25.7.04

Pirandello tem sempre razão

Se podemos realmente ver-nos, é porque já estamos mortos. A forma é uma coisa morta. Teria aspas, mas eu não lembro direito.
O eu não é essa forma, não o Eu que está por trás. Não?
Eu sabia já, sabia que era eu, que morrera há três anos. Só me esqueci de nascer. Não tinha percebido o que é mais que lógico, o que qualquer um perceberia: arrasto por aí minha carcaça apodrecida. Não é a toa que cada vez mais eu...
Abre-me os olhos um marido-pai-consultor-professordedireito-advogado cuja forma morta ele não pode deixar. Não tenho um carrinho de mão. Mamãe sempre disse - Pirandello tem sempre razão. Aposto que a sua também.

Agora entenda-se - eu realmente pensava ter nascido. Devia ter desconfiado de um parto tão calmo. O parto deve doer, aguardo o meu tremendo de medo - pra não dizer cagando (mas parece que agora é tarde, já disse). Descobrir-se morto não está entre as melhores coisas do mundo. Não pode estar entre as piores, já que a morte é a inexistência, e o nada não pode ser bom ou ruim, melhor ou pior.
Eu não existo. E não falo de baboseiras pseudo-filosóficas berkeleianas à la Matrix ou qualquer dessas merdas. Deixemos claro que 'merda' não é palavrão. Eu não existo. Por enquanto, sou um eu nitzschiano, apenas impulsos, forças que lutam entre si para prevalecer dentro de um frasco de carne. Construo o mundo ao meu redor para não ter de me construir.

Chegamos assim ao fato irrefutável, porém adiável - e quem discordará de mim quando eu disser que o impulso que prevalece no meu ecce homo é o do adiar? Pós. Mas disfarça-se o adiar na pele vazia (e impregnada por um fedor de carne podre) do esperar. O fato: não adianta. A esse eu, jamais acontecerá o que eu espero. E se acontecer (criando uma relação de causa e conseqüência digna de Górgias - ou quem quer que fosse aquele, não lembro bem), não adianta.

Como pode alguém ser feliz sem existir?

Não adianta. Ainda terei que construir meu eu.

Esclareçamos: eu o faço. Construo, é verdade. Lentamente. Lentamente. Pode-se dizer que os momentos de mais contentamento (e não alegria) em minha

PAUSA. Vida? Morte? Existência? Inexistência? Optaremos, após um processo de escolha totalmente democrático dentro do meu próprio ser ou não-ser (dialética muito mais avançada do que a dos jovens hamlets aclassianos), por 'birosca' [Gabi, não você, a outra, onde você estiver, um beijo de seu amigo inexistente]. despausa.

que os momentos de mais contentamento em minha birosca são os de construção do meu futuro eu em que nascerei. Esse meu pseudo-eu é um útero. Muito mais frio que os úteros normais. Hoje eu me construi um pouco. Muito pouco. Na verdade, já havia construído, mas mostrei esse pedaço de mim para quem faltava. Foi uma pós-estréia. A idéia de pós anda aparecendo demais nesse post. Acontece que eu volto a adiar.

Poderia eu irromper desse útero, rasgá-lo agora mesmo, de sopetão, mesmo incompleto? Que terrores não haveriam quando a sociedade visse-me incompleto, membros faltando, buracos mostrando minhas entranhas. Das entranhas da terra, eu devoro.

Menti. Lá em cima, pode procurar: eu disse que arrasto meu cadáver. Menti. Bosta, também despalavrão. Meu cadáver me arrasta, pelos cabelos, meu couro cabeludo sangra, meu cadáver faz força e ri.

Você que me conhece há mais de três anos. Talvez possa contar a alguém como eu era quando vivo. Mas já não era eu. Era essa forma morta, só que viva. Não era uma forma. Era só conteúdo. Ser feliz é preencher o vazio de nossa existência, felicidade é ser-em-si, nada de para-si. Felicidade é a melhor das inexistências. Felicidade é impossível, e portanto é uma enganação. Quem me conheceu há mais de três anos viu uma enganação. E ela morreu. Porque só precisamos de um sopro.

Um sopro. Como antes, Pirandello tem sempre razão.

Quão brega é terminar o post com o título?

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