22.12.06

Pólvora e poesia

Quanta beleza existe nos panos esvoaçantes de um filme chinês de artes marciais... quanta beleza nas sombras do labirinto de um fauno, quanta beleza pode haver em dois amantes mendigos errando pelo Japão atados por uma corda? Quanta beleza há nas palavras rabugentas que se recusam a cantar em uma poesia? Quanta beleza nas palavras do amante que ficou vivo, quanta beleza nas entrelinhas de uma tragédia grega. Quanta beleza num simples gesto de mão, quanta beleza num ritmo corporal dilatado, quanta beleza no olhar nos olhos... quanta beleza numa pincelada abstrata, quanta beleza numa lâmpada que se acende, quanta beleza na areia mais branca das areias. Quanta beleza na explosão de um barco que leva uma mãe e sua pequena filha, num nariz sendo esmagado por golpes de uma garrafa, quanta beleza no dedo de um jovem rapaz holandês sendo cortado por uma terrorista árabe. Quanta beleza na tortura de crianças inocentes, no estupro silencioso da dama, no rapaz espancado chorando na soleira da porta. Quanta beleza, não é?, num saco plástico voando com o vento. No enforcamento da heroína indefesa. Na cegueira do mestre ilustrador. Na masturbação masoquista de Mishima. Na desconstrução de Hamlet. A beleza na pintura de um frango. Na fotografia de um prédio branco. No lábio leporino de Michael K. No canto desafinado de severinas, dizendo que a hora é hora. Quanta beleza na demonstração matemática do adultério de Penélope? Nas perversões rodriguianas e almodovarianas e pasolinianas. No gaguejar de Woody Allen e suas trilhas sonoras saídas de uma vitrola. Nas sobrancelhas unidas da pintora, Quanta beleza na figura andrógina de Nijinski. Quanta beleza na dor da mulher cúbica que chora sobre a mesa (lembro até de sua posição na exposição...)? Quanta beleza num prédio geométrico e orgânico. Quanta beleza na introdução melódica de uma canção do Chico. Quanta beleza na voz desafinada de uma cantora tradicional japonesa. No pacto com o demônio contado por Guimarães Rosa. Na máquina voadora do padre! Na trilha sonora de um filme com uma bela trilha sonora. Numa descida em prosa poética ao inferno. Num futuro bizarro e cômico em que alguém pode chamar-se Sayonara, Gangsters. No conto infantil de uma flor gigantesca e o menino que se acaba para regá-la.
A arte é bela (ou Thelma & Louise).

6 Comentários:

Blogger Charles Bosworth disse...

Quanta beleza há num post?
Não muita, mas ele pode falar de outras belezas e nos levar para vários lugares. Entendi grande parte do que você viu nestes dias - e foi divertido adivinhar outras. Vejo livros, filmes, peças. Que interessante. Não sei bem o que dizer... Ah, só queria falar que eu li. Então... eu li.

23/12/06 01:37  
Blogger muriel disse...

hum... Dolls, Beleza Americana, Shakespeare, Takahashi, Coetzee, ballet... interessante, Artur

30/12/06 17:07  
Blogger Artur disse...

muito referenciada você, Muriel... só uma coisa: Shakespeare não tem...

31/12/06 00:40  
Blogger muriel disse...

"Na desconstrução de Hamlet."
ah, desculpa, mas pensei que Hamlet fosse de Shakespeare, sabe...

3/1/07 15:59  
Blogger Artur disse...

Hamlet sim, mas sua desconstrução é de Heiner Müller...

5/1/07 13:25  
Blogger muriel disse...

bom, Shakespeare não ia desconstruir o próprio personagem... de qualquer forma, gostei do seu texto, Artur.

6/1/07 01:24  

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