2.11.05

Tempos negros

Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fonte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Bertolt Brecht
(tradução de Manuel Bandeira)

I - Dos meus tempos negros: A estrela, de Manuel Bandeira

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia


II – De ser um formando em tempos negros

Mas eu não estou triste. Eu sei, eu sinto, que existe em mim uma tristeza por estar me despedindo de toda essa fração de mim que foi o colégio e as pessoas com quem, nele, convivi. Mas eu não estou triste, essa tristeza existente não me atinge, não me alcança, apenas me tangencia numa raiz imaginária. E me é estranho ver as pessoas choramingando, chorando, berrando. Por que não posso chorar também? Antes, achava que ia chorar muito, mas muito mesmo, era o que tudo indicava. Mas simplesmente não consigo sentir a tristeza que em mim há. Não faz sentido, mas é justamente isso: não faz sentido, não tem importância. Ficou indiferente. É como se não tivesse acontecido tudo o que aconteceu nesse colégio... só o que aconteceu nesse colégio foi eu te conhecer...

III – De fazer teatro em tempos negros

O teatro sempre foi o que mais fez sentido em minha vida - não é à toa que eu resolvi ser ator da vida. Mas agora nem isso faz sentido pra mim, e eu passo os ensaios dos meus três grupos querendo que o ensaio acabe, e pensando em você. Não consigo me concentrar, me doar para o trabalho, não consigo ver no teatro a maravilha artística e existencial que encontrava nele ainda em junho. Lembro-me da minha viagem a Campinas, em que me parecia tão claro o que eu queria: ser ator. E pronto. Agora, me é estranha essa possibilidade. Enfim, não quero ser nada. Quero você. Quero você. Quero você. Não quero, NÃO QUERO ir pra Campinas, se isso significar te deixar aqui, mas que direito terei eu de falar isso, "te deixar aqui", não te TENHO aqui para te DEIXAR. Perdoe-me minhas palavras impróprias. É que te quero.

IV – Do ato de escrever em tempos negros

Antes de querer ser ator, queria ser escritor. Então, escrevia. Desde sempre gostei de escrever e escrevi, coisas mil, historinhas, historietas, histórias, historiões (inacabados). Escrevi diversos contos, comecei a escrever um romance, e modéstia à parte (porque, me desculpem, eu acho a modéstia um sentimento meio apodrecido) eu gostava um tanto do que eu escrevia. Mas não consigo mais escrever coisas que eu goste. Escrevo posts para o pato, alguns poemas ruins, alguns textos poético-prosáicos sem graça, nada com qualidade literária. Mas são os textos mais verdadeiros que eu já escrevi na minha vida. "Serafim" foi o texto mais verdadeiro que eu já escrevi na minha vida. "Madrigal hesitante" foi o texto literário mais verdadeiro que eu já escrevi na minha vida. Só porque eu escrevi eles pensando em você, pra você. Queria escrever um grande épico em que eu sou representado pelo Centauro e você pelo Serafim, seria uma estória grandiosa, musical, lírica, bela, trágica, com um fim terrível de fazer chorar os mais insensíveis leitores. Mas é claro que nunca escreverei isso.

VI – De estar em tempos negros em tempos negros

Sempre fui alguém que se preocupava demais com o mundo em que eu vivia. Sempre tive uma posição política clara e definida, sempre fui crítico quanto à nossa sociedade nojenta, sempre uivei contra o que considerei errado, sempre defendi (e às vezes até propagandeei) meu ideário de esquerda. Mas não consigo mais ter tudo isso em mim, fazer tudo isso, me preocupar com tudo isso. Ainda tenho um certo senso crítico, mas meu discurso político (no amplo sentido da palavra "político") me parece só formal, superficial. Me sinto culpado por não me importar, por estar indiferente quando me apontam as injustiças capitalistas, por ser tão hipócrita. Mas, que surpresa, só consigo me preocupar verdadeiramente com você, só consigo pensar em você, só consigo falar com verdade sobre você, só consigo me interessar por você, e estou ficando louco.

VII – Dos seus tempos negros: O impossível carinho, de Manuel Bandeira

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor –
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

3 Comentários:

Blogger Ozzer Seimsisk disse...

Eu queria...
não, não vou dizer nada.
Ou vou?

Será que no fim as palavras que dissemos serão apagadas na areia?
E o pior (o mais intangível)
é esse monstro na aurora engolindo tudo, tudo, até os dentes, a gengiva a mandíbula e o sangue todo, babando babando todas as possibilidades.

Eu vi você mudar nos últimos três anos (não sei se eu já te conhecia antes...). Posso não ter visto tão bem assim, Urso Canadense, mas vi o mundo se retorcer ao seu redor e as pessoas nele tão incontidas. (Essas pessoas idiotas.)

Talvez a perspectiva torne tudo muito diferente. Mas acho que você, não sei, está adolescendo... Não digo isso com desprezo, mas com fascínio. Crianças são tão racionais, tão lógicas e tão sombria, especialmente as pré-adolescentes... (digo isso por experiência prórpria, claro - as outras crianças não conheci tão bem)
Acho que todos, no fundo, só crescem quando vem aquele desejo de cortar o próprio pescoço... ou vice-versa... quando nada mais importa, sabe? Nada nada nada além de você.

4/11/05 15:53  
Blogger yuribt disse...

É..
pelo menos difuso.

4/11/05 23:14  
Blogger Artur disse...

acho que não concordei com nada do que você disse, dona Marina... mas tudo bem, eu te odeio... e realmente, talvez seja uma questão de perspectiva (afinal, você vê tudo daí de baixo......)

6/11/05 20:54  

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