27.7.04

A Parede ---------- Versão IV

Havia aqui um texto. Não há mais.
A maravilha da tecnologia conseguia, mas não quer impedir um texto de se perder no espaço. Rio. Choro. Mordo. Sofro. Odeio. Desprezo. Olho para a parede. Vazia. A parede branca; pedaço de parede a parede.
A versão II não tem quase nada a ver com o original.
Portanto, perdemos alguma coisa.


A Parede.
Descobri-a agora. Entrei em casa, distraída como de costume, e aí então, como fora do costume, vi suas bolhas. Bolhas. Nunca vira suas bolhas. Bolhas? A tinta branca a tinta. Vi a parede. Nunca vira a parede. A parede? O que ela fazia ali? A porta do banheiro, a porta do hall que podia estar cobrindo a parede, mas fechada. A porta. Os quadros ao lado da porta. Os quadros.
Quando pela última vez vira os quadros? Nunca. Desta vez também não. Eles pemanecem na escuridão. A parede não. O pedaço, o canto de parede. O canto. Paredes não cantam, mas esta sim. Nunca olhei para a parede. Nunca vi a parede no corredor pelo qual passo todos os dias, muitas vezes, mas hoje sim. Hoje a parede. A Parede sim. Pelo corredor o espaço vazio em minha retinas fatigadas o espaço da parede vazio e branco e bolhas e canto. Canto. Hoje eu não, mas sim. Sim, eu sim. Eu hoje a parede. Vi.

Eu vi a parede pela primeira vez. Hoje, distraída.
Apenas porque estava bastante distraída, de outra forma não teria olhado a parede. Clarice Linspector. Apenas estava bastante distraída. Admirava-os estarem juntos. Quando num desvio ou esbarrão sem querer se tocavam. Admirava-os.

Admiração. Intuição. A parede, branca, pedaço, canto.
Canto de primavera. Bagheera, Baguera. Cantada, xaveco, serenata. Concede-me esta dança? Dança dos pássaros nas ondas. Cortejo. Pedaço. Canto. Primavera. O quê?

Eu descobri um canto novo na minha casa. Foi como olhar para aquele cômodo pela primeira vez. Eu vi uma imagem nova, na minha própria casa.

O Corredor, o canto que faltava; e eu nunca dera pela falta. A falta. Minha baqueta. Batuta. Caixa de livros na mudança. Essas coisas acontecem. Ou não. Difícil dizer. Anel de elefantinho em Toque-Toque Pequeno que, aliás, é bem maior que Toque-Toque Grande. Tudo uma questão de tempo. Tudo efêmero, um prazer qualquer fadado a desaparecer no vácuo, assim como estas palavras, escritas uma, duas, quatro vezes. Quatro. Desaparecer. Descolorir. Aquarela. Assim como todas as outras canções.

Andei até o canto da parede. O canto. Olhei para o lustre; novo. A sala toda nova. Toquei a parede. O toque, novo. Olhei para trás. Um novo ponto de vista. Foi como ter acabado de mudar, e olhar para o cômodo mobiliado pela primeira vez. O reconhecimento. Vi a parede, o armário, o berço, as portas.

As portas fechadas. Os braços fechados: abraço. O reconhecimento do corpo abraçado. Emaranhado, entrelaçado. Um montinho de veias. Velas acesas, ou apagadas.

Reconhecimento
Reler: panos e lendas.

O muro.
A primeira visão da casa: sem muro, um estranho jardim da frente das janelas. Estranho. O portãozinho de madeira. O carpete. Tudo isso eu vi uma primeira vez. Mas a parede. A parede eu vi só agora, hoje. Ampla, vazia, grande. Pedaço de parede. Pedaço. Padeço. Pareço. Pereço. Morro. Teus braços me enlaçam e me deitam na cova onde esperas que eu fique e apodreça. Mas não. Quem cala, morre comigo mais morto que estou agora. Loucura.

Cura.

Eu olhando para o pedaço de canto de parede. Inúmeras descobertas. Agora, quando passar pelo corredo, poderei ver a Parede. Aliás, todas as paredes. Rio. Caberia um quadro naquela parede, caberia. Meus planos de mapa de São Paulo, cabem facilmente. Páro. Um quadro, a moldura do passado. Vejo agora o quadro como um todo: a porta do banheiro, a Parede no canto ampla e embolhada, a porta do Hall, os desenhos quadros n'outra parede.

Observo o canto. O Canto. Toco o canto da parede: fria, mas não mais que o meu olhar. Nunca! Rio. Vou falar que você usa drogas e diz coisas sem sentido. Rio do som da minha própria voz que canta, esse canto ilógico. Canto. O Som. Wolf não é nome de lobo que não late. É nome de cão. Canis lupus. Cão, lobo. Talvez fosse o nome de tudo ou coisa nenhuma. E os lobos foram os que aprenderam a não latir.

O Não. Não-latido. Vazio. Dág. Falta de sentido. Assim como minha mente.

Minha janela tem manchas. Mas isso foi na segunda, ou na primeira versão. Algo se perdeu para sempre.

Mordo tua costela. Corto teu peito. Te mato, mas não te devoro. Só as mãos, as mãos. As patas. Patas não são pernas. Solidão invisível. Quem grita, vive contigo.

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAaah!

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home