30.7.06

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Mesmo quando o mundo dos sonhos me prende em seu infinito tecido róseo como o plástico de minha fantasia eu gostaria de permanecer dormindo, sonhando mesmo que tenha de sonhar com a infelicidade de não te ter e te ver te desejar de longe, sonhar com a minha vida real mas disfarçada de sonho de histórias inventadas.

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Às vezes você volta de uma festa à fantasia e só vai dormir às cinco da manhã, mas mesmo assim às sete você acorda e não consegue mais dormir porque tudo o que você consegue pensar é que nada disso vale a pena e que já é domingo, amanhã você terá de voltar para o lugar que você mais odeia no mundo, e nada há para fazer a respeito a não ser abrir a janela e pular, então você lembra que tem medo de altura e pensa em pesquisar venenos eficazes e lembra do Akutagawa que se matou com uma grande dose de Veronal, você acha que não comercializam mais Veronal, que tristeza essa modernidade, os remédios estão perdendo sua letalidade.

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A obsessão não é lá muito elogiável, mas há pouco que o obsessivo possa fazer a respeito, afinal ele está obcecado, a culpa por estar obcecado apenas aumenta a obsessão, então provavelmente o melhor é simplesmente abraçar a obsessão e admitir que não consegue parar de pensar na coisa ou pessoa em que está pensando obsessivamente, nada há para se ter vergonha.

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E o tempo, invariavelmente, vai passando, você vai almoçar e ver algumas fotos e o dia já está acabando, já é dia trinta de julho de dois mil e seis, e você sabe que o tempo não deixará de passar, não existe misericórdia.

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E existe de verdade liberdade, de fato temos infinitas possibilidades dentre as quais sempre podemos escolher, mas que diferença isso faz se não importa o que escolhemos o resultado é sempre o mesmo, e a felicidade existe sim mas não depende da liberdade ou pelo menos não somente da liberdade, o que fazer se tudo o que importa na sua vida depende da resposta de uma outra pessoa que simplesmente não quer falar sim, que fazer se isso provavelmente jamais mudará, será que devemos simplesmente desistir de ouvir o sim mesmo sabendo que por dentro estaremos mais mortos do que já estamos agora?

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A morte, dizem, dizemos, não é o oposto da vida, pois faz parte dela e somente dentro dela existe, tanto que pouco ou nenhum sentido tem falar de alguém que “está morto”, pois se morreu não está mais nada, a morte é dentro da vida, mas opõe-se, também, a um outro sentido da palavra vida, sentido que como a morte se localiza dentro do campo da vida, podemos viver sem viver ou viver vivendo, e eu simplesmente não consigo aceitar isso em que eu me encontro como vida, e de certa forma estou um pouco morto, só queria estar um pouco mais, o suficiente para não estar mais nada.

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Eu sinto a cada dia a situação piorando, e o gosto pela vida indo embora, e a vontade de sair, ir ao cinema, ser ator, estudar filosofia, encontrar pessoas, ler bons livros etc diminuindo gota a gota, de modo que toda ação deixa de ter sentido, pois o único sentido possível para a vida e suas ações é a vontade humana, e é justamente essa vontade que em mim está morta, embora ainda reste em algum fundo de eu alguma glândula que grita que quer viver.

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De fato eu cresci errado, acabei me tornando ao mesmo tempo muito solitário e muito dependente, preciso praticamente parasitar meus amigos, mas não consigo não fazê-lo, e não desejo aprender a ser independente de verdade, pois conheço também a solidão e a independência, e não há nada nisso que me atraia, e no fundo não há surpresa no fato de eu depender de você mudar magicamente de idéia para ser feliz, é um modo idiota de tirar de mim a responsabilidade pela minha felicidade, mas sabem o quê, eu também já tentei de tudo para ser feliz por minha própria conta, eu fiz de tudo, eu agi de todas as maneiras possíveis e imagináveis, e nada deu certo, e realmente acaba parecendo que eu não fiz nada porque não teve nenhum efeito sobre a realidade fundamental do sofrimento.

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Não sei se vocês conhecem a dor de estar conversando com uma pessoa, olhando para ela, tocando-a, e mesmo assim ter saudade dessa pessoa, sentir falta de algo que existiu entre vocês e já não existe mais, perceber que talvez se ainda existisse a vida fosse não boa, mas mais agüentável um pouco, como eu sinto saudades da Marina e do Charles, isso sem contar as pessoas que eu realmente não vejo mais e que já foram tão importantes pra mim, mas até isso acaba perdendo o sentido, e quando estou sozinho em casa fico pensando em tudo que eu preciso falar pra essas pessoas todas ou fazer com elas ou pedir pra elas, todos os modos como poderíamos nos divertir a ponto de quase acreditar que somos felizes, mas quando eu as vejo eu acabo me perguntando Pra Quê e desisto de tudo, porque não faz diferença e não vale a pena.

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Cada dia eu sento aqui para tentar escrever algo que demonstre que está tudo pior do que nunca, que minha pele está prestes a romper sob a pressão de toda a dor que ferve dentro de mim, em forma de raiva ou tristeza, algo que faça vocês perceberem que não dá mais, algo que faça algum grande Outro sentir pena de mim (mesmo que eu tenha tanto desgosto pela idéia de alguém ter pena de mim) e descer de seu céu para me dar uma mãozinha, é como minha ateidade frágil, que procura falar e pensar coisas de modo que Deus finalmente resolva ser o absoluto Bem que ele deveria ser e dar pelo menos uma resolvidinha pequenininha nas coisas, pra qualquer dos lados que seja: pro lado da vida ou pro lado da morte.

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No fundo tudo é inútil. No fundo eu sei que se eu continuar vivendo vai ser para me tornar cada vez mais amargo, cada vez mais infeliz, e que no futuro eu vou olhar pra trás e ter a certeza de que eu deveria ter me matado. Eu sei que isso é o melhor que eu tenho pra fazer, e já faz muito tempo que todo dia eu tento criar coragem para finalmente me dar esse merecido final, mas o homem é limitado, seu medo não.

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Então continuo te esperando.

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