e repito-o também,
Algumas vezes, quando
Não consigo evitar.
É pensar em você e no que
Você deve estar fazendo
No exato momento que vivo.
Imaginar, se necessário,
Contanto que possa sentir
Que vivo o mesmo instante que você.

Agora você pode estar
Talvez descansando.
Talvez esteja conversando
Fazendo algo, se divertindo.
Ou se preparando – talvez
Esteja agora mesmo no banho...

E, se estiver no banho
Após tirar a roupa
E a água cai sobre você,
Quero a água, não sua nudez.
E, se não estiver, tudo bem
Também é bom não saber
E ver você de surpresa
Sua beleza continuará (sendo) a mesma se eu não estiver certo.


Mas houve, também, algo que me incomodou. Sim, é claro, claríssimo até, que eu nunca poderei te ter. Mas dói como se não fosse claro. E dói ouvir isso, com outras palavras, da boca de alguém que te conhece. Dói tanto. E foram dois dias alegres e foram alegres meus pensamentos em você, mas também doeu. E dói agora pensar nisso. Sonhei com você esta noite. E agora me pergunto e concluo que sim: você deve saber o quanto dói um suspiro.
Será(fim) que você lê isso daqui? Já tive indícios de que sim... e de que não. Não sei se quero que leia ou que não. Se ler, poderá dar uma espiadela dentro de mim, mesmo que não saiba que é de você que eu falo [o autor do texto propõe um exercício para quem o lê, seja quem for, conhecido ou não, menina ou menino, adulto ou jovem, sabedor ou não de quem é Você na verdade: imagine que você sabe que você é Você... só imagine. Talvez seja, mesmo... mesmo se não for, espero que sinta algo esquisito (não necessariamente ruim)]. Poderá ver o que eu queria que você visse por querer, o que eu queria contar pra você no seu ouvido, o que eu queria gritar pra você no seu ouvido, o que eu queria beijar em você, marcar com fogo na sua pele que te adoro e que sofro tanto por você e que me permito ser ridículo por você. Se não ler, não precisará se preocupar com meu sofrimento, ou ainda, não precisará ser indiferente, não precisará fazer algo ou saber que não está fazendo nada quando talvez devesse estar, se não ler não estará sendo indiferente justamente por ignorância... Se ler, talvez sinta algo. Por mim? Não esse algo, mas algo. Queria tanto saber que você sente algo por mim. Amizade (mesmo eu não sabendo o que significa amizade), que seja.
Acho que esta noite haverá uma confusão dentro de mim. Acho que me sentirei contente de te ver, mas também acho que sofrerei ao te ver distante. Enfim, odeio festa, mas te adoro, e agüentaria mil festas por você. Agüentaria tanto por você... mas já passou o tempo em que fazia promessas. Faço-as pra mim, no máximo, e não necessariamente as cumpro. Digo que agüentaria tanto por você não prometendo agüentar se puder te ter, mas só por falar. Desistiria de muito por você. Acho que desistiria do meu futuro – e já pensei bem nisso. Desistiria da minha sanidade, da minha dignidade. Sou ridículo.
Algo curioso: sofro muito perto de você, te vendo de longe, pensando em você em sua ausência ou presença, mas não quando converso com você. Quando converso com você o universo silencia seu buzinar incessante e eu sou contente, tão contente, e já nem preciso gritar que te adoro. Te adoro. (Apenas?)

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