5.1.07

"A tree is a tree, and growing is to grow"

A gente fala em crescer e pensa que é o mesmo que amadurecer ou envelhecer, mas não é, afinal crescer fala primeiro de quantidade e depois de qualidade.
Quando eu era pequeno eu assisti no mundo de beakman que a gente podia se auto-induzir a sonhar com certas coisas se antes de dormir ficássemos pensando fixamente nelas. Foi aí que eu aprendi a imaginar. Até então, na cama, eu ficava escondido debaixo das cobertas porque tinha medo que ladrões ou a vilã do capitão planeta viessem me buscar agora que estava tudo escuro e minha mãe dormia, mas a partir daí a noite começou a ser a melhor hora do dia. Eu fantasiava grandes épicos, dramas e melodramas, comédias-pastelão, novelas, desenhos animados dos quais eu era o personagem principal, e que duravam por até meses, uma só história me acompanhava, e chegava a entrar na minha vida do dia – e foi aí que eu aprendi a devanear. E quem precisava de mais, de qualquer jeito, se a vida podia ser um teatro e eu ao mesmo tempo ator, autor, diretor e platéia? E foi sonhando que eu intuí que existia alguma coisa escondida e brilhante, alguma arca do tesouro, alguma fonte de água pura de cuja água quem bebesse amarguras não mais teria. Aí eu descobri que se eu contraísse meus músculos da face de modo correto, formando um sorriso não muito grande e quase todo interno (de um jeito que é até difícil descrever, mas que eu me lembro bem até hoje como se faz e ao qual eu sempre acabo voltando), eu poderia até sentir um arrepio bom, um cheiro dessa felicidade.
Mas isso quando eu era criança, e hoje eu já tenho dezoito anos – e meio. E continuo sonhador, certo. Mas com o tempo as histórias pensadas foram diminuindo de duração, e as histórias que duravam meses passaram a durar semanas, daí passei a precisar inventar uma história por semana, daí duas, daí uma história por noite porque a de ontem já era velha e perdera toda a cor, até que eu não consegui mais criar nem uma história inteira por noite. Começava e abandonava, começava e acabava assim. Foi mais ou menos ao mesmo tempo (e não ouso adivinhar a relação entre as duas coisas) que a infelicidade começou a entrar nas minhas histórias, e a água que me trazia a suspensão de todas as dores depois de um tempo tinha gosto de sangue ou terra ou fel. Hoje meus sonhos são cacos de vidro brilhante chovendo sobre uma cidade adormecida.
Então acho que isso é que é crescer. É aumentar em quantidade de realidade, até que toda a beleza seja empurrada pra fora por não caber mais.

2 Comentários:

Blogger Joel Pinheiro disse...

Olá Artur.
Seu texto dá muito o que pensar, pois o que você retrata parece ser algo relativamente universal; tive experiência de vida semelhante e suspeito de que muitas outras pessoas também.

A grande mudança parece ser que, conforme cresce, o homem fica mais exigente com relação ao que lhe traz alegria e felicidade. Mais especificamente, passa a dar um peso cada vez maior à verdade.

A criança sabe que seus mundos de fantasia, e também suas brincadeiras, são falsos; mas sua mente não se preocupa com isso. Enquanto se perde em pensamentos ou brinca, é capaz de entrar completamente na fantasia; e também sai dela com facilidade.

Mas com a idade, saber que algo não é real, que não tem ser de fato, já significa que aquilo não nos satisfará.
Consigo, hoje em dia, imaginar mundos muitíssimo mais belos e fascinantes do que conseguia na infância, mas o simples fato de saber que eles não passam de ficção tira toda sua graça.

E o problema a que você chega é absolutamente relevante: a criança, com seus mundos irreais e de sonhos, pode criar realidades fascinantes e belíssimas. Quem só se pode se satisfazer com algo que seja real, está condenado a procurar a felicidade na realidade. E a realidade, diferentemente da fantasia, é um caos de fatos desordenados e imperfeições, de sofrimento e angústia.

Mas qual é a matéria-prima da nossa imaginação? Com base no que construímos os mundos fantásticos de nossos sonhos? A nossa mente não é capaz de criar idéias e imagens do nada; precisa trabalhar sobre as nossas experiências e conhecimentos adquiridos de fora, da observação da realidade.

A conclusão desse fato trivial é enorme: se somos capazes de imaginar mundos belos e bons, e se a nossa mente só trabalha com o que absorveu da realidade, então a origem daquelas coisas que consideramos belas e boas está na realidade, por mais desastrosa que ela possa parecer.
A procura por essas origens, e, quem sabe, pela origem última dessas origens, é o que o homem empreende para recuperar aquela felicidade e deslumbramento infantil, mas dessa vez não dentro dos limites de sua própria mente, e sim fora dela, na realidade, que não conhece tais limitações.

A filosofia, e mesmo as ciências, podem ser interpretadas são manifestações: em meio à variedade e diversidade riquíssima, mas aparentemente caótica, dos fenômenos e dos seres, descobrir a regularidade e a ordem.
Claro que, por exemplo, um artista, olharia para a realidade procurando algo totalmente diferente (e em diferentes níveis de profundidade) de um químico, mas ambos procuram transcender as meras aparências e casos particulares e chegar a algo mais universal.

E não é vã essa busca. Isso fica claro quando se percebe que a realidade é muito mais rica que os nossos sonhos mais fantasiosos, e por isso mesmo mais digna de deslumbramento.
Que as pedras caiam no chão ou que existam cachorros é tão ou mais fantástico que vassouras voadoras e dragões imaginários (e aqui nem entramos no terreno da relação com pessoas reais!).

Que exista alguma coisa ao invés de não existir nada (que parece algo perfeitamente possível) já um mistério e uma "aventura" infinitamente mais intrigante do que as nossas construções imaginativas, por mais que essas também tenham seu valor.

Essa contemplação e experiência do ser e da realidade leva-nos, ou ao menos é o que me parece, a uma felicidade muito mais profunda do que aquela que vislumbrávamos nas fantasias infantis.

Por isso, perder a capacidade de ser feliz e encontrar satisfação e beleza dentro de nossa própria imaginação não é algo trágico. Pelo contrário, é ocasião de se comemorar a liberdade adquirida.

Bom, desculpe pelo comentário possivelmente mais extenso que o texto original, e parabéns pelo blog, que conheci por acaso passeando por perfis de Orkut.

7/1/07 01:30  
Blogger Utak disse...

Uou! O Joel entende das coisas :D

gostei desses textos... de ambos, hehehe

É, na verdade só queria comentar que li e que sinto básicamente a mesma coisa...
Quando criança a realidade pra mim era fantasia. Todos os desenhos da Tv viravam realidade...
É, mas amadurecer é bom, pois mudamos de opinião. E criamos vicios mais realistas e divertidos(como beber, jogar ou conversar bobagens com seus amigos).

faz parte. Agora é encarar isso como realidade e domá-la.

10/1/07 23:45  

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